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terça-feira, 26 de outubro de 2010

“VISGA”, João dos Santos - CALCETEIRO


Ele, João dos Santos.
Seu pai, António dos Santos.
Sua mãe, Maria dos Santos.

VISGA, alcunha herdada do avô paterno, que passou para o pai, para ele, e em escritura popular, passou para seu filho Joaquim (Manuel Baltazar) dos Santos.
Seu avô, pastor vivido e atrevido que era, não parava de piscar, empiscar, fisgar e por fim Visgar, ora um, ora o outro olho às terceiras, raparigas, que ao terço ganhavam no campo parco sustento para tantas barrigas.
De tanta terceira fisgar, do peito à cabeça e da perna até à liga, ficou Visga.
Seus pais,


Criados, isto é, viveram na Fonte Fria, ele cabouqueiro que tanta pedra cortou para pedreiro, e ela, sua mãe, doméstica e leiteira, que em grupo diário transportava à cabeça para Castelo Branco, cântaro de leite, já casada e ainda em solteira.
Sua mãe, faleceu com 91 anos, e, seu pai, faleceu com 98 sendo na data o homem mais velho de Alcains.
Ali, na Quinta Santos, a figueira não dá abêbra branca prêta ou parda, dá sim calçada...


O Ti João dos Santos, Visga, ficou cego da vista esquerda aos seis anos.
De pão centeio, partia fatia com calor de Agosto, em casa com telhado de telha vã, centeio de bolsa retirado, pendurado, quase enforcado...
Seco, ao sentir gume de navalha, ralha... sai vítrea chispa qual faísca, que atinge menina de olho...
Trabalhador nas estradas, carroceiro, capataz com os Pereira Biqueira patrões, aprende em Loures a arte de calceteiro, com os homens de Fanhões.


Por ali, já adulto, fez a 4ª classe, e, em Lisboa, no bairro de Santa Cruz em Benfica treinou a batuta de calceteiro, culminando numa obra de arte que foi o restauro dos painéis em minúscula calcêta, que eu bem conheço, da Cervejaria Trindade.
Por volta de 1965, regressa a Alcains, desta vez a trabalhar por conta própria.
Nessa altura havia o primo Domingos Bicho e o Ti João ensina o irmão, o filho e outros que por aí estão...
Raras serão as vivendas em Alcains e um pouco por Castelo Branco e arredores, que não terão excelentes trabalhos de calceteiro nos seus jardins e até dentro de casa.
Em todas as freguesias do concelho da Sertã, no Sabugal, na Covilhã, o Ti João Visga, trabalhou, calcetou até que se reformou.


No Centro de Formação Profissional, foi monitor em dois cusos de calceteiros.
Dos 24 alunos que tais cursos frequentaram, apenas dois exercem a actividade, o Matos dos Escalos de Cima e o Alípio da Partida, S. Vicente da Beira.
Em Alcains, desta profissão há um herdeiro, seu filho Joaquim, também dos Santos, calceteiro.


POLÍTICO

Muito antes do 25 de Abril, trabalhou na Covilhã para o Sr. António Gonçalves Infante, por alcunha o Batoquinho, com outros Alcainenses entre os quais o José Fradique, (já falecido), por alcunha o José Manha ou Menha.
Tipo porreiro esse Zé, assim se referiu o Ti João Visga ao seu antigo amigo.
Homem que não dava graxa ao patrão, o José Fradique, recebia a imprensa clandestina do PCP, nomeadamente o Avante, o Têxtil e livros comumente proibidos.
Prendem entretanto o José Fradique e mais dez outros companheiros.
O Ti João Visga, com receio de ser engavetado, muda-se para Alenquer, para a serra da OTA, na data já casado, despista a PIDE, e em casa também ninguém sabia dele.
Por ali tempos andou, a cortar pedra, e em Alcains sem culpas, ninguém dele deu inculcas.
Depois do 25 de Abril, é contactado pelo Carlos Vale, que em ficheiros da PIDE, deparou com foto e ficha do Ti João Visga.
Filiou-se então no PCP, devido à sua condição social, e à injustiça de terem, sem razão, prendido um homem bom e amigo que era o José Fradique.


Em manhã chuvosa por volta de 1967, bate à porta da sua casa um agente da PIDE acompanhado pelo Cabo Filipe da GNR de Alcains.
Atendeu o Ti João.
Face à chuva que caía abre a porta e manda-os entrar.
O agente da PIDE identificou-se, e disse-lhe que não se assustasse pois não vinha para o prender, mas apenas para rectificar a sua identificação.
Trazia consigo todas as moradas por onde tinha andado... aconselhou-o... sabemos que é homem de trabalho... com família formada... bom chefe de família... deixe-se disso... você não é político e a gente sabe disso...


Desabafava comigo, o melhor do 25 de Abril foi a LIBERDADE de expressão, quanto ao resto...
Quando, com outros amigos, estivemos para Servir Alcains na Junta e Assembleia da Freguesia, o Ti João Visga eleito pelo PCP, fazia parte da Assembleia da Freguesia.
Soube sempre de que lado ia assentar a calçada...

Manuel Peralta

1 comentário:

  1. João dos Santos…um PCP que desconhecia a palavra sectário.

    Gostei de rever o percurso profissional e político deste alcainense. Quando em 1980, por altura das eleições autárquicas, surgiram duas listas compostas por cidadãos independentes e a APU, onde se alojavam os simpatizantes do PCP, a disputarem talvez as eleições mais disputadas até hoje em Alcains, o voto da APU, era decisivo na decisão do poder autárquico da Junta de Freguesia.
    É que entre as outras duas Listas, «Servir Alcains» e «Por Alcains Concelho» embora com prevalência da primeira, a situação era quase de um empate técnico.
    Prevendo desde logo as tensões que tal situação pré-figurava, isto é Alcains apresentava-se dividido ao meio, o voto da APU, era decisivo.
    Não teve dúvidas em optar pela Lista Servir Alcains e concordar com a estratégia traçada por esta lista, de votar para vice-presidente da Assembleia de Freguesia, do líder da outra lista e aceitando também ele, o lugar de vogal na mesa da mesma Assembleia, sem tal o exigir.
    E teve início um processo de plena democraticidade, em que o Executivo. sem ninguém remunerado, respondia perante uma Assembleia cujos membros também não eram premiados com senhas de presença e cumpriam escrupulosamente um Regimento, em que além da Assembleia Municipal, pelo que se sabia, era filho único no concelho.
    E a sensatez das suas participações nas reuniões da Assembleia de Freguesia, eram um exemplo de ponderação e de colaboração em prol dos interesses de Alcains. Soube sempre calcetar onde devia, parafraseando as
    palavras do “homem do leme”, na altura à frente do Executivo alcainense.
    A política naquela Assembleia e enquanto eu fui presidente da mesma, foi mesmo colocar sempre à frente, os interesses de Alcains e dos alcainenses!...
    Termino com uma palavra amiga a um homem que já não vejo há muito, e de amizade por quantos participaram no mesmo processo, alguns dos quais já não estão entre nós!
    Um abraço, Ti João “Visga”.
    MC

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