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sábado, 27 de novembro de 2010

“Carquita”, Maria da Luz Sanches.

Na terra deles que é a nossa, há Rainhos, Reis e Rainhas, Ritos e Ritas, não há Carquitos, só Carquitas.
Mas Carquita, porquê?


A Maria da Luz Sanches, que em Alcains ninguém a conhece por este nome, mas apenas por Lurdes Carquita, conta que o seu avô materno de nome Joaquim Beirão, nasceu como fica a nossa alminha depois de a gente se confessar… ”branquinha comá neve”… completamente careca, sem pelo nem cabelo.
Emocionados com tamanha alvura, seus pais, atagantavam-se, e fazendo festas na cabecinha do menino, não conseguiam dizer… ai meu lindo carequinha… deixavam cair todos os “és”, e diziam… ai que lindo carquinha… ai que lindo carquitinha, claro, isto ouvido em rua esconsa, de Ronsa, foi um ar que se deu… Maria do Patrocínio Reis, Maria da Luz Sanches, Isabel do Nascimento Sanches e Maria José do Nascimento Reis Dias, quer trajem de avental, saia ou vestido às riscas, são Carquitas.

Seus pais

Manuel dos Reis Sanches, Arraiano
Maria do Patrocínio Reis, Carquita

…e já agora, Arraiano porquê?

Na rua do Regato da Sola, havia um forno comunitário que eu ainda bem conheci.
Seu avô, João dos Reis, transportava lenha para o forno, e, por cada fornada de pão cozida, tinha direito pelo serviço a uma “pôia”, pão ligeiramente maior escolhido dos pães da fornada, que a forneira entregava e controlava.
Carregava tudo, em carro de junta de bois ou vacas, codeços, estevas e até cascas...
Avariado um motor do veículo, o João dos Reis parte para a raia na procura do seu ganha pão, a qualquer título.
Trás então uma motora, vaca trabalhadora que, por ter sido comprada na raia, baptizou de RAIANA.
A raiana no Outeiro deu brado, tinha almofada debaixo da canga, obedecia ao amo, que perdeu os Reis e ficou Raiano.


Dá que pensar tanto Arraiano e tanta Carquita…
Arraianos, o Jaime, ferroviário, o Helder que faleceu na guerra colonial em Angola, o Firmino que foi taxista e a Rosa e o Manuel que me lembre.
Carquitas, a mãe Patrocínia e as três filhas de nome Maria da Luz, Isabel e Maria José.
Tempos idos sem fartura e raro conduto, para quem viveu na rua do Reduto…
A mãe, Maria do Patrocínio, que ninguém conhecia por tal nome mas apenas por Maria Carquita, era sardinheira e não peixeira… assim mo disse a sua filha.
Aliás, naquele tempo, em Alcains não havia peixeiras, hoje já há… o meio quarteirão de sardinha ou carapau, e os dois chicharros eram as espécies vendidas pelas sardinheiras, já que o pargo, o robalo e a tainha como tinham espinha fina, todos tinham receio de se engasgar ao mastigar… e o melhor era não comprar.


Por aquelas vielas do Outeiro e Degredo, ouviram o chamamento do Senhor, quatro moças arteiras que foram para freiras.
A Maria de Jesus Saraiva, a Paixão Farias, a Isabel Sanches e a Clara Carola.
Com excepção da Clara Carola, já falecida, que adoeceu com apêndice e por tal facto não chegou a tomar hábito quedando-se em “apostulante”, todas continuam a exercer a sua fé, semeando amor, ajudando os outros do Minho a Timor.
Relembro que nos bailes da rua, sendo eu um “pinto calçudo” que começava então a esgravatar, as candidatas a freira ficavam sempre no patinho e só ali davam ao pezinho…

Por volta de 1947, a firma Luis Domingos & Irmão de Castelo Branco, ganham uma empreitada nos Açores, na ilha do Pico.
Tratava-se de fazer a estrada que rodeia a ilha do Pico e com o seu pai, Manuel Arraiano parte a família a bordo do paquete Carvalho Araújo, com muitos outros Alcainenses nomeadamente o José Bernardo, o Manuel Patrício e o filho, o Manuel Traitas e o pai, o Simão David, o Ti Joaquim Galarô todos como encarregados para as várias frentes de trabalho, sendo o encarregado geral o Ti José António Moroço que morava na Pedreira.
Foram portanto estes Alcainenses que orientaram a construção da primeira estrada digna desse nome, a circunvalação à ilha do Pico.
Por ali criaram amizades e contactaram com outros costumes, por exemplo.
Nas matações, depois de matarem o porco, penduram-no pela cabeça, não usam “tchambaril”, abrem-no em dois e convidam uns amigos para irem ver o “marrantcho” e outros, os mais íntimos para o “estofego”.
Os que vão só a ver, observam o dito, bebem licor comem bolos e saem dizendo em Picoês… ”miúta saiúde pró cmer”.


Por ali, em pleno mar aprenderam, que não faziam salga da carne porque o sal derrete, não faziam enchidos, não secavam maçaroca e até a marmelada… vejam lá… tomava bolor…
Faziam no entanto morcelas e torresmos…derretiam as gorduras, fritavam as febras e assim conservavam as carnes em tacôilas (asados de barro).
Prato típico para visitas inesperadas, aquecer torresmos, acompanhados de batata doce e está o almoço pronto.
Com muitos outros, Arraianos e Carquitas foram mais longe… vómitos de oito dias a bordo do Carvalho Araújo, em 1947 abriram o caminho não sei se emigrando ou imigrando na procura de melhor vida, perseguindo o parco trabalho que então havia…


Saga que, a salto, na década de sessenta outros houveram de continuar…

Parte de noite e não olha,
Os campos que vai deixar.
Todo por dentro a abanar,
Como a terra em Agádir.
Folha a folha, se desfolha,
Seu coração, ao partir.

Manuel Peralta

sábado, 20 de novembro de 2010

Jaculatórias... Orações

Pelo punho de minha mãe, tenho em caderno de uma linha, escrito desde há algum tempo, uma oração, uma jaculatória, que ela aprendeu de “cor” em criança, com a sua e minha Tia Ana Minhós, afamada doceira e cozinheira, que toda a vida morou na Rua dos Mortórios.
Denominada oralmente pela minha mãe de “Passo Téculo”, só agora decidi dar-lhe vida depois de, em conversa de passo corrido com o Sílvio Lopes Barata na ginástica, me ter esclarecido sobre a minha dúvida e em email esclarecer o seguinte:


Manel
Parece-me que é PAX TECUM."

"Pax" vem do Latim (pax, pacis): "pax" no nominativo e "pacis" no genitivo. (é assim que se descrevem as palavras em latim, ou seja, indica-se o respectivo nominativo e genitivo).
Na frase "A paz esteja contigo", a palavra paz desempenha a função de sujeito da frase, logo, em latim, "pax" deve estar no nominativo.
"Pace" é dativo e ablativo. O acusativo é "pacem". Na frase "DOMINUS, DONNA NOBIS PACEM", - "Senhor, dai-nos a paz", - a palavra "pacem" desempenha a função de complemento directo, logo, usa-se o acusativo. Isto, em regra, porque na líga de Cícero são mais as excepções que a regra.
Ainda cá tenho uma velha gramática de LATIM, que nem sei onde pára, mas, se for preciso, ainda a vou procurar....”
Sílvio Lopes Barata


PAX TECUM

Meu Deus glorioso,
Do céu e da terra foste nascido,
Entre toda a idolatria.
Peço-vos, Senhor,
Que o meu corpo não seja ferido nem morto,
Nem nas mãos da justiça envolto.
PAX TECUM, PAX TECUM, PAX TECUM…
Cristo, assim o disse aos seus discípulos,
Se os meus inimigos vierem para me prender…
Terão olhos mas não me verão,
Terão ouvidos mas não me ouvirão,
Terão boca mas não me falarão.
Com as armas de S. Jorge,
Serei armada.
Com a espada de Abraão,
Serei coberta.
Com o leite da Virgem Maria,
Serei borrifada.
Com o sangue de Jesus Cristo,
Serei baptizada.
Na arca de Noé ,
Serei arrecadada.
Com as chaves de S. Pedro,
Serei fechada…
Onde não me possam ver,
Nem ferir , nem matar.
Nem sangue do meu corpo, tirar.
Também vos peço mais, Senhor,
Por estes três cálices bentos,
Por estes três padres vestidos,
Por estas três hóstias consagradas,
Que consagras-te ao terceiro dia.
Que me dês a doce companhia,
Que deste ao Filho da Virgem Maria,
Desde as portas de Belém,
Até à casa de Jerusalém.
Deus é meu Pai,
Virgem Santa Maria, a minha Mãe.
Com as armas de S. Jorge, serei armada,
Com a espada de S. Tiago serei guardada,
Por todos os séculos, dos séculos, sem fim,
Amén.

Recolha oral e escrita, de Maria de Lurdes da Paixão.


Nota: Tenho outras preciosidades do mesmo tipo em carteira, que a seu tempo serão dadas à estampa.
Estas orações, passavam oralmente de geração em geração, e eram ditas e rezadas nas longas noites de inverno, em serões de família ou com vizinhos, enquanto se comiam umas passas e se bebia um “chá depois”, isto é de poejos.
Concursos entre primos e amigos, a ver quem decorava mais depressa e a oração dizia, era o pão nosso de cada noite e cada dia…

Manuel Peralta

sábado, 13 de novembro de 2010

Blog Aberto - ... e, FUI MESMO AOS FIGOS!

Figueira lampa ou lampara da horta

O meu amigo, de nome, Anónimo José Vasques, de Aldeia Nova de S Bento, Beja, serviu-nos em velho prato de “resmalte”, quarteirão e meio mais um, pelas almas, de saborosos figos, de quinto banzo de escada colhidos, todos de 1ª camada, generosamente colhidos por macia mão e a preço de tostão.
Rei Preto, sentado em trono que era um banco, se não vendia em verde, comia lampo…
Por cá, na terra deles, são temporões, lampos, ou de S. João visto que por vezes dão, ano sim, ano não.
Quando a primeira camada está dada, vai-se a figueira brava, nesta altura já bem aleitada, colhem-se bravos figos que se enfiam em coleira, que enfeita Lampa Figueira.

Coleira de figos bravos

Tolinha, então prendada e bem encoleirada, fica pronta a ser re-fecundada.
Dos bravos figos aleitados, em coleira apertados, sai insecto, que em corridinho algarvio de baile mandado, rodopia, tangueia, valseia exausta figueira que então prolifera como coelha em coelheira.
Eis a segunda camada, de lampinhos, rosadinhos, canininhos, docinhos.

Outra figueira lampa de quintal

Continuando,e na poesia do meu amigo Anónimo, registo.
... Passávamos figo em esteiras de junco ou junça...

Contrabando?

Traiçoeira língua, passar figo era transformar figo em passa, em passas, em passeira de junco colhido em margem de ribeiro, ou junça de flor castanha grisalha, que atava mólho, parreira, e, forte que era, segurava talha.
Figos de rabisco, como quem vai arrastar seara rabiscando “lintecão”, vagem preta em espiga doirada, marcada, por trigo rijo desflorada...

Abebreira Parda

... ”mais, la créme de la créme”, é a descrição da arrecadação dos figos… choupana de junco, secção triangular, duas águas, quentes e frias, projectada por arquitecto em perspectiva cavaleira, se não bimetrica porquê isométrica?
Engenheiros!!!
Por cá, na terra deles, tudo isso quer dizer, tchosso, precário alojamento de pastor.

Figueira Pchichota

Por fim PCHICHOTES, em Aldeia Nova de S. Bento, são vermelhos por fora e por dentro… por cá, na terra deles, são verdes por fora e vermelhos por dentro, melancias, ... claro, estou a falar de figos.
Apesar de estar incluída em comentário, não resisto a abrir o blog, para inserir excelente página de vida de gente com muita vida interior…

Abebreira Branca, nua, sem folhas

Abraço e obrigado ao Martinho Marques e ao Zé Vasques.
Continuem...

Manuel Peralta

Abebreira preta

Tenho receio que me esteja a exceder para quem visita este espaço, mas ficaria inquieto se deixasse passar estes momentos ("Mandou-me aos Figos" e "Filho de Sapateiro, se não Doutor..."), em que intervim, para deixar uma alusão aos que foram arrancados dos sítios onde viveram as suas infâncias, por pais tantas vezes heróis, pelos sacrifícios que tal representava à época, na procura denodada de melhores dias para os filhos. A opção foi nobre, mas o nosso sofrimento, o dos filhos, foi grande, ainda que por uma boa causa.

Abebreira Branca

Martinho Marques, na minha opinião o maior poeta alentejano vivo, amigo e da nossa idade, tem um poema que exprime bem essa saga, de que me atrevo a transcrever parte:

"CANÇÃO DA INFÂNCIA

À beira-Terges-e-Cobres
entre Alcaria e o Mendro
num casebre dos mais pobres
entre trigo e aloendro
dei eu os primeiros passos
no cerne de uma charneca
por tojos estevas sargaços
entre o dilúvio e a seca

Aos dois anos era o vento
o meu cântico e baloiço
que hoje ainda canto e oiço
no meu sangue em movimento

Aos cinco o que se oferecia
era o mundo em holocausto
um perfume de alegria
num frasquinho de mentrasto

Aos seis anos tinha cão
tinha fisga e tinha anzol
brincava de sol a sol
entre o Sol e a solidão
cavalgava marmeleiros
fisgava rãs e verdelhas
caçava ouriços-cacheiros
caracóis e peneireiros
e na seiva dos ribeiros
tinha barbos e pardelhas
Tinha grilos consagrados
ao meu silêncio ladino
com asas de violino
que orquestravam descampados
tinha túberas marmelos
amoras de silva figos
mel de abelha cogumelos
magustos e outros amigos
que do sol de abrir braseiros
com raios que são tições
e do trigo eram trigueiros
e eu tinha-os por companheiros
quando armava aos trigueirões

Aos sete fiquei a saque
separaram-me do campo
aos sete tive sarampo
e por muito que me pese
é justo que aqui destaque
que aos oito tive um ataque de catequese
...".

Figueira Coriga

Conheço quem ainda hoje tenha dificuldade em se recolher sem que antes, ao fim do dia, tenha reservado alguns minutos para olhar os campos da sua memória...

O Anónimo José Vasques

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Mandou-me aos Figos

Mas, quais?
lampos, ou lâmparos?
abêbras...!
brancas, pretas ou pardas?
de três em prato, ou três que enchem prato?
estevais, lefinos, pchichotes ou alváres?
se pretos e corigos nunca são demais,
então que venha um prato de bogalháis.

LAMPOS
“A minha até se vai alampar”…
Dizia o Zé Fava.
Com balde de figos lampos,
Que mão levava.
Gordos, pesados, rechonchudos.
Oh! sr. Manel, come-se tudo.

PCHICHOTES

Esverdeados se pouca sombra apanham, vermelhos acastanhados se pelo sol dourados.
De boca aberta choram baba e ranho, sempre que tomam banho.
Verdes por fora e vermelhos vivos por dentro, enganam gente… como a gente!!!

ABÊBRAS PARDAS

De samarra e pele grossa, apertada.
Passam Agosto a gosto, adoçadas.
Rogadas.
Se pele estala, abre greta em pele roliça.
Estaladiça.
Nem artrite… nem celulite… nem missa.

ABÊBRAS BRANCAS
Descoradas,
de verde sépia perdedor.
Macias,
doces como tias.
De feitio, lassas…
Boas pra passas.

PASSAS

…em cama de “tchosso”,
sem enxerga, e nas palhas...
bronzeiam-se ao sol…
sem palhas alhas.

Prenhes de doce,
concentradas…
Sem bicho,
escaldadas...

Sentado ou de pé.
Sabem muito bem
Com bagaço e café.

Manuel Peralta

Nota: Palhas alhas, são as cascas, palhas dos alhos que, amassadas com cinza, são uma excelente mézinha para curar cobrões, medicinalmente apelidados de ZONAS.

domingo, 7 de novembro de 2010

BLOG ABERTO - Velhas Glórias (Relíquias) do GDA-Grupo Desportivo Alcainense

O José Eurico Minhós Castilho, com esta foto, enriqueceu a montra de recordações de um tempo inesquecível, de glória e galhardia, que Alcains conheceu com o nosso GDA.
Em edifício alcunhado de JOC-Juventude Operária Católica, construído em rua sem saída, não me lembro de militância “Jocista”, tão pouco de JAC-Juventude Agrária Católica, e muito menos de JUC-Juventude Universitária Católica.
Recordo sim a dificuldade em entrar no edifício com segurança apertada pelo Ti Manel Pratinha (falecido) e pelo Ti Manel Pereirinha, quando queria assistir às partidas de Voleibol ou ver o Rim-Tim-Tim na televisão.
Fintá-los, driblá-los, era tarefa hercúlea para qualquer ponta de lança, ainda que, no pelado da Tapada da Senhora fosse treinado…
Campo de futebol sem vedação, pelado e a cal marcado, de peão e bancada de três degraus em granito reforçada, balneários de barracão com banho de água de poço trazida pela mão, e para lanche sandes de um pouco de tudo comidas, sofridas...
Com pundonor e galhardia… assim Alves do Santos dizia…

Manuel Peralta


Velhas Glórias do GDA – em foto com mais de 50 anos

Devidamente emoldurada aí está a foto, que em 1958, o GDA ofereceu ao Manuel Pereirinha, como prenda de casamento.
Os atletas devidamente equipados, felizmente alguns deles ainda vivos, estão aí para contar a estória de quando o GDA funcionava na JOC. Suscitam-me dúvidas, pois não falei com ninguém, a identificação dos 2 futebolistas à esquerda na foto, quer de pé, quer na 1ª fila. Depois lá estão de pé, Manuel Pereira”Canha”, Vítor Serrasqueiro, que ainda hoje conserva o mesmo tipo de corte de cabelo, José Ribeiro, um guarda – redes de mãos seguras, o Manuel Monteiro, e o Zé dos Santos, um médio, que rematava com “pés de chumbo”, tal a violência dos seus "tiros". Na 1ª fila, o tal extremo-direito que não consigo identificar, o Hélder Rafael, que me recordo de ver jogar em lugares mais recuados, o António “Cardaninha” um avançado-centro tipo matador, o Pereirinha, o pêndulo na distribuição do jogo e na ala-esquerda, o Joaquim “Cassapo”, veloz que nem uma gazela. Eram estes os nossos heróis. Hoje aqui ficam, à espera que o visionamento desta foto, possa suscitar alguns saborosos comentários e indicar um a um os nomes, se possível completos, da equipa.

MC