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domingo, 30 de janeiro de 2011

JACINTA CLARA GODINHO

A Maior Artista


Maior porquê?

Advogado da Honra, Casa de Pais, Matei o Meu Filho, O Lobo no Povoado, em dramas, Brincadeiras de Carnaval, Barnabé vai Casar, Um só Par de Botas, em comédias, Flor da Aldeia em Opereta, Senhor de Matosinhos, Recrutas e Sopeiras em duetos musicais de tudo um pouco, comediou, dramou e melhor cantou a Jacinta.


A foto retrata a família, seu Pai, Manuel Godinho que trabalhou no lagar do Sr. Gabriel Valente e distribuía pirolitos e salsicharia pelas aldeias, sua Mãe, Ricardina Clara, doméstica, seu irmão José precocemente falecido, e a Jacinta.
Viúva, fez a 4ª classe já adulta, nas Freiras, Irmãs Franciscanas de Maria, e com orgulho mostra a sua carteira profissional de Encadernadora Manual, profissão que exerceu desde os 14 anos nas Fábricas Lusitana de Alcains.


Nas Freiras, no Solar, as raparigas de então desenvolviam as suas capacidades a vários níveis, civilidade, costura, cozinha, etiqueta, dança, instrução básica elementar, canto, e claro TEATRO.
Tinham apresentado ao público, em encerramento de actividades, uma comédia denominada As Manas de Paio Pires.
Entre outras contracenaram com a Jacinta, a Carminda André e as MANAS de Alcains, gémeas, filhas do Ti Chico Preto, de nome Teresa e Otília.
Consta que, do patinho ao telhado em casas de sobrado, a comédia terá dado brado, até foi ao jornal, correu de porta em porta da barbearia do Vaquinha à do Pedal...
Ninguém dizia mal...
Mas, as gentes do teatro, as artistas, porque nem só no palco davam nas vistas, não eram socialmente bem vistas.
E imagino o Ti João Pereira, marido da Crisálida, extremosa filha do Ti Tobias que era simpático todos os dias, a paciência que terá tido para convencer a mãe da Jacinta, uma clara Ricardina em deixar sair a sua menina.
Duas vezes tiveram de por munha, carvão de lenha miúda, na braseira.
Mais, mexeram munha e caramunha, já com o Ramiro e o Cocharra à cunha...
Só com paciência de Armando, dizia o Caldeireiro de vez em quando.
Lá foi.


Na JOC, na Associação, na Casa do Povo a Jacinta contracenou com quase tudo o que era artista de papel principal.
Não se atagantava, e o ponto dormia descansado, pois como era dotada de uma memória exceptional e uma capacidade de memorizar rara, sempre que surgia impedimento de artista de última hora, lá estava a Jacinta.


Entre outros, para memória futura, este programa data de 1964 e mostra aquilo que foi a actividade cultural mais relevante em Alcains, o TEATRO.
Trabalhadores, estudantes, irmanados num mesmo propósito, valorizar Alcains e valorizarem-se...
Sempre, em todo o lado a Jacinta, bem acompanhada neste caso pela Maria do Carmo Pequenão Ferreira.
Desta vez sem ponto, nem o Belo da Silva, nem o Da Silva Belo.
O Ti Manel Pratinha corria o pano.

EM OPERETA


Na Opereta Flor da Aldeia, fazendo de Menina Antoninha, contracenando com o Rui Caldeireiro, fazendo de Menino Zuquinha...
Dizia o Rui.


O Coração do meu peito,
Está dentro do peito do seu coração...
E se a Rosinha, sentir no seu peito...
O meu peito, a bater pelo peito do meu coração?
Então o seu coração que salte,
Do seu peito,
Para o peito do meu coração.

De rir às lágrimas...

EM VARIEDADES

Acompanhada pelo Félix Rafael e pelos irmão Messias, a Jacinta cantava vários fados nomeadamente o Xaile de Minha Mãe, que interpretava de forma especial... nos coros, no rancho durante 20 anos, na Encomendação das Almas, nas Ladaínhas, enfim a Jacinta foi para mim, que me lembre, a mulher de Alcains que mais contribuiu para a elevação da cultura popular em Alcains.
No seu espólio, que gentilmente me cedeu para dele dar pública nota, mostro a seguir as capas de várias peças.


Nos teatros também se lutava por ser primeira figura, e claro, os produtores e realizadores do espectáculo, também tinham as suas preferências...
Estava muito em voga, na crista da onda, uma música denominada o Fadinho, assim.

O fadinho, mora sempre por castigo,
Num bairro antigo, num bairro antigo.
E a seu lado pra falarem à vontade,
Mora a saudade, mora a saudade.
...

Vieram as partituras para os instrumentos e o fado era para ser cantado nas variedades pela Jacinta, mas... foi dado à Deolinda Pirilau, que desafinou e teve de se parar, para se acertar o tom...


Nem imaginam o que foi nos bastidores, eu estava lá a preparar-me para cantar a balada do Soldadinho não Volta, e assisti... lindo e bonito, ali foi dito.


O Sr. Joaquim Teixeira em violino, o Ti Zé Sequeira em banjo, o Ti Vitor Pintor em saxofone, eram os músicos de serviço que acompanhavam os artistas nos fados, duetos, operetas e demais cornetas...
Quando o Sr. Joaquim Teixeira dizia, vamos DAR RESINA AO ARCO, queria dizer, vamos ao bar beber um copo, ponche quente, e até aguardente.


A Jacinta ainda hoje canta bem, e à boleia da memória dela, em tarde chuvosa, trauteámos o Meu Amor ó Noiva Querida do Damião, Óh Cartolinha Meu Amor, das Adelaides, Tens um filhinho Teresa, do Ti Domingos Cocharra, e que lindo que ele é, como se parece com o meu que eu tinha e que também morreu, ah... (chorando)... do Sebastião Rabisca, Rabisca Sebastião, do Dr. Salsaparrilha, enfim, uma vida cheia, ao serviço da cultura popular.

Comédia, dança, drama e cantiga, mas com muita pinta, só a Jacinta.

Manuel Peralta

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

FUTEBOL - ÉPOCA de OIRO

Foi na época de futebol de 1993/94, que pela primeira vez, o CDA, subiu à 2ª divisão do Campeonato Nacional.
Não houve direcção...
Uma Comissão Administrativa, constituída por um grupo de valorosos dirigentes, levou a Carta a Garcia, gerindo a Equipa de Futebol do CDA, no escalão mais elevado do futebol, até então conseguido.

COMISSÃO ADMINISTRATIVA
José Manuel Sanches, José Henriques, António João, Edmundo, José Vitor, António Carvalho e Amilcar.

DEPARTAMENTO de FUTEBOL
António Clemente, António Alves, João Roxo, J. Candeias, A. Conhé, Joaquim Pio, J. Flecha e Joaquim Soares.

DEPARTAMENTO MÉDICO
Dr. Abílio e Chana, massagista.

TREINADOR
Valter Costa

Jogadores, da esquerda para a direita e de cima para baixo.

Licínio, Edu, Cristiano, Joca, V. Ribeiro, Esfarrapa, Cuco, Bruno, Nuno, Parada, Moniz, P. Santos, Sérgio, Laia, Betinho, Marecos, Pacheco, Marcelo, Serginho, Chico Faria, Hideraldo, Nogueira e Lima.

Não faço aqui mais comentários, e fica o blog aberto para quem conhecer, tenha vivido, assistido, colaborado no desempenho destas equipas, administrativa, futebol, técnica e clínica, poder aqui testemunhar e com isso enriquecer a história do futebol em Alcains.

Ainda em campo pelado...

Da esquerda para a direita e de cima para baixo.

M. Pacheco, A. Clemente, Mário, M. Pereira, J. Eanes, J. Estorino, M.Matos, M. Minhós, Esteves, Roxo, Balhinhas, Edu, Zé Maria, Zé Esteves, F. Santos.

De que equipa se trata? Em que época jogou?, Treinador, quem? Que resultados conquistou? Com quem jogou?
Estas e outras questões ficam em aberto para todos os que, querendo, comentem e esclareçam os feitos e glórias deste grupo de trabalho.
Dificuldades em comentar, por favor, contactem-me.
O Terra dos Cães agradece.

Manuel Peralta

MUXIMA

Cães que cruzaram a minha vida

Claramente um título provocatório para aguçar o apetite de algum distraído navegante que encalhe neste Blog com um nome tão singular.
E que justificadamente poderá interrogar-se: afinal onde estão os Cães e as suas “estórias”? Afinal onde estão os protagonistas que farão juz ao título deste Blog? Sim, onde estão? E eu nesse particular também não posso prestar grande ajuda. Lembro-me de uma expressão, “ o cão do Guerra”, mas por mais que me esforce, não consigo descortinar o contexto em que a mesma frase era pronunciada.
Talvez “o homem do leme”consiga aclarar esta dúvida.

Vamos porém às “estórias” que tenho para contar, envolvendo alguns dos melhores amigos do Homem.

A primeira, aí vai. Década de 60, Coimbra, e um quarteto alcainense alojado na mesma casa, aonde em determinada altura existiu uma cadela, plebeia, sem pedigree, pouco mais que cachorra, e que acudia ao exótico nome de Muxima. A dita, em determinada altura dava-lhe para roer tudo o que pudesse apanhar. Sapatos, roupas, livros, não estavam a salvo naquela casa.

Na mesma casa, ainda com o 5º ano do Liceu às costas, alojava-se um outro hóspede de nome Zé Oliveira, já na altura um humorista do lápis e da escrita, com créditos firmados. E hoje, até consagrado em meios internacionais do Humor, com abundantes citações na NET. Pois o bom do nosso amigo, com um feitio especial, e a quem o “homem do leme” companheiro de quarto, também de fino humor, conseguia fazer ir aos arames, tinha uma camisa de cor bege, cujos colarinhos, foram um dia o alvo dos caninos da Muxima! Filosófico, o alvejado, referia, “a cadela está visto que gosta é de bolacha baunilha e confundiu o colarinho da minha camisa com essas bolachas”!...

E ríamos a bandeiras despregadas, com a associação daquela camisa às gulodices...

A Muxima dormia no quintal, cimentado. Tinha ladrar fácil aos ruídos da rua e derrapava nas corridas para assinalar a sua presença. Derrapagens, que aconteciam com uma parede de permeio, por alturas do travesseiro do “homem do leme”. E acordando-o ou não, este foi também uma vítima do comportamento daquela cadela maluca que nunca mais esquecemos...

MC

...Esmiuçando a Muxima


Muxima, palavra de origem Angolana que em dialecto Kimbundu, quer dizer coração, dá também o nome à cidade com o mesmo nome, situada na província do Bengo, a cerca de 130 quilómetros de Luanda, na África Austral, meridional, isto é do sul.

Muxima é para os católicos Angolanos a Nossa Senhora de Fátima de Angola, evocada e invocada na Igreja de Nossa Senhora da Muxima, anualmente a 8 de Dezembro, em peregrinação de milhares de pessoas, cuja devoção remonta a 1645.

Igreja de Nossa Senhora de Muxima

Popularmente baptizada por “MAMÃ MUXIMA”, os peregrinos têm uma forma muito peculiar de se relacionar com a sua Mamã, pois uns conversam, outros ralham, aqueloutros disparatam, aqueles rezam... enfim relacionam-se com a Santa como se de pessoa íntima se tratasse, manifestando-se exteriormente em função da graça já, ou ainda não concedida...

Está por apurar se a Igreja foi edificada por Holandeses ou Portugueses.

MAMÃ MUXIMAUE, é um verdadeiro hino Angolano, mornamente interpretado pelo saudoso DUO OURO NEGRO, música que fala da Nossa Senhora do Coração dos Angolanos, cuja música tantas vezes trauteei e cantei, mas cuja letra nunca percebi... de autoria do poeta Carlos Aniceto Vieira Dias de Angola.

Pudera, é uma poesia em dialecto Kimbundo, que só João Preto, baterista dos Dragões Negros, percebia e melhor inventava...

Para os melómanos, aí fica para a posteridade a referida poesia.

MUXIMA

Muxima ue ue, muxima ue ue, muxima
Muxima ue ue, muxima ue ue, muxima
Se uamgambé uamga uami
Gaungui beke muá Santana
Kuato dilagi mugibê
Kuato dilagi mugibê
Kuato dilagi mugibê
Lagi ni lagi kazókaua
Kuato dilagi mugibê
Kuato dilagi mugibê
Kuato dilagi mugibê
Lagi ni lagi kazókaua

Carlos Aniceto Vieira Dias - Angola

Quem assim escreve sobre Angola, esteve na Guiné... e antes esteve quatro anos em Coimbra acompanhado de três conterrâneos da Terra Deles, e da desastrada Muxima.

Equipa do 132 r/c

Do Menino ao BA, e do Senhor Off Mira à Renata, não havia ali, malapata...
Para o reino da glória, partiram já os saudosos, Sr.Leitão e a Dª. Vitória...
A cadela Muxima que derrapava junto à fresta das catacumbas, que ladrava sempre que a roufenha voz de ardina atirada para o ar, anunciava o POPULAR, e que, irritando o Perrincha, nem sempre saía da sala da televisão a mando do patrão, fez as delícias daquela família, a comer bolacha baunilha...
Tardiamente, me penitencio agora, por alguns apertos e aceleradas pulsações que inocentemente infligi, ao muxima (em kimbundi) da dita.
Pedindo desculpa aos leitores do blog por tratar aqui assunto mais particular, a foto que acima publico, retrata uma parte da equipa do 132 r/c de Coimbra, da qual recordo excelentes tempos de biológica camaradagem.
Natural, tão natural como a inesquecível família Leitão, com quem passei quatro anos de excelente e inesquecível vida.
O “mestre” Leitão e a Dona Vitória, por merecerem, teriam de ter este meu testemunho, que o MC, Minhós Castilho, despertou.
Cada elemento da equipa, decerto me acompanhará, nesta mensagem.

Manuel Peralta

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

LASSIE, LAIKA e RIM-TIM-TIM

Os Cães que povoaram o nossos sonhos de meninos…

Num Blog com este nome tão singular, não é de todo despiciente, que falemos dos ditos, que na TV e no Cinema a preto branco, durante muitos anos, nos deixavam de olhos arregalados, perante as aventuras que eles Cães, protagonizavam. E como primeiro são sempre as senhoras, vamos falar da Lassie, uma Collie, que teve mais 8, sucessores, e cujas aventuras povoavam os nossos sonhos. Foi Lassie a cadela mais famosa no mundo do cinema, protagonizando séries para a TV e até livros.

Aos menos distraídos, não passou despercebido, quando em finais da década de 50, uma cadela de nome Laika, a bordo da nave soviética Sputnik II, foi enviada para o espaço. Estávamos a 3 de Novembro de 1957, e aquela simpática cadelinha, seria o primeiro ser vivo terrestre, a circular em torno da Terra. Terá morrido, entre cinco a sete horas depois do lançamento, muito antes do planeado. Causas prováveis: stress ou sobreaquecimento do habitáculo, causado por problemas técnicos. Este facto, porém, só veio a ser assumido em público, algumas décadas depois do voo da simpática cadelinha, que nos pôs com ar de parvos, a olhar de noite o céu, para tentar ver alguma coisa de diferente. Talvez o focinho da simpática Laika, uma raça Siberiana.

Laika - Raça Siberiana

Outro canídeo famoso, participante em filmes, séries de TV e livros de banda desenhada, foi o Rin Tin Tin, figura emblemática do reino animal que até tem uma estrela no passeio da fama em Los Angeles.
Começou a ficar famoso na década de 20 do século passado, e passou para as décadas seguintes, substituído quando morreu, por cães da mesma raça. Teve 5 sucessores. O original, um Pastor Alemão tem uma história no mínimo insólita. No final da 1ª Guerra Mundial, em França, as tropas americanas encontravam num canil, parcialmente destruído pelas balas alemãs, num buraco, uma cadela que acabara por dar à luz 5 cachorrinhos. Enlevados com o achado, o Regimento fez dele a sua mascote.

Lassie - Raça Collie Americana

E quando regressaram aos Estados Unidos, os cães foram com eles. Um dos militares ficou com um dos cachorros, ao qual pôs o nome de Rin Tin Tin. Educou o animal durante cinco anos, o animal era inteligente e aprendeu a fazer vários truques. Era um Cão de pelo escuro e olhos negros.
O Cão aprendeu habilidades, a saltar de grandes alturas, começou a entrar em shows, e chegou ao cinema em 1923, no primeiro filme vestindo até o papel de Lobo. Actuou em 22 filmes até 1930. O Rin Tin Tin, morreria pouco depois. Mas o filão estava descoberto. Logo surgiu o Rin Tin Tin Júnior, e depois outros, em filmes até 1955.

Raça - Pastor Alemão

O êxito do Rin Tin Tin I,II,III,IV,V, com o sucesso alcançado despertaram outros concorrentes, o mais famoso dos quais terá sido o Lancer.
Os seus filmes e os livros de quadradinhos que então devorávamos, eram o encanto, das crianças que então éramos.
Num Blog que tem um Cão no seu logotipo, a evocação que aqui fazemos de alguns deles, faz-nos recuar à nossa infância, ao deslumbramento, à fantasia. Tínhamos então ainda uma vida inteira pela frente...

MC

domingo, 23 de janeiro de 2011

“ESCUDEIRO”, JOSÉ LOURENÇO LOPES

Era um tipo muito avançado em relação à época... afinado... um bom artista... educado... bem posto, recolhi entre outros, estes testemunhos de pessoas que com ele trabalharam.


JOSÉ LOURENÇO LOPES, por alcunha JOSÉ ESCUDEIRO, nasceu em Fevereiro de 1936 e faleceu em Janeiro de 1997, casado, tem dois filhos.
Genro do Domingos da Ti Mariana, que não conheceu mana, do Domingos da Miquelina, durante o namoro, e do Ti Domingos da Venda, primeiro e local único de encontro de Alcainenses com e sem raça, na praça...
Fez a 4ª classe, criado com os avós maternos em Pinhanços, Seia, para Montemor-o-Novo parte, para, ao pé dos pais, aprender a arte.
Seu pai, João Lourenço Escudeiro tinha em Montemor, vários canteiros de Alcains a trabalhar com ele.
Por ali esteve até aos 23 anos, fazendo obra, em Estremoz, Évora e também em Borba, com canteiros de pouco vinho, de Alcains e do Minho.
Era conhecido por lá, década de sessenta, como o Mestre Zé ou Zé das Pedras, tendo efectuado obra de relevo no Hospital de S. João de Deus em Montemor, na capela cujo púlpito é uma pedra única, bem como os candeeiros em forma de romã, claro tudo em pedra.

Solteiro, com 19 anos

S. João de Deus, que deu nome ao hospital de Montemor, terá sido objecto de uma profecia, uma predição do futuro, a Profecia de Granada que dizia... Granada será a tua cruz... na data habitada por muçulmanos... Granada que em hebraico quer dizer romã... daí a razão dos candeeiros em forma de romã, que ali podem ser observados.


Em 1965, regressa a Alcains para concorrer às cantarias do actual edifício do Tribunal de Castelo Branco.
Tinha muito mais entusiasmo pelas pedras que pelo dinheiro, derretido a olhar para tanta cantaria, ganhou a obra... não ganhou dinheiro, mas artista é artista não pelo dinheiro, mas pela obra que fica.
Dotado de elevada intuição para de imediato analisar projecto, um “dom “ popularmente designado, depressa executava em cartão os moldes para se talharem as pedras que, depois de trabalhadas, seriam obras de arte.

Brasão do Tribunal de Castelo Branco

Conta-me o António Marques Lopes da Silva, que com ele trabalhou mais o seu pai, José dos Santos Lopes da Silva, vulgo José Neco, que foi sob orientação do patrão José Escudeiro que seu pai, esculpiu o brasão que as fotos aqui retratam.
O brasão tem duas peças a coroa e o brasão propriamente dito, nele tendo trabalhado entre outros canteiros o Martinho Escudeiro.


Naquele tempo não existiam máquinas para alem da massêta e dos muitos cinzéis, e o António Marques Lopes da Silva relata com orgulho que fez sem qualquer furador a base para o mastro da bandeira, que a foto de abaixo reproduz.


“Foi uma alma nova que me nasceu”... assim se referiu o José Lopes Baltazar, ao patrão Zé Escudeiro quando na primeira quinzena de trabalho de lhe deu 20 escudos para os copos.
Ele José Escudeiro, que o tinha admitido a inculcas, pedido, cunha, do avô do Zé Baltazar de quem era amigo, sem nada pagar e com direito a salário.
Outros, pedreiras, carpintarias, oficinas, cobravam para aprender a arte, 500 escudos e meio ano de borla.
Conta-me, com memória de bancário reformado, o Zé Baltazar, que chegaram a trabalhar 20 a 25 trabalhadores nas cantarias do tribunal, que as fotos bem documentam, entre outros o Domingos Marujo, André Paciência, Jorge Leituras, José Pionto.


Homem tolerante, jogava matrecos com os empregados e tinha até uma finta à Zé Escudeiro, imbatível.
Brincalhão e vivaço que era, na tropa com mauser, capacete de ferro, mochila, verão, 40 graus, sol, parada, sargento chico, a marcar passo, que cansaço... descobre à sombra sargento com banda de música.
Cabisbaixo, vai ter com ele dizendo que também sabia das notas, da música, claro.


Então arranca aí um DÓ, pedia o sargento, metendo-lhe ao mesmo tempo ao pescoço, pesada e quase maior que ele, enrolada, trompa atubada...
Que não podia, pois tinha os beiços gretados por ter comido figos marmelões, muito aleitados.
Passado pouco tempo, era ele Zé Escudeiro que marcando passo, não dava... metia DÓ, esquerdo, direito, um, dois... esquerdo, direito, um, dois...


Em tentativa frustrada de abertura de Escola de Canteiros, foi convidado mas não aceitou. Previa a falta de consistência da proposta.
Relembra quem com ele trabalhou que quando as coisas não corriam bem, também se zangava, mas não maltratava muito menos humilhava as pessoas.
Não havia medo ao patrão.


Quando por lá passarem, Tribunal de Castelo Branco, ou pelo Hospital de S. João de Deus em Montemor-o-Novo, detenham-se um pouco, observem através das cantarias a glória de quem tanto porfiou.
São todos merecedores da nossa estima e elevado apreço.
O Ti Zé Escudeiro, que sempre me cumprimentava com simpático sorriso e amigável vénia, tem pela obra que nos deixa e amizade que semeou, direito a não ficar esquecido.
Cumpro aqui, no Terra dos Cães, o meu dever para com ele.

Manuel Peralta

CÃES...

Como bebem água

Observamos...
De tão rápido que é, não está a nossa visão preparada para se aperceber do modo como, de cabeça para baixo, consegue um cão, ingerir água.
Conta o Manuel Geada que, o Américo Manco, conseguia beber de cabeça para baixo um copo de meio quartilho vinho, sem verter uma gota.
E explica como. Mais, parece até, que terá assistido. Voltando aos cães.


Mão amiga, fez-me chegar um vídeo, que em câmara lenta mostra de forma espectacular como os cães bebem água.
Depois de abrir o vídeo, clicando na imagem, poderão observar e eventualmente aprender como o cão bebe água.



Por considerar de interesse, aqui fica o registo no Terra Deles.

Manuel Peralta

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

ESPOSAS DEDICADAS

MÃES EXTREMOSAS

Era assim...

Nas Freiras, Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, que por volta de 1968, no Solar dos Goulões, hoje Museu do Canteiro, esta Comunidade Religiosa prestou relevantes serviços a Alcains.
Chamava-se então CASA do BEM, onde se desenvolviam várias actividades que cobriam as necessidades de desenvolvimento humano, religioso e artístico da comunidade Alcainense, a nível infantil, juvenil ou adulto, sobressaindo o Jardim Infantil.


Esta Comunidade Religiosa, prestava serviço no Lar Major Rato, no Seminário de S. José, apoiava e deu novo alento à vida religiosa, nomeadamente na celebração da missa que chegou a ter um Grupo Coral de elevada qualidade.

A foto abaixo que foi tirada há 41 anos, mostra de hábito branco e da esquerda para a direita, as irmãs Natália e Jacinta, de óculos escuros a Jacinta Clara Godinho e a Maria da Conceição Minhós, acompanhadas de duas auxiliares que acompanhavam as freiras.


A princípio, não eram permitidos rapazes, e cerca de 300 raparigas, chegaram a frequentar as actividades que esta prestimosa Comunidade, com elevado mérito desenvolveu em Alcains.
Com aulas de Civilidade e Etiqueta, Costura, Bordados, Cozinha, muitas jovens de então desenvolveram as suas capacidades.
Fizeram ali a 4ª classe de adultos, a Jacinta, a São Amaro, a Ilda Quinhentas, o António Alice, a Maria de Deus Aleluia... entre muitos outros.
Porque se trabalhava, era aos fins de semana que as actividades se desenvolviam com mais intensidade.
Ensaiar peças de teatro, animação, jogos, festas de Natal, passeios com os idosos e ensaios para o Grupo Coral, eram actividades que animavam os fins de semana da juventude.
Com o ensaio do grupo coral, começaram por participar os primeiros jovens, nomeadamente o Cocas, o Félix o João Preto entre outros e assim se alargou a Comunidade aos rapazes.
Este grupo coral, cantava aos domingos na missa do meio dia, preparou todos os cânticos para a ordenação sacerdotal do Sr. Padre Bonifácio, e saíram pela primeira vez cantando as Janeiras, tradição artilhada por escuteiros, que com interrupções se vai mantendo.
No fim de cada ano lectivo, faziam festa onde as alunas apresentavam o que, durante o ano, tinham aprendido.


Como vem sendo hábito, não indico os nomes das lindas moças que fazem parte da foto que acima coloco.
É um exercício de memória para o qual convido quem me lê...
Em comentário, por favor, digam quem conhecem.
A Comunidade das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, deixou Alcains em Dezembro de 1990.
Quando autarca acompanhei de muito perto a sua acção, agora com a Irmã Conceição à frente dos destinos da Comunidade.
No Lar Major Rato, no Infantário, na Actividade Religiosa, no apoio aos pobres… estas Irmãs, contribuíram imenso para elevar as capacidades das gentes de Alcains.
Saíram como entraram, discretas, mas ficaram por cá muitos órfãos da amizade que, como as estrelas, nem sempre se vêm, mas estão lá.
Repito-me, é certo, mas Alcains devia relembrar quem cá esteve, desinteressadamente, para ajudar...

Manuel Peralta

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

RAFEIRO DE PRATA

CIVILIDADE, RESPEITO PELO MUNÍCIPE

Desta vez a autarquia esteve quase bem.
No cruzamento da Avenida 12 de Novembro, com a rua Dr. Fernando Ataíde Ribeiro, vários anos depois, decidiu fazer aquilo que já deveria ter sido feito.
Pintar uma passadeira para peões, no referido cruzamento.


Ao mesmo tempo, e indo ainda a tempo, alteraram decisão de colocar um traço contínuo a meio da Avenida 12 de Novembro, contíguo ao nóvel posto da GNR de Alcains.
Substituíram e bem, o projectado traço contínuo, pelo prolongamento do separador central, com passagem a meio da avenida... e bem.


Uma equipa excelente em simpatia, e de capacidade e conhecimento técnico apurado, da empresa PLENAVIA Ldª, do grupo JJR, Quinta da Sardinha - LEIRIA, coordenada pelo gerente Nuno Ferreira e pelos trabalhadores, João Mendes, António Barata e Kozac, natural de Ternopol, Ucrânia, tornaram Alcains mais disciplinado, menos perigoso, e deram um ar mais urbano à freguesia e aos fregueses.


Esteve quase bem... porquê?
Ver foto abaixo.


Reparando na foto, observa-se que o passeio não foi rebaixado no lancil.
Assim se dificulta a passagem a deficientes em carro de rodas, a carrinhos de bebé e todas as pessoas com dificuldades de locomoção.
Alertei o Presidente da autarquia para o facto.
Não se pode fazer tudo de uma vez, retorquiu.
Aguardo, aguardam todos os que por ali circulam.
Pelo trabalho bem feito e em vias de conclusão, um RAFEIRO DE PRATA, prémio que não é de lata...

Manuel Peralta

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

LADAINHAS

Memórias, tradições, ritos iniciáticos

Recuando no tempo, 50 anos atrás, as Tradições e as manifestações de Fé em Alcains ainda uma aldeia, seriam muito diferentes das que nos dias de hoje se vivem.
Nomeadamente as Ladaínhas, que durante as semanas da Quaresma, partindo da Igreja, faziam o percurso dos Passos pela aldeia. Manifestação de inequívoca religiosidade, nela participavam apenas homens adultos, excluindo a canalha.

Alminhas do açougue, sede do CDA, barreira da Pedreira

Não sei se por motivos, que da sua presença irreverente, resultasse afectada a religiosidade e o respeito associados aquela manifestação de Fé.
Recordo-me que o antepenúltimo Passo, era já no Adro da Igreja, do lado da Rua – então Longa -, depois o Passo seguinte era já no Largo de Santo António e depois era o regresso à Igreja Matriz, sempre num cortejo em que o silêncio e o respeito predominavam.
Rebusco na Memória e surge-me a recordação de um ritual iniciático, que nunca vi praticar, mas do qual ouvia falar.
A canalha, que se atrevesse a ir na Ladaínha até ao Passo do Largo de Santo António, findas as orações, era sujeita a um ritual iniciático, ao qual se dava o nome de “Levar com o Cú na Safra”! O mesmo consistia no seguinte: os homens adultos, pegavam um nos braços e outro nas pernas da canalha que se atrevera a ir até ali, e balançando os braços, batiam com o traseiro das “vítimas” na parede.

Alminhas da Casa do Povo

Seria aquele ritual, como que um “castigo” pela pouca religiosidade com que tinham efectuado o trajecto dos Passos, uma espécie de castigo aos “pequenos diabretes” daquela genuína manifestação de Fé! Seria a punição pelo seu comportamento menos próprio.
Verdade!? Mentira!? Nunca vi. Mas à cautela eu nunca passei do Passo, existente no Adro da Igreja, o antepenúltimo da celebração. Será que era uma mentira piedosa, uma fantasia familiar, para que não me afastasse de casa! Ou seria mesmo verdade, esta do “Levar com o Cú na Safra”!?
Talvez o “homem do leme” ou o JG, conhecedores de usos, costumes e tradições da década 50, possam contribuir para aclarar este assunto, que no extremo, significariam uma dose de ingenuidade invulgar!
Há Memórias que nunca mais esquecem... e esta do “Cú na Safra” é uma delas.
Venha de lá essa confirmação ou “gozo” pela assumida ingenuidade dos meus, na altura, oito, dez anitos!...

MC
Textos e fotos de MC na Guerra Colonial, em:
Panoramio photos by jose Castilho
Galeria Noqui.

LEVAR COM O CU NA SAFRA

Quer o Zé Castilho, quer o Manuel Geada, ambos participaram nas Ladainhas que a tradição popular e religiosa manteve por vários anos em Alcains.
Só que...
O Zé Castilho, criança medrosa que era, ”cagão”, diria a canalha do Degredo, marcava passo, no último passo, na frontaria da casa do Martinho Cartaxo.

Passo ao lado da Igreja, residência de Martinho Cartaxo

Neto e filho dos últimos Regedores de Alcains, não poderia ser apanhado a levar com o cú na safra… lei é lei, e mesmo neto de Regedor era ali mandado à fava, no adro da igreja, do tribunal popular, não se safava.
O melhor era marcar passo...
Já o Manuel Geada, privilegiado que era, assistia em criança à ladainha, não em passo, mas de pé, ainda sem salário, no Calvário.
Morava perto.

Passo do Largo de Santo António

Durante as semanas da Quaresma, de jejuns para uns, e, para outros a eito, de jejum isentos, por bulas compradas a preceito, partindo da Igreja, com o Sr. Vigário com Ti Manel Sacristão de vermelha opa, que deu nome a Zópas, grupo de homens à frente com muitos rapazes atrás, seguiam a via sacra dos passos e do calvário, transportando e envolvendo despida e negra cruz, que passava de homem para homem, em cada passo, isto é, em cada estação de via sacra...
Mais ainda atrás, em passo sim, mas de corrida, sem se importar com quem ralha, ia a canalha...
LADAINHA, oração em que se pede à Virgem e aos Santos, para intercederem pelos fiéis, silabada e vocalizada em cântico arrastado, monótono e continuado, ramerrão anasalado com voz de constipado.
Assim se dava a volta à aldeia, passo a passo, de passo em passo, na Ti Maria Jacinta do Passo, ao poço novo, ao lado da igreja, na frontaria da casa do Martinho Cartaxo, na capela do Espírito Santo, no ex-calvário, agora passo, no largo de Santo António.
Terminava-se na Igreja, à porta principal, em pleno adro...
Rezava-se... porque era quaresma, o cântico arrastado era manifestação de dor e recolhimento, no entender de que “Devem ser dadas muitas graças a Deus, e poucas graças com Deus...”
Rebentava então qual apogeu assolapado, o grito de revolta, por todos repetido e berrado...

Passo da Ti Maria Jacinta do Passo, ao poço novo.

MORRA O FACINA... gritavam uns... MORRA... de braço no ar, berravam outros.
Ainda mais alto
MORRA O FAXINA... gritavam uns... MORRA... de braço no ar, berravam outros.
Enquanto estes gritos ecoavam, homens e rapazes caçavam canalha.
A expressão correcta do grito é “Morra o Facínora“, que a linguagem de Alcainês traduzia por espírito santo de orelha, por morra o facina, no Largo de Santo António, e no outeiro, de orelha mais suja, por morra o faxina...
O Facínora, era um ataque a Pôncio, não Monteiro, mas ao Pilatos, um homem do banco central da altura, que presidindo ao tribunal que julgou CRISTO, e perante a SUA iminente crucificação , dali lavou as mãos, qual Pilatos...
Numa versão mais eclesiástica, a expressão "morra o facínora" também se refere à traíção de Judas.
Já com a sua presa pela mão, sempre a esgadanhar e já com poucas tchanias, homens e rapazes, pegando ao mesmo tempo na canalha assustada, por uma mão e pelo pé, balançavam o corpo, batendo com o cu, rabo, na parede da igreja, safra.
A safra, é uma bigorna grande e quadrada, feita de ferro, e só com uma ponta.
Utilizada por ferreiros, para bater ferro quente, afiando, guilhos e cinzéis, depois de passarem pela forja, um alto forno rudimentar para quase liquefazer ferro, tornando-o maleável para se fazerem os utensílios de uso artesanal.

Passo do Largo do Espírito Santo

Era uma reprimenda pela ousadia de participarem clandestinamente, em cerimónia só para homens, mas ao mesmo tempo uma brincadeira de acolhimento que nos incentivava a furar e participar.
Os que conseguiam escapar, riam-se, tentavam puxar-nos e restituir-nos à liberdade, mas...
Passei por lá… ainda hoje tenho umas contas para ajustar, de amizade claro, com o Reguinga... mais velho e leve que eu, agarrava-me sempre... e... claro, cu na safra.

Manuel Peralta

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

AMOR À CAMISOLA - GDA - CASA do POVO

Quando observo estas fotos e, por momentos, me detenho, nas caras das pessoas que as compõem, não posso ficar indiferente.
Relembro primeiro os que já partiram… em viagem… para o outro lado da margem!!!


Depois, o inesquecível GDA, Grupo Desportivo de Alcains, de tantos êxitos, feitos, glórias e vitórias.
Os muitos pedreiros, alguns canteiros, carpinteiros, serralheiros, estudantes, empregados de escritório, alfaiates entre outros, que depois de um cansativo dia de trabalho, treinavam, jogavam, organizavam, e, semanalmente, qual lindo postal ilustrado, levavam a sua terra, ALCAINS, a toda Beira Baixa que em jornal se lia, com pundonor e galhardia…
O geral sorriso, o peito para a frente, a uniformidade na pose que só muito trabalho alcança, inspiram confiança.


Esta minha memória sem arestas, a que chamo SAUDADE, é para partilhar através destas fotos, cedidas pelo Manuel Geada, que por sua vez, lhe foram cedidas pelo José da Conceição Churro Barata, vulgo, Zé Motchinho.
Façam aqui o que eu faço, cliquem sobre as fotos, ampliem caras e sejam solidários… façam comentários.
A lição de AMOR À CAMISOLA dado por atletas e dirigentes bem o merece.
Reconhecer o muito que fizeram sem exigir receber, é um dever.

Manuel Peralta

domingo, 9 de janeiro de 2011

Manco, Américo de Oliveira Marques

O Américo Manco


Sapateiro de profissão e figura popular, o Américo deixou-nos uma marca indelével, pela sua modéstia, amizade e pelas muitas anedotas que lhe são atribuídas.


Filho de José Marques e de Maria Joaquina de Oliveira, nasceu em Alcains na Rua do Hospital Velho no dia 17 de Agosto de 1934.

Casa onde nasceu e morou o Américo Manco, Nº7

Terceiro filho de uma família de quatro irmãos,
António, Maria de Lurdes (falecida), Maria José (invisual).
Contaram-me e conheço tantas coisas sobre o Américo, que confesso não saber se tudo é verdade, nem por onde começar.
Segundo o seu vizinho e amigo de infância João Pionto, o Américo teria entre 7 ou 8 anos quando ocorreu o acidente que originou a amputação da sua perna direita, a poucos centímetros abaixo do joellho.
Caminhava o Américo, o João e mais algumas crianças pela Rua da Pedreira acima, atrás de um carro de vacas carregado com pedras, com o ganhão à frente com as rédeas numa mão, e a vara com o aguilhão na outra como era hábito.
Quando o carro chegou ao cimo da barreira, sem o ganhão se aperceber, subiram para o carro.
Talvez com a trepidação, uma das pedras começou a deslizar. O João e os amigos ainda gritaram ao Américo para ter cuidado, mas não deu tempo para nada. O Américo ainda saltou, mas não conseguiu evitar o desastre.

Rua do hospital

A pedra partiu-lhe a perna mas, o ferimento nem parecia ser muito grave.

Como acontecia com muita frequência naquela época, levaram o Américo ao “endireita” e tratavam-lhe a ferida em casa.
Passado algum tempo, a família apercebeu-se que não conseguia curá-lo, levaram-no ao hospital e o diagnóstico tanto temido fez-se ouvir : temos que lhe amputar a perna.
Logo que o Américo se habituou à muleta, começou a brincar ao berlinde, embora tivesse que a pousar no chão. Também conseguia jogar à bilharda e aos botões e quando tocava o clarim p’ró palmanço de maçãs, figos, ‘malacôtos’, etc. acompanhava sempre o grupo: nunca se considerou inferior aos outros.
Conseguia subir algumas paredes e uma vez no cimo, se pudesse saltava ou então descia devagar. Mesmo adulto continuava igual; acompanhava os amigos quando iam aos poços à passarada com a rede, que depois preparavam e comiam no Vaquinha (depois de encerrar a barbearia) e outras mais.
Tinha uma força extraordinária nos braços para se içar.

Quelha da mesma rua

Com alguns anos de diferença na idade, quando penso no Américo, a primeira imagem que me vem à memória, é a de um rapaz que usava óculos com umas lentes muito grossas, alegre, muito falador, que caminhava com o auxílio de uma muleta.
Sempre conheci o Américo a trabalhar como sapateiro.
O ti António e João Rafael (Soares), os irmãos Preto, João, Manuel e António, mais tarde o Mné Vaquinha, eram quem lhes dava mais trabalho.
Como eu brincava muito no Largo de Santo António, por vezes o ti João Preto que morava ali no Largo, chamava pela catchopada para lhe endireitar-mos pregos.
(Eles eram tão pequeninos que só os dedos da canalha os conseguiam endireitar sem bater muito com o martelo nos dedos).
Passáva-mos horas a endireitar pregos para receber-mos um tostão cada um, com o qual compráva-mos três rebuçados. Esta era a única solução que tinhamos para adoçar a boca.
Foi aqui no ti João Preto, enquanto endireitava pregos, que tive conhecimento da devoção ferrenha que o Américo tinha com o Sporting. O Jaime (filho mais novo do ti João) para o enervar, dizia-lhe que o Benfica era o melhor. Que o Sporting era uma merda. Que o José Águas era melhor marcador que o Travasssos. E lá ia a muleta p’ró ar em direcção à cabeça do Jaime.


Mais tarde quando começou a usar a prótese, era a perna de pau que voava.
Os sapateiros usavam uma cadeira baixa, por isso o Américo tinha que tirar a prótese para se sentar e segurar o calçado entre os joelhos, como o faziam todos os sapateiros).

Anedotas ou casos verídicos há dezenas sobre o Américo.

O Zé Saraiva, quando veio de França para dar a tropa, segundo a sua expressão, trouxe uma tchcolatera (carro de segunda mão) ainda em bom estado. Uma noite o Saraiva o Américo e mais uns quantos, vã p’rá festa da Póva. Táva lá a nossa tcharanga a tocar: já tinham dançado várias modas quando a tcharanga começou a tocar uma valsa.
O Américo ao princípio ainda conseguiu acompanhar o ritmo mas, pouco a pouco começou a abrandar. Quando os seus colegas se aperceberam disseram-lhe, acelera Américo.
Mas o nosso dançarino não podia mesmo acelerar, tinha um problema grave que o impedia de valsar.
Então disse à rapariga que o desculpasse mas tinha que parar um momento. Sem se incomodar, arregaçou a perna da calça para apertar algum parafuso ou correia? A rapariga quando viu a perna de pau fugiu, talvez p’ra casa, porque nessa noite não voltaram a vê-la no arraial.

Ruínas da rua do hospital

Era assim o Américo que no tempo do audio, também era um fanático do relato do futebol na venda do ti Domingos.
Ali passava a tarde aos Domingos com a orelha colada ao rádio e mesmo, só a ouvir relatar o Artur Agostinho ou outros, já dizia que o árbito não tinha que assobiar, porque não tinha sido mão ou canto...
No fim dos jogos saíam p’rá praça discutir: conseguia calar a boca a todos os benfiquistas, e dizia, que só não calava a boca ao pai (um benfiquista ferrenho) por respeito.
Se o Américo já era assim a ouvir o rádio, imaginem com a chegada da televisão na varanda do Sr. Raul, mais tarde na sede do GDA, no café do ti António Infante e algumas tabernas.
O ti Domingos da venda dizia que o Américo aos doze ou treze anos de idade, já conhecia a composição de todas as equipas nacionais da primeira divisão.

Galarissa do Outeiro (wc público)

Dizia-se em Alcains, que o Américo tinha mil razões para detestar o pai, que seria culpado da sua dificiência visual, assim como das suas duas irmãs, mas não era o caso: o Américo acarinhava e admirava o pai.
Após o nascimento do primeiro filho, o ti José Marques foi trabalhar para Espanha onde terá sido infectado com a sífilis.
Doença que trasmitiu à esposa, que por sua vez transmitiu aos três últimos filhos e que daria origem à dificiência visual..
Numa consulta que fiz na internet sobre a sífilis, tirei o comentário que se segue em itálico.

(Neste estágio avançado da sífilis pode, posteriormente, afetar órgãos internos como o cérebro , nervos , olhos, coração, vasos sanguíneos , fígado, ossos e articulações. Sinais e sintomas do estágio terciário da sífilis incluem dificuldade de coordenar os movimentos musculares, paralisia, cegueira gradual e demência.)

No início da guerra colonial, o Américo foi durante algum tempo detestado pelas raparigas da nossa terra , que tinham os namorados no ultramar.

Estendal de roupa na rua do hospital

Como a Terra Deles sempre foi terra de ditos, alguém inventou que os rapazes antes de saírem para o ultramar, pediam ao Américo para olhar pelas namoradas. Que até lhe deixavam dinheiro para comprar selos para lhes escrever, caso alguma pisasse o risco. Facto que ele sempre negou.
Ninguém é perfeito: ele teria outros defeitos mas, acusar as raparigas por alguma falha que cometessem, é duvidoso. Além disso, nessa época já o Américo tinha muita dificuldade em ler e escrever.
Quem conheceu o Américo deve recordar-se, que quando ele conversava com alguém, olhava para a pessoa sempre um pouco de lado, porque assim via melhor. Daí a sua dificuldade em ler e escrever.


Quando entrei no café do ti Domingos para pedir algumas informações à Manuela, porque o Américo passava ali muito tempo na venda; também me contou que num dia de inverno à hora de fechar a taberna, “tchôvia água se Dês a dáva” e quando os homens começaram a pegar no guarda-chuva para saírem, alguém se queixou que lhe faltava o seu, ao qual o Américo respondeu. Cada um qdzinrasque! ê já ténhê o mê i vô-me imbora!
No dia seguinte o guarda-chuva apareceu na taberna: soube-se que foi o Américo o autor da façanha. Foi só um empréstimo.
Brincadeiras destas, que não prejudicavam muito, excepto o banho que o homem apanhou, o Américo tem dezenas. Aconteceram-lhe algumas coisas e provocou outras, que quem não o conheceu pensa serem anedotas.

Do Tchico Vaquinha aprendi que na barbearia, do lado que comunicava com a Rua do Saco, no local onde concertavam os sapatos, táva lá o “Cantinho do Américo” .
Era ali que o Américo apostava, que conseguia beber meio quartilho de vinho de cabeça p’ra baixo sem verter uma gota, e conseguia ! Encostava-se ao cantinho com a cabeça p’ra baixo, a perna e meia p’ra cima e, aos poucos, conseguia beber o vinho.
Em dezenas de apostas que o Américo fez, o Tchico só se recorda de o ver aflito três ou quatro vezes. A aposta era sempre o meio quartilho, e uma carcaça que naquela época a ti Piedade vendia a dezoito tostões.


Na barbearia, às escadas p’ra subir p’ró primer andar, tchavam-lhe as escadinhas p’ró céu.
Era por ali que subia o Américo e o Mné Vaquinha, após anunciarem em voz alta para que todos os presentes ouvissem. Mnel vou lá incima bater uma. Ou então: Américo vou lá incima bater uma.
Esta manobra acabou por despertar a curiosidade. Um dia alguém subiu ás socapas e apanhou o Américo a bater uma.
Atenção não é o que você pensa.
O Américo táva a bater uma gemadinha com vinho do Porto.


Durante dois meses e meio que acabo de passar em Alcains, todos os dias procurei uma fotografia do Américo. Interroguei alguns familiares (primos) que nada tinham, indicavam-me esta ou aquela pessoa que talvez tivesse, finalmente não tinham; ou está nas mãos da minha esposa, ela é que procura .
Através da internet consegui o número de telefone do irmão, também não tinha, e disse que podia lá ir a casa, forçar a porta e procurar, que ele não se importava.
Claro que não o fiz.
Já nos últimos dias da minha estadia, alguém me indicou a ti Idalina da Silva Lopes (esposa do ti António Ramalho) porque o Américo também ali passava muito tempo.
Esta Senhora tinha esta fotografia, tirada no alpendre da Santa Apolónia, aquando da primeira festa que fizeram: a dos cinquenta anos.
Quem conheceu o Américo vai ficar surpreendido ao vê-lo na foto sem os óculos: eu também fiquei!
Mas se ele os tirou teve a sua razão, talvez para mostrar aos alcainenses quem era o Américo sem óculos?

Américo, em cima, terceiro da esquerda para a direita
(À direita contra o muro, a bengala do Américo)

Deliberadamente e para exercício de identificação aos amigos do "Terra dos cães", sugiro que cliquem em cima desta foto e identifiquem a rapaziada do tempo do Américo.

É possível que durante os convívios organizados pelo Núcleo Sportiguista, o Américo apareça em alguma fotografia com o cachecol, ou camisola do Sporting.

Camisola que ele tinha por hábito vestir quando o Sporting perdia ; dizia que os amigos eram para as ocasiões; era a sua maneira de apoiar o Sporting (O Américo também lhes chamava lagartos).
Na eventualidade de aparecer alguma foto do Américo, era favor enviar para o blogue terradoscaes, ou contactem o M. Peralta. (“A fotografia depois de digitalizada é devolvida”.)


Graças ao ti António Ramalho e à ti Idalina, o Américo também melhorava um pouco o seu quotidiano.
Com a ajuda de um carro de mão, entregava as garrafas de gás na casa dos clientes.
Ia à loja da ti Marizé Carrega e ao Sr. Benedito Beirão pagar-lhes as letras de crédito, ia ao correio e executava outros pequenos serviços.


Na época das férias e com a chegada dos emigrantes, eram muitos os que queriam pagar um copo ao amigo Américo: este à noite andava quase sempre embriagado e ninguém o conseguia levar a casa. Só o ti António Ramalho ou algum dos filhos conseguiam levá-lo e meter na cama.
Foi também esta Senhora que o convenceu a inscrever-se no lar. Também era a ti Idalina que quando via o Américo a coxear mais que o costume, já sabia que a prótese o tinha magoado, e com alguma dificuldade conseguia que ele a tirasse para lhe curar a ferida.
Quando o Américo precisava de alguma coisa, por vezes já tinha vergonha e não tocava a campainha. Andava por ali na rua até que a ti Idalina ou o ti António o vissem e, perguntassem se necessitava alguma coisa.

Para terminar este pequeno resumo sobre a vida do Américo, aí vai mais uma das suas muitas façanhas.

Já no fim da tarde, num dia que tinha sido bastante chuvoso, táva o Américo com um grupo de rapazes a conversar em frente da venda do ti Domingos, quando apareceu um rapaz desenfreado de bicicleta, que se escondeu na quelhinha da Sra. D. Josefina.
Passado um momento chegaram dois polícias de viação e trânsito de motocicleta, que pararam e perguntaram se não tinham visto alguém de bcicleta, ao qual responde logo o Américo.
A esta hora já tá em casa. Perguntaram-lhe onde morava e disse-lhes (távam de costas viradas p’rós sanitários). "Tã a ver alã aquela rua a 100m ? Viram ali à esquerda, adpôs a primêra à drêta, quêle móra logo ali".
Assim que a polícia arrancou diz o Américo, "fugir rapaziada que daqui apôque eles tã aqui outra vez".
Pudera! Enfiou com eles na quelha do Vale de Bravo. Para quem conheceu, imaginem aquilo num dia de chuva, nos anos 60. Era ali a maior “galariça” (imundice) que existiu na terra deles.
Os polícias regressaram e procuraram, mas já não havia ali ninguém; estavam todos a rir-se por detrás dos vidros das janelas do Clube Recreativo a ver os polícias todos sujos.


Com a morte do Américo no dia dezassete de Fevereiro de 1998, Alcains perdeu mais uma figura emblemática.
Um simples sapateiro, mas um homem muito popular.
O Núcleo Sportinguista de Alcains prestou-lhe uma homenagem bem merecida, cobrindo o seu caixão com a bandeira do Sporting, que ele tanto adorou.

MG e Manuel Peralta