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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

General HD... Contrastes?

Amigo pessoal e leitor deste blog, remeteu-me esta pérola, que data de 1936.
Pelo seu intrínseco valor histórico e documental, dou à estampa para conhecimento de quem nos segue nesta agradável aventura que se reparte pelos cinco continentes, este documento.


Nem de propósito.
O Reconquista desta semana anuncia no cine teatro de Castelo Branco, a exibição de um filme sobre o General Humberto Delgado.


Digo eu, contrastes…cada homem é também fruto do tempo em que viveu...

Manuel Peralta

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Ditos familiares


Tá bem Zabel”, dito quando a conversa não nos agrada e nos estão a moer, a apoucar… ou quando nos estão a mandar e a gente não quer ou não tem vontade de ir… ”está bem, ela vem já, já se estar a vestir…
Mas, cá por casa e em verso, recordo este dito.


Ai, ai, ai,
quem escorrega também cai.
Quem se fia no meu neto,
bem enganadinho vai.


Manuel Peralta

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Junta da Freguesia, maio de 1980...

O tema anterior, distrate da escritura do terreno do solar Ulisses Pardal, tinha ficado em aberto, como agora se diz, suspenso. Tornava-se necessária a convocação de Assembleia, poder legislativo da freguesia, órgão que tinha poderes para tal.
O texto anterior, terminava assim...
“...a Assembleia da Freguesia foi convocada e... voltarei ao tema quando a chuva começar a cair.”
E como vou cumprindo aquilo que prometo, a chuva apareceu caindo copiosamente, chuva tipo cabelo de cão, macia, bastinha que regou tapada, quintal e hortinha!!!
Presidida pelo José Eurico Minhós Castilho e sendo extraordinária, o tema era único. Solicitar à Assembleia da Freguesia autorização para se fazer o tal distrate, em alcainês, anular o que se havia feito.


Lembro-me de ter contado aos membros da Assembleia e ao público presente, naquele tempo as Assembleias da Freguesia eram muito participadas, o modo como o Dr. Ulisses Pardal recebeu a Junta, que refiro...” fui aluno do Prof. Dr. Oliveira Salazar e este ensinou-me que a justiça pede-se de pé, e por aí adiante...”
O projeto para a construção do Infantário que, a ser construído, seria no terreno anexo ao solar, terreno excelente, em estado de abandono atual, com uma excelente frente para a avenida Gen. Ramalho Eanes, não terá sido aceite pela entidade responsável pela construção e, ao que presumo, a Junta da Freguesia de então, não terá conseguido, eventualmente por se tornar de todo impossível, alterar tal decisão.
O Dr. Ulisses Pardal, que por portas travessas foi informado da decisão e muito magoado estava por não ter tido, em tempo justo, conhecimento oficial da decisão, andava mais que indignado, furioso...


Diz a lei de “Murphy” que, “tudo o que pode acontecer, acontece” e começa a correr na Vila que o infantário iria para os terrenos da Pedreira.
Os terrenos da Pedreira, situados por detrás da antiga escola, haviam sido doados em tempos idos à Junta, pela família Trigueiros de Aragão. Na Assembleia a maioria dos membros tinha idade semiavançada e eram profundos conhecedores das rivalidades entre as famílias de Alcains.
Porque me sobra em vontade o que me falta em memória, não devo adiantar mais, pois seria desonestidade intelectual da minha parte inventar sobre o tema. Mas talvez no livro de atas da Assembleia se possa fazer mais alguma luz sobre a situação.
Posta a questão do distrate à votação, foi a mesma aprovada por unanimidade.


Foi no entanto consenso da Assembleia que a Junta deveria continuar a insistir junto do Dr. Ulisses Pardal, para que o terreno continuasse a servir em conjunto com o edifício, o valioso e muito apreciado trabalho que a Corporação das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria vinham prestando a Alcains.
Apesar do 25 de abril, escondido, o papel selado ainda por aí andava e a ata teve de ser fiscalmente selada para ter valor probatório. Então, qual menino que leva bem feito o trabalho de casa ao professor, lá fui ao Dr. Ulisses que ao ver a ata e depois de a ler me disse, “assim é que é...”.


Com este gesto, arranjei um amigo.
Tirou cópia e marcou por telefone dali mesmo o dia da escritura. No dia da escritura e depois de assinada, convidou-me e fui almoçar com ele.
Em 1980, os cravos de abril ainda tinham pé e, ainda não tinham murchado. O Dr. Ulisses que era um homem muito austero, teria em 1980 mais que a minha idade hoje, aluno de Salazar, confidenciava-me que a minha juventude o inquietava e que eu teria muitas dificuldades em conseguir que a Assembleia autorizasse a reversão do terreno para ele, isto é, precocemente e como homem avisado que era, desconfiava dos políticos... e mais não digo.
Se não deitaram fora, nos dossiês de organização que montei na Junta, devem lá estar os inúmeros ofícios que enviei ao Dr. Ulisses Pardal, pedido o Solar e terrenos anexos para Alcains.
As Irmãs Franciscanas mantiveram-se durante o mandato e tudo correu bem. Dois anos depois, na Pedreira, o Primeiro Ministro de então, Dr. Francisco Pinto Balsemão, inaugurava o novo infantário.


Mais tarde, presumo que no mandato do Engº Rogério Martins, o edifício e terrenos anexos, foram objeto de um protocolo de aquisição por parte da Câmara Municipal.
Fui convidado para a comitiva que com o Dr. César Vila Franca, visitou o edifício para a eventual aquisição. Recordo perfeitamente o que então lhe disse. Que a Câmara ao comprar o edifício deveria com empresa de turismo fazer parceria para ali se instalar pequeno hotel, com restaurante e discoteca para animação noturna e ajardinamento dos terrenos envolventes. A Câmara, na altura já com conhecidas dificuldades financeiras,  teria muitas dificuldades em adquirir o solar, renová-lo e, mais caro que tudo, mantê-lo.
Hoje, o solar... ALBIGEC, albicastrenses gestões culturais!!!


Naquele tempo, as PPP ainda eram meninas de coro, e o João Cravinho estudava então as SCUT... mas, a vida ainda era passada a escudos.
Várias vezes me encontrei posteriormente com o Dr. Ulisses Pardal, um homem culto e de muita sabedoria,  e foi para mim muito agradável, falar com ele de um Alcains do tempo em que tudo era muito difícil para quase toda a gente.
Conta-me o meu pai que, quando tinha 18 anos, em 1942, e estava a SMEL em plena laboração do minério, volfrâmio, na Cabeça Pelada toda a malta ia para o minério onde se ganhava bem. Num dia, o meu pai, ganhou dinheiro para comprar um excelente relógio de bolso, que já herdei e religiosamente guardo.
Mas não havia gente para colher a azeitona. A GNR, ao que o meu pai me diz, a mando do Dr. Ulisses, proibia a apanha do minério ao qual só se regressava, depois de colhida a azeitona.
Voltarei.

Manuel Peralta

Provérbios genuínos da terra deles – 3

Em dialeto alcainês de gema.


“Onde quer que vandes, mostrandes sempre o que sandes”


Manuel Peralta

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Origem de arroba... @

Usamos, utilizamos, emailamos para aqui e para ali, e sem nos darmos conta, não nos interrogamos de onde provém este símbolo que denominamos de ARROBA.


Que terão a ver os quinze quilos, medida de peso, que designamos por arroba, com os email que trocamos?
Se quiser saber e verá que vale a pena, verifique em baixo.
 
 

O mundo todo usa este símbolo na correspondência electrónica, mas poucos saberão o seu significado e origem.
Durante a Idade Média os livros eram escritos à mão, pelos copistas. Precursores dos taquígrafos, os copistas simplificavam o seu trabalho substituindo letras, palavras e nomes próprios por símbolos, sinais e abreviaturas. Não era por economia de esforço nem para o trabalho ser mais rápido (tempo era o que não faltava, naquela época!). O motivo era de ordem económica: tinta e papel eram valiosíssimos.

 
Assim, surgiu o til (~), para substituir o m ou n que nasalizava a vogal anterior. Se reparar bem, verás que o til é um enezinho sobre a letra.
O nome espanhol Francisco, também grafado Phrancisco, foi abreviado para Phco e Pco(?) o que explica, em Espanhol, o apelido Paco.
Ao citarem os santos, os copistas identificavam-nos por algum detalhe significativo das suas vidas. O nome de São José, por exemplo, aparecia seguido de Jesus Christi Pater Putativus, ou seja, o pai putativo (suposto) de Jesus Cristo. Mais tarde, os copistas passaram a adotar a abreviatura JHS PP e depois, simplesmente, PP. A pronúncia dessas letras em sequência explica por que José, em Espanhol, tem o apelido de Pepe.
 

Já para substituir a palavra latina et (e), eles criaram um símbolo que resulta do entrelaçamento dessas duas letras: o &, popularmente conhecido como e comercial, em Português, e ampersand, em Inglês, junção de and (e, em Inglês), 'per se' (por si, em Latim) e and.
E foi com esse mesmo recurso de entrelaçamento de letras que os copistas criaram o símbolo @, para substituir a preposição latina 'ad', que tinha, entre outros, o sentido de 'casa de'.
 

Foram-se os copistas, veio a imprensa, mas os símbolos @ e & continuaram firmes nos livros de contabilidade. O @ aparecia entre o número de unidades da mercadoria e o preço. Por exemplo: o registro de contabilidade 10@£3 significava 10 unidades, ao preço de 3 libras, cada uma. Nessa época, o símbolo @ significava, em Inglês, at, (a ou em).
 

No século XIX, na Catalunha (nordeste da Espanha), o comércio e a indústria procuravam imitar as práticas comerciais e contabilísticas dos ingleses. E como os espanhóis desconheciam o sentido que os ingleses davam ao símbolo @ (a ou em), acharam que o símbolo devia ser uma unidade de peso. Para isso, contribuíram duas coincidências:
1 - O termo arroba vem da palavra árabe    arruba, que significa a quarta parte: uma arroba (15 kg , em números redondos) correspondia a 1/4 de outra medida de origem árabe, o quintar, que originou o vocábulo português quintal, medida de peso que equivale a 58,75 kg.
 

2 - As máquinas de escrever, que começaram a ser comercializadas na sua forma definitiva no século XIX, mais precisamente em 1874, nos Estados Unidos, (Mark Twain foi o primeiro autor a apresentar os seus originais datilografados), trouxeram em seu teclado o símbolo @, mantido no seu sucessor - o computador.
 

Então, em 1972, ao criar o programa de correio eletrónico (o e-mail), RoyTomlinson usou o símbolo @ (at), disponível no teclado dessa máquina, entre o nome do usuário e o nome do provedor. E foi assim que Fulano@Provedor, X ficou significando Fulano no provedor X.
 

Na maioria dos idiomas, o símbolo @ recebeu o nome de alguma coisa parecida com a sua forma: em Italiano, chiocciola (caracol); em Sueco, snabel (tromba de elefante); em Holandês, apestaart (rabo de macaco).  Em alguns, tem o nome de certo doce de forma circular: shtrudel, em iídisch; strudel, em alemão; pretzel, em vários outros idiomas europeus. No nosso, manteve a sua denominação original:

@rroba.

Texto de: Stella Calazans

Então valeu a pena? Porque utilizamos, temos de saber a sua origem.
 
Manuel Peralta

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Provérbios genuínos da terra deles - 2


“Muitas graças a Deus, poucas graças com Deus”


Manuel Peralta

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

AS MENINAS DE ALCAINS

Menino, só há um, o Quim.
Meninas, de bem... que me lembre, a  menina Quininha, a menina Chica, a menina Belarmina, a menina Ilda, a menina Clara, a menina Alice...já agora, “pluralando”, as meninas dos olhos, as meninas  da farinha, e as meninas abóboras, e porque assim não rima, dou a volta ao texto com as abóboras meninas.
Perde-se no tempo, e cada vez mais sem glória, na memória, este tratamento dos criados aos filhos dos amos, dos patrões, a mulheres solteiras e sempre muito novas.

  

Mas, reparem. Então não é de a gente ficar “atagantado” e descobrir que sob o mesmo tecto, circunspecto, se for amo é patrão, e assim sem mais nada, se for ama, é criada. Mais que uma  maçada, é uma “tchatchada”.
Agora do lado de cá.
Há o menino de coro, que ajuda à missa, mas se for “dengoso” e bem lavado, menino efeminado... mas, menina em popular jargão, este, primo direito do “calão”, menina meretriz, assim se diz na estação.
Aquela mulher, de mama firme e perna afiambrada, é a menina dos meus olhos. Do Senhor Reitor as pupilas, não de Camilo, as Sibilas.


Menina dos olhos, pupila, persiana, qual estore de marca Bispo e de qualidade Papa, porta automática que abre ou fecha para controlar a entrada de luz, luz dos meus olhos, luz da minha alma, como diria Domingos Cocharra no palco da casa do povo, na nobre arte de talma.
Agora na escola da Pedreira, menina de cinco olhos, instrumento com que se castiga batendo na palma da mão, cinco olhos, cinco dedos, régua, réguada, por errar na dinastia e na história, palmatória.
As meninas da farinha, gostam muito de “felores”, elas só se sentem bem, ai ó pé dos seus amores. Ai ó pé dos seus amores, quando estão a namorar, elas parecem branquinhas, branquinhas como o luar. Branquinhas como o luar, como o luar de janeiro, que ilumina o viúvo o casado e o solteiro.



Contradança da Lusitana fábrica, eles, os meninos, de camisa branca e papillon, elas, as meninas da farinha com dote, então em transição da saca para o pacote.
Serralheiros, dos Isidros, uns, do Rafael, carpinteiros, outros, “arraçoados” de pão e brôa no passeio da Brandoa. Estes, sempre de pico ao alto, aqueles de enchó em baixo, viam desfilar e a cantar as meninas da farinha em dengosos trejeitos de roliças ancas, sacudindo farinha espoada cantando e dançando até de madrugada.
Duas vezes peneirada assim se chama à farinha espoada, mais fina que sustenido de concertina, sem fermento amassada, na missa consagrada. Na doutrina de cór e ao tear, perguntava a tecedeira como está a nossa alminha antes de a gente se confessar? Resposta em compasso de tear sob o olhar atento de “novêlos de arêlos e ourêlos”. Está negra cmó cravâ. E depois da gente se confessar, em pergunta breve, fica branquinha c´má neve.


Do cartucho de papel pardo saíam as aparas, sobrantes da divina hóstia, consagrada, o prémio que nos treinava em doutrina para a primeira comunhão, doado em sonoro “tantum ergum”, pelo Ti Manel Sacristão.
As Tonitas, as Nélitas e as Sãozitas, catitas como as Carquitas, normalmente pequenitas, acumulavam este delicodoce tratamento com o carinhoso nome de menina. Habitualmente muito simpáticas, prestadeiras, hiperativas, se fossem filhas únicas ficavam em casa mas se em casa havia prole, ao dia, iam para casa de tia.



Não há na terra deles quem, por uma ou outra razão, não tenha conhecido ou de perto convivido com uma menina. Na minha rua, quando eu andava às cavalitas no pescoço do António Pedal, licenciado no politécnico ( sapataria e barbearia ) do meu padrinho, Manuel da Paixão, catedrático em meias solas, tombas e meias gáspeas, também por ali passava “em repouso” uma menina. Na rua, e em baixo tropeço de cortiça sentada, mostrava sem pressa, aquela coisa onde a terra acaba e o mar começa...
Pelas mães que nunca foram meninas e no Degrêdo, toque de rebate e canalha em casa, não se queimassem naquela brasa.
Das mães que já nasceram mulheres, das mulheres que nunca foram meninas, retenho um diálogo entre a Ti  Marizé e a Ti Clara. 



De carrapito uma, e de mãos cruzadas debaixo do avental de chita, a outra, queixavam-se amargamente das “desgracias” que o infortúnio lhes trazia.
Queixava-se uma de que lhe tinha morrido o marido. Lampeira, a outra, respondia. Pois é, a ti morreu-te o marido, mas a mim, anda-me uma galinha a por fora...
O Einstein, ensinar-me-ia mais tarde, com idade, o que era a relatividade.


Nota: Enviei para publicação no Reconquista este texto.
Como já passaram 15 dias e não foi publicado, decidi publicar no blog.
Manuel Peralta

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Poesia das Quartas Classes

Por um lado, exercitar a memória e desenvolver o sentido da declamação e, por outro, recitar em público e vencer os “medos de palco”, aprender poesias era, entre outras formas de aprender, um motivo de diferenciação escolar e de notoriedade local.
Os professores primários de então, estimulavam bastante esta forma de aprendizagem como forma de apreciar o aluno no seu à vontade e no interrelacionmento escolar.


Essas poesias, continham sempre uma ideia, uma moral, uma lição que temperava a educação de então.
Nas matações, matança do reco ou do porco, e outras festas familiares, por vezes nas longas noites de inverno ao “serão”, enquanto se comiam umas passas, figos secos, com um chá “depois”, em Alcains o chá de poejo nunca era tomado antes, era e é sempre chá “depois”, sem rádio, e a televisão ainda muito longe, cada um dizia o que sabia para entreter o calmo passar do tempo de então.


As anedotas dos Alentejanos, eram quase inexistentes, e, quer as da “Vidiguêra”, quer as da “Amarelêja”, ainda ausentes...
Recentemente, e depois de “arraçoado” almoço com os meus pais, já o bagaço novo comigo passeava impampe (soberbo, petulante, desdenhoso) por toalha córada, começa em voz toeira, a minha mãe a recitar uma poesia que aprendeu na escola primária.


No fim do “ano escolar” de então, quer dos meus pais quer do meu, no tempo dos meus filhos “lectivo” e agora dos meus netos “letivo”, era habitual que os alunos  mostrassem aos pais as “habilidades” de então ou as “abilidades” de agora...
No portão da escola, e perante a comunidade escolar de então diziam o que sabiam.


A poesia que se segue, foi recitada em 1935, tinha a minha mãe 10 anos, e relembrada agora, em 2012 com 87 anos.
Aí vai... 

PAPOILA de 1935


Uma papoila, 
dizia ao trigo.
Como sou linda,
 ó meu amigo.

***

Encarnadinha,
Bela e viçosa.
Sou mais bonita,
 Do que uma rosa.

***

E tu não tens pena,
ao veres-me assim?
 Teres nascido,
ao pé de mim?

E nisto passa, o lavrador...
 Vai-se à papoila, e corta a flor.

***

Filhos é bom,
Ter formosura.
 Nascer vaidoso,
Não trás ventura.

Afonso Lopes Vieira, autor.


Fiquei atagantado, não só com a qualidade da dicção, em voz toeira, isto é, com bom tom, mas também com os gestos e as inflexões a garrotes pedidas pelas estrofes.


Assarapantado, meio engasgado fiquei com a altivez do tom nas quadras arrogantes, com o brutal silabar do corte rural da papoila do não subsidiado lavrador, com o modo, envolvente, maternal do conselho com moral.
Claro que a luta, entre a 4ª classe de 1935 e a de 1959 não acabava aqui.


E, ripostei.

PAPOILA de 1959


Mesmo no cimo da serra,
 muito guapa muito tôla.
 Nasceu num monte de terra,
 senhora dona papoila.

***

Era alta, era espigada,
 de olho preto brilhante.
 Tinha uma touca encarnada,
 e um pé delgado ondulante.

***
 
Junto dela nada havia,
 que lhe empalmasse a frescura.
 Muita flor ali vivia,
 mas sem tanta formosura.

***

Por isso a dona papoila,
 era toila, toila, toila...


O meu pai, que muito cedo aprendeu a “Rumba Negra”, votou na esposa, a Céu, vá lá..., votou no marido, empate do público, garantido.
Sei que nesta disputa, mais dia menos dia vou ter que ir novamente à luta.
Conta a minha mãe que o Sr. Emídio Nascimento Beirão, comerciante ali na praça e já falecido, terá interpelado a minha avó, no comércio, porque razão não tinha ido à escola ver e ouvir a filha.


O que a minha avó disse não sei. Só sei que a minha mãe regista que o Senhor Emídio terá dito, “a tua filha, ralhou connosco que se fartou... ”
Esta apreciação popular do modo como se avaliavam os “diseurs” de poesia, mais tarde declamadores, tinha muito a ver com o modo como ralhavam...
Ainda hoje me assusto com o que ouvia ao saudoso e grande “Elias Pereira Djasus”, que de espuma ao canto da boca, ralhava no palco da casa do povo, “vivendo, com o mesmo sem vontade, com que havia rasgado o ventre de sua mãe... 


Ou até, o ainda com muito cabelo, Ezequiel Lopes e Rafael, que sem ralhar, toava em Portalgre cidade, do alentejo cercada, muito divido entre o “menino de sua mãe” e já sem medo, o “cântico negro”... 

Futuramente, mais apoemarei...

Manuel Peralta

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Líria, até que um dia...

Volto a dar a conhecer mais um passo da luta pela despoluição da ribeira da Líria.
Desta vez foi a Inspeção Geral do Ambiente que decidiu, e bem, efetuar mais uma diligência.
Aguardo com a paciência idêntica à que teve “Job”...
Dou igualmente a conhecer as entidades com responsabilidade na situação, a quem dei conhecimento do ocorrido.

De: Manuel Peralta [mailto:manuel-r-peralta@sapo.pt] 
Enviada: domingo, 4 de Novembro de 2012 19:36
Para: 'Inspecção Geral do Ambiente e Ordenamento do Territorio'
Cc: geral@sm-castelobranco.pt; 'camara@cm-castelobranco.pt'; 'joao.carvalho@sm-castelobranco.pt'; 's.mexia@aguasdocentro.pt'; julio.cruz@reconquista.pt; 'Nelson Mingacho'; 'GNR_CTCasteloBranco_SEPNA'; 'geral@aguasdocentro.pt'; 'geral@min-agricultura.pt'; 'geral@arhtejo.pt'; 'gab.seaot@mamaot.gov.pt'; 'Carlos Cupeto'; 'Antonio Santos'; 'abilio.valente@arhtejo.pt'; 'Manuel Frexes'; 'Frutuoso Mateus'

Assunto: FW: Reclamação sobre descarga de resíduos de matadouro e de águas residuais na Ribeira da Líria, Alcains

Exmª. Senhora
Subdiretora Geral da Inspeção Geral do Ambiente.
Drª. Gabriela Duro.

Respondo ao ofício em anexo neste email, nº 16435/12/SE, de 16.10.2012.
 

Face ao que no mesmo se refere, fico a aguardar o RESULTADO das diligências que mandou efetuar junto do organismo poluidor.
Esclareço no entanto que, o SEPNA/GNR “passou por lá”, e nada encontrou!!!
Apesar disso, confirmo via foto que na altura anexei ao evento de poluição, a verdade do facto ocorrido.
Não pretendo criar desconforto, a qualquer organismo, pessoa ou instituição, insistindo, sobre verdades evidentes, mas, como estou convicto da razão que me assiste não desistirei. 
 

Não é a ribeira que transborda, são as instituições que, apertando as margens, a oprimem...
Como habitualmente, remeto mais duas fotos da passada semana da ribeira da Líria.
Envie, por favor, uma equipa de inspetores observar o que ali se passa. Poluição, e em tempo por enquanto, de pouca pluviosidade, a barragem existente de tabúas, em caso de chuvas mais generosas, provocarão inundações perigosas.
Mas pensa que alguma instituição faz algo?
 

Trocam uns ofícios uns com os outros, e assim “oficiando”, vão andando.
Nada me admira num país sob intervenção estrangeira, mas por favor, pelos meus olhos, não me passem a peneira.

Melhores cumprimentos.

Manuel Peralta

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De: Inspecção Geral do Ambiente e Ordenamento do Territorio [mailto:igamaot@igamaot.gov.pt]
Enviada: quinta-feira, 25 de Outubro de 2012 15:31
Para: manuel-r-peralta@sapo.pt
Assunto: Reclamação sobre descarga de resíduos de matadouro e de águas residuais na Ribeira da Líria, Alcains

Junto envio documento em anexo.

Cumprimentos.

Manuel Peralta

sábado, 3 de novembro de 2012

A FEIRA DOS SANTOS

Na passada quinta feira, dia 1 de novembro, realizou-se pela última vez e ao que parece até 2018, a feira dos Santos em dia feriado.
A romaria aos cemitérios acontece neste dia, dia de Todos os Santos.


Uma vez que, cada dia de calendário é dia de um Santo, e como neste mundo ingrato em que vivemos todos os dias a “rapaziada” que nos governa faz mais Santos, há portanto muito mais Santos que dias de calendário.
Atenta, a Santa Madre Igreja, ao princípio de que nenhum Santo pode e muito menos deve ficar esquecido, celebra e bem, este acontecimento de todos os Santos, em festa comum a todos Eles.
Na terra deles, desde tempos mesmo muito idos, que neste dia se realiza a única feira de Alcains, a popularmente apelidada de feira dos Santos.


Então prima, não vens aos Santos? Não vou, este ano calha ao meio da semana, e na escola está a Ana, respondeu.
Por outro lado, a Santa Sé e a “rapaziada”, enganaram-se na expressão usada nas negociações sobre a supressão dos feriados religiosos. Usaram na lei a expressão “supressão”e agora querem fazer uma EMENDA trocando supressão por “suspensão”. Para um aluno que não se tenha arrelvado na 4ª classe da Dona Amália, supressão quer dizer, cessar, cortar, retirar, abolir e anular, enquanto que, suspender quer dizer, interromper temporariamente.


A propósito de “emenda”, recordo uma expressão de ingenuidade feliz, aprendida na doutrina, por uma minha prima, Manuela, que respondendo a pergunta de tecedeira catequista, em doutrina de ouvido aprendida.
Pergunta a catequista tecedeira.
Onde está Deus?
Respondia a minha prima.
Está no céu e na terra e em toda a parte, que ELE não tem emenda... !!!
A resposta correta seria, “está no céu e na terra e em toda a parte que ELE é imenso”.
Naquela sonora “matrassa”, acompanhada a toque de tear, a santa ingenuidade pairava no ar... 


Por outro lado, o Tozé, seguro nas suas multifacetadas convicções, já disse que quando a sua “rapazida” chegar ao lugar, num ato de acrisolado patriotismo, tudo isto irá mudar.


O dia de Todos os Santos, descreve a enciclopédia Católica, começou no século II, ano duzentos, e destina-se a prestar honra a todos os Santos conhecidos e desconhecidos. Por cristãos começou a ser praticado, em homenagem aos que, de entre os seus, haviam sido martirizados e que acreditavam que, por terem sofrido martírio idêntico ao de Cristo, estariam com ELE no céu.


Hoje os martírios são diferentes, e todos os dias há cada vez mais Santos e Santas... desempregados, reformados, trabalhadores e até senhores, muitos doutores, espoliados à facada pela “rapaziada”.


Desconhecem-se as razões pelas quais, o Papa Gregório III, anos 731-741, marcou esta data, 1 de novembro, mas é desde este Papa que a data se mantém intacta.
Nas deslocações dos familiares aos cemitérios para homenagear, rezar, chorar e recordar familiares e amigos, colocando-lhes flores, crisântemos, nas campas e jazigos, este dia mantinha em muitos terras um peditório feito pelas crianças, pedindo “Pão Por Deus”.


Esta tradição remonta ao ano de 1756, um ano depois do terramoto de 1755 que destruiu Lisboa e por esse motivo causou muita fome.
A pobreza apoderou-se de muita gente de tal modo que, espontaneamente, em 1 de novembro de 1756 os habitantes de Lisboa aproveitaram a comemoração do feriado de Todos os Santos, saíram pelas ruas e de porta em porta pediam “Pão Por Deus”, para lhes minorar a fome, agravada pela destruição do terramoto.



Esta tradição estendeu-se bastante por todo o país e, em alguns locais passou a ser conhecida por “dia dos bolinhos”.
Nas décadas de 60 e 70 foram impostas regras e, o “Pão Por Deus”, apenas podia ser pedido por crianças com menos de 10 anos de idade, e, até ao meio dia de 1 de novembro.


A tradição de “Pão Por Deus”, gradualmente, foi-se perdendo e, hoje, é praticamente irrelevante. Aparecem por vezes em Alcains umas crianças pedindo uma “esmolinha”, crianças estas sem ar de pedintes, mas presumo que o fazem, eventualmente por mando dos pais, sem o conhecimento da raiz desta perdida tradição.


Com o copianço das tradições, por um lado das terras do “Tio Sam”, isto é da América, e, por outro dos países anglo saxónicos, e, ainda por mais um lado, da sociedade de informação e da exposição televisiva, esta tradição do “Pão Por Deus”, tem vindo a ser substituída pela tradição do “Halloween” ou “Dia das Bruxas”.


Todos os anos temos de “gramar”, com muitos milhões em compensações e indemnizações, e, na renda mensal da taxa do audiovisual a gastadora RTP-1, RTP-2, RTP-África, RTP-Internacional, RTP-Memória, RDP-Antena-1, RDP-Antena-2, RDP-Antena-3, o inigualável Padre Fontes, nas terras de Montalegre, tratando da vidinha, por vezes no consultório no Centro de Saúde Estatal Local, e que, com cara de quem não bebe, brinca ao Halloween à moda de Montalegre.


No dia 31 de outubro passado, depois de ter ido fazer um café ao meu pai, que, com 88 anos me vai dizendo, ó filho, eu não estou doente, estou é gasto... fui a pé até ao largo de Santo António.
Iluminação deficiente na ex-aldeia de Alcains, passeios prontos para aumentar a fatura da saúde a idosos que utilizam a estrada onde o piso é mais regular, lojas fechadas e prontas a vender ou alugar, pouca gente.
Alegria e feérica iluminação de causar tonturas, na barraca das farturas... 


Em tempos não muito idos, enquanto a “malta” da inspeção, ao longo do mês, “roubava” vasos, fazia também nessa noite, 31 de otubro, o baile da malta da inspeção.
Nesses tempos, os devaneios públicos não eram permitidos, as danças, uma ou outra escondida beijoca só atrás da porta, e para se apalpar tinha que se dançar.


A malta de agora, reúne-se a 31 de outubro,  naquilo a que se vai chamando o “Jantar das Maltas”.
Não apenas da malta que ia à inspeção militar esse ano, mas de todas as maltas, uma espécie de direito constitucional adquirido, de malta que nunca irá saber o que é uma posição de sentido...
Fruto da igualdade do género, isto é quer machos quer fêmeas, comem, bebem, fumam, e “mocham” cada um como sabe e pode... , enfim, um pagode.


Uma mais abundante alimentação, filhos do iogurte e de dormirem em cama onde se podem livremente estender, acabaram as camas da camarinha, não perplexo, fiquei, a perplexidade diminui na razão direta da medida em que vou deixando de usar cabelo, quando me parece que aquilo a que se poderia chamar de “canalha”, aqui com sentido de malta muito jovem, eu sei lá com um máximo de 15 a 17 anos, além de mocharem uns com os outros e umas com as outras, de  camisola estampada com o ano de nascimento, celebram com muitos anos de antecipação o ano em que se ia à inspeção.


Verdes, são os anos, verdes são os prantos... mas, não é agradável ver e assistir à competição pela maior cadela, bebedeira, de cervejas de litro na mão, e uma ou outra garrafa de vodka, em jovem mão apertada, que da vida sabe nada...
Vão para o carrossel, vomitam sem andar de corcel... 


Havia mesmo muito pouca gente, maltas, este ano no 31 de outubro.
Muito forte a presença discreta da autoridade a GNR, cujos comandantes, em Castelo Branco e à medida que vão saindo, repito, e à medida que vão saindo, dizem que se torna necessário alterar o dispositivo... 


Já de regresso a casa, e ainda antes de chegar à dita zona de Lazer onde há muito por fazer, ali no largo do chafariz eternamente velho, com iluminação de fraca candela, mais propriamente onde o Zé Russo, de carpinteiro de tosco e Parteiro reformado, horta faz por todo o lado, deparo-me então com um espetáculo digno de registo.
Por lamentável esquecimento não trazia o kodac.


Pardais à solta, ninhos de bruxinhos e bruxinhas, bem dúzia e meia deles e delas, herdeiros dilectos da saudosa “Ti Laranjinha” popularmente apelidada de bruxa e que residia em casa estreita, de tamanho de ovo, no largo do poço novo.
Ainda a conheci. Era uma mulher pequenina, tenho imagem de mulher linda, e como era pequenina e redondinha, batismo popular de laranjinha, não dito de malta, construção de peralta.


A tal dúzia e meia de bruxinhos e bruxinhas, de fato de cetim preto, com gorro abicado na cabeça, uns de capa outras de sapata, quase todos de telemóvel na mão, caminhavam um pouco sem destino, qual menino à procura de carinho.
Um fardado de bruxo mais velho, aí com uma dúzia mais dois a três, de anos, de telemóvel mochava e assim a pequenada controlava.
Nenhum ali tinha um papel, mas todos, em apressado passo, a caminho do carrossel.


Quando eu era um pardal à solta, o dia 31 de outubro não existia.
Criado com eira e alguma beira, ia nesse dia de todos os Santos, com os meus pais à feira.


Vindo dos lados do Degredo, normalmente em grupo com os vizinhos e um ou outro familiar, ia-se primeiro ao cemitério, visitar, rever amigos e familiares que ali em poucas campas de granito ou mármore ali tinham sido sepultados.
Não se vendiam flores, e a ostentação de hoje, encobrirá por vezes vidas aziagas, quase estragadas...
Chorava-se se morte recente tivesse acontecido, normalmente ainda de luto, consentido. Os homens de gravata ou fita preta no braço, as mulheres se viúvas, de negro preto xaile vestidas.


Conta-me a minha mãe, de memória de 87 anos, o que era a solidariedade no luto, entre primas e tias, que entre si combinavam o dia em que começavam a “aliviar o luto”.
Deixavam o preto profundo e vestiam uma blusinha preta com florinhas brancas e saia ou vestido a caminhar para acinzentado, até gradualmente e consoante as posse de cada uma, para um trajar normal, mas o luto nunca durava menos de 1 a 2 semestres. Viúva de luto, sempre.
Por vezes, ódios familiares de estimação, a quem rompia a combinação.
No tempo das minhas avós que não conheci, Guilhermina e Antónia, hoje os meus três netos têm ainda e felizmente as 4 bisavós, as mulheres viúvas eram socialmente obrigadas a usar a “côca”.


E o que era a côca?
As viúvas no tempo da minha avó que nasceu em 1898, trajavam de luto total. De xaile de merino e de lenço preto na cabeça. Só que o lenço, liso de preto, fazia um grande bico frente ao rosto, de tal modo que a cara da infeliz viúva não visse nem se visse.
Assim uma espécie de “tchador” das muçulmanas, sem a rede mosqueira à frente.


De regresso do cemitério e já da paixão aliviados, compravam-se então umas castanhas, umas maçãs, uma nozes a dentes partidas, e um ou outro mais atiradiço piscava olho a rapariga.
O largo de Santo António em terra por todos batida, tinha calçada apenas no caminho que dava acesso ao cemitério e era nesse caminho e perto do tanque que ali existiu e da loja da Ti Brandoa que os poucos feirantes, feiravam.
Eles e nós.


As tabernas, as muitas que por ali havia,  mesmo em anos de seca estavam inundadas de homens todos de chapéu, que bebiam uns copos, deslavados, por vezes traçado...
Bebia-se o “champerrion”, uma mistura adocicada de vinho, cerveja cergal, e laranjada Prata Cão. Colheres, várias de açúcar amarelo, para saber quase a farelo. Mas doce, mesmo muito doce.


Que me lembre poucas castanhas havia a assar, e os homens compravam então para mulher e filhos uns nacos de “trrum”, hoje conhecido por torrão de Alicante, e assim a roer e a comer num instante, se passeava a feira adiante.
A casa de banho era o universo, desta vez WC sedeado em pleno largo sem festa, em Líria descoberta.


Frente à horta da Dona Josefina onde havia muita tangerina, ficava então uma tenda, barraca do fotógrafo “á lá minuta”, fotógrafo, que enfiava na cabeça a carapuça, e prendia a tenção do menino, dizendo, “olhó passarinho. Na foto abaixo e saído do ninho e com meio, mais um aninho, peraltinho, de duplo caracol em rosto de sol, bem calçado, sapato de futuro muito emprestado, e com vontade de ser “urso”, de relógio de pulso.


Já de saída e onde hoje está a sede do “Glorioso Benfica”, iluminada a gasómetro estava um tendeiro que vendia um pouco de tudo.
Navalhas de enxertar, pentes, ratoeiras para escava terras, costis para apanhar tordos e taralhões, carteiras de cabedal e já em plástico para guardar documentos, por vota de 1960, imagens do Coração de Jesus e de Nossa Senhora, e um quadro de um menino a atravessar uma ponte em ruina, protegido e amparado nas graças de asas largas de um Anjo da Guarda.


O meu pai comprou e, desde então, em quarto de cal caiado, com uvas e marmelos nos caibros pendurados, pelo Anjo da Guarda, eram cuidados e por mim de palatos aguados, olhados.
Anjo da Guarda, minha doce companhia, guardai a minha alma, quer de noite, quer de dia.
Oração que a minha solteira Ti Ana Minhós, excelente doceira me ensinou a que mais tarde eu retribuí, dizendo, enxofrando-a, claro.
Como era muito religiosa e ainda mais temente a Deus, dizia-lhe eu.
Os Minhózes rezam Pai Nossos como quem come tremoços... 


Agora já em casa e com o Anjo da Guarda pendurado em parede de taipa, ia-se para a cozinha e ali em lareira com palameira assavam-se então umas castanhas em bruxa de barro e com encorpado farrapão para tapar e calar a boca da bruxa.
Só assim é que elas amaciam, dizia o meu pai, sem me explicar se se referia à bruxa ou às castanhas.
Respeitador e com receio de pergunta inconveniente, ainda hoje vivo com esta dúvida.


Sob as trempes, a bruxa, dentro da bruxa as castanhas, o crepitar do lume que é meia companhia, assim se acabava mais um dia.
No verão tinha-se feito um belo frasco de jinja, bem agardentado e com elas ou mesmo sem elas, era uma festa comer e recomer castanhada em prato azul resmaltado.


Pretendo dar a conhecer a quem o Terra dos Cães lê, o que foi a feira deste ano, e a que a minha memória regista.
As inúmeras fotos que tirei pretendem igualmente dar aos nossos emigrantes, de coração assolapado e prenhes de paixões saudosas da feira de tantas recordações, uma pincelada breve em tela de memórias que o tempo, este tempo, escurece.


Do Regato da Sola dos “tchapões que todos têm dois corações” até ao Zé Artilheiro que toda a vida foi canteiro, fica uma enorme vontade de continuar a relatar, para o emigrante desabafar...

Manuel Peralta