11.04.1924 - 15.01.2014
Pela primeira vez
em 36 anos, cheguei e ninguém me chamou Miguel. O meu Avô partiu, dizem que
descansou... é irónico, para um Homem que trabalhou literalmente toda a vida.
Quem descansou realmente foram as ferramentas, foi a enxada, foi a mota e o
serrote!
Pelo teu filho emigraste para França. Deixaste a Lurdes em Alcains e o meu Pai
encarregue dos livros, dos lápis e das sebentas na terra do Mondego. Fazias a
mala apenas de véspera, mas a razão e a necessidade falou sempre mais alto,
pautando a tua atitude pelo sacrifício. Ergueste a tua casa numa rua quase com
o teu nome e foi nesse teto que aprendi o A e o M, o O e o R, que juntos fazem
a palavra AMOR. Aprendi ainda que 2+2 são 5, o reflexo de uma família unida, de
mãos dadas uns com os outros, cada vez mais fortes.
Amigo dos 'vivos', contigo aprendi a respeitar a natureza, a criar um par de
melros, sempre de boca aberta à espera de farelo. Frango e bifes como os teus
nunca mais comerei. Castanhas assadas na bruxa de agora em diante só em Lisboa.
A terra da horta passará agora a ser revolvida pelo meu Pai, mas o respeito por
aquele pedaço de terreno será eterno, onde viverás em cada fruto e nas asas dos
passarinhos, companheiros de dias de trabalho de sol a sol, em prol da sopa que
ainda hoje todos comemos.
Para sempre guardei o travo doce do mel das tuas abelhas, que apenas a ti não
te picavam, obrigando-me a mim, ao meu pai e ao sobrinho Joaquim Paralta a
fazer km para evitar o ferrão que se adivinhava...
Exímio com a cana de pesca, empataste anzóis que em conjunto com o teu sobrinho apanhavam às 100 carpas de cada vez. Entretanto perdi o conto às migas que comemos.
Hoje já não tens a boina na cabeça, mas partes de bigode impecavelmente
aparado, como esteve durante toda a vida.
Esta vida resume-se às ações que praticamos, é uma caminhada constante, cheia de obstáculos que transpomos com os nossos gestos e atitudes. São trilhos e mais trilhos de possíveis caminhos e cabe-nos a nós a decisão de quais percorremos.
O teu trilho ficará para sempre marcado pelas pegadas sólidas de um bom Amigo,
de um Guia, de um Bisavô, de um Avô e de um Pai.
A tua partida deixa-me 'meio vazio', impossível de preencher. Mas a outra
metade está repleta de ti. Do teu caráter e da tua personalidade, da tua
bondade e do teu respeito. Aprendi muito contigo e nas minhas ações e atitudes
permanecerás vivo...
Deixas uma esposa,
um filho, dois netos e três bisnetos. Uma família à tua imagem e que nunca te
esquecerá! Homens como este, quando partem e mesmo com 90 anos, não querendo
ser egoísta mas a mim parece-me sempre prematuro.
O céu para onde
agora vais nunca mais será o mesmo. Haverá sempre frutos em todas as Primaveras
e não se avistará uma única erva daninha.
Obrigado pelas
noites a embalar o berço.
Obrigado por fundares os pilares da família Peralta, tu que na tua infância nada tiveste sendo no entanto uma influência direta em tudo o que tenho hoje.
Obrigado pelos teus ensinamentos, palavras sábias e expressões que nunca mais
esquecerei.
Obrigado pelo amor que sempre tiveste pela avó.
Descansa em Paz.
Nós por cá vamos olhando pela 'tua' Lurdes, que cá fica para me ir dando 'uma
notinha'.
Até sempre Avô.
Miguel