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domingo, 26 de junho de 2011

General Ramalho Eanes

Um Alcainense Presidente da República
Há cerca de trinta e cinco anos, o Presidente da República era um dos nossos.

Estou a escrever a 19, e foi a 27 de Junho de 1976, que o alcainense António Ramalho Eanes, era eleito, à 1ª volta, com 61,6% dos votos, para a mais elevada magistratura do estado – a Presidência da República.
Nascido a 25 Jan. de 1935 em Alcains, é filho de Manuel dos Santos Eanes e de Maria do Rosário Ramalho, ambos já falecidos.
Do que foi o seu percurso escolar e militar está a NET repleta. Vamos abordar o tema da sua eleição, numa perspectiva alcainense, de como os alcainenses (re)descobriram, naquele militar de ar sisudo, o homem sensato, que em 25 de Novembro de 75, teve um papel fulcral nas operações militares, que se mal planeadas, poderiam ter conduzido o país à Guerra Civil. Que esteve muito perto!
Disciplinando os quartéis, os portugueses depressa entenderam, que por detrás daquele militar de perfil austero, que falava com um sotaque característico, adicionando um “e” a muitas das suas palavras, uma característica do sotaque “alcainês”, o Homem certo para a Presidência da República.


As principais forças partidárias iriam atrás, e Eanes tinha à partida a sua eleição praticamente garantida. Em Alcains, um núcleo, em que avultavam os nomes de José Reis Dias, Helder Rafael, colega de Escola Primária de Eanes, o então ainda Ten. Cor. Frutuoso Mateus, e eu próprio, recolhemos assinaturas que foram incluídas no processo de candidatura, recolhemos fundos e fomos um núcleo imune às tricas que o PS, o PPD e o CDS armavam entre si, a nível concelhio, sempre que era necessário fazer algo em conjunto.
Por isso resolvemos e bem, correr por fora.
Eanes quis vincar a sua ligação à terra em que nascera e às suas gentes e resolveu iniciar por aqui a campanha eleitoral. No Largo de Santo António, da varanda do edifício dos CTT, sob um sol que queimava, com algumas centenas de alcainenses e de terras vizinhas, Eanes foi por mim saudado e apresentou-se às gentes da sua terra.
Sóbrio, e vincando bem as suas palavras, disse ao que vinha, e aquilo que ambicionava para os portugueses, a quem queria dar como exemplo de trabalho, a sua Terra, os seus pais, os seus amigos, os seus conterrâneos.
Nesse dia o percurso era pela Lousa, onde o esperava Vasco Lourenço, e ainda se cantava o Hino Nacional de braço no ar, Idanha-a-Nova, outro banho de multidão e comício ao final da tarde em Castelo Branco.
E a campanha foi um percurso relativamente calmo, em que apenas no Alentejo, creio que em Beja, com apoiantes de Otelo, houve tiros, documentando os jornais, a figura de Eanes, de pé creio que no capô de um carro, num acto de coragem, demonstrando que não havia lugar para medo.


Em Alcains pintaram-se umas faixas e nas povoações vizinhas teremos colado uns cartazes, coisa pouca. Recordo o infausto Nuno Jorge, que colaborou nessas tarefas.
Deste modo a sua eleição em 27 de Junho, com os resultados a serem conhecidos noite dentro, foi absolutamente natural. E alguns jornais que deslocaram ainda nessa noite, algumas equipas de reportagem, esperando encontrar uma Vila em festa, deparavam na noite quente, com uma acalmia total.
O núcleo local fizera o seu trabalho e o candidato triunfara como era esperado.
A festa fez-se no dia a seguir, com a Banda Filarmónica do Louriçal, que deu umas voltas pela Vila, com estralejar de foguetes e uma caravana automóvel, que foi saudar a família mais próxima de Eanes, que residia numa transversal da Avª Nuno Álvares em Castelo Branco.
O seu percurso no 1º mandato, os seus discursos na AR em cada 25 de Abril, que punham os cabelos em pé a Soares e a Sá Carneiro, os governos de iniciativa presidencial que apadrinhou, enfim, auguravam o que viria a verificar-se. Não contasse com eles, para a (re) eleição visando um 2º mandato.


Internamente as Forças Armadas entravam nos eixos, a Constituição respeitada e o país ganhou credibilidade com a sua figura.
Inaugurou as presidências abertas, com uma vinda a Alcains, com os acompanhantes providos, que os tempos eram de austeridade, de ração de combate, para comerem à sombra das árvores na Santa Apolónia.
Seria o agricultor Armindo de Carvalho, também já desaparecido, a empenhar-se no reforço do almoço dos ilustres convidados, em que não faltaria o famoso queijo de Alcains.
Nem tudo terá corrido bem, refira-se. Na Alprema, outro alcainense que deu muito a esta terra, António Lourenço Barata, aflorou uma questão sensível à época, os Sindicatos, e isso foi explorado pelos jornalistas presentes.
Nesse dia ainda, à noite, aí vou eu a caminho do Fundão, onde o director do jornal onde eu colaborava, aceitou as explicações que eu lhe dei, relativas ao incidente verificado com a abordagem daquele tema, nos moldes em que o fora, e que não traduziam a realidade da forma como pensavam e agiam, a grande maioria dos empresários de Alcains.
E entretanto aproxima-se o fim do mandato. Desavindo com Soares, com o PS dividido, com a AD de Sá Carneiro, que ganhara as Legislativas, e apresentava um candidato forte, com a autarquia local nas mãos de uma Lista Independente, aí vamos de novo cumprir o nosso papel e apoiar sem margem para dúvidas o nosso candidato.


A Junta de Freguesia é a sede de campanha e a Casa do Povo, o armazém onde guardávamos tarjas e cartazes, para as surtidas nocturnas em acções de colagem. Quase taco-a-taco com a AD local, na disputa pelos lugares de maior visibilidade.
E Eanes, já a meio da campanha, vem da Covilhã, onde uma caravana de alcainenses o foi esperar, e sempre em crescendo de apoiantes, passa pelo Fundão onde Paulouro o recebe, e a caravana chega a Alcains, noite fechada e fria de 30 de Novembro, para um comício desta vez no mesmo Largo de Santo António, mas numa varanda da antiga casa da Brandoa.
No Fundão, seria o Manuel Pereira, que tinha um megafone, que liderou a caravana da Drª Manuela Eanes, passando por terras de Idanha, Ladoeiro, Escalos, vindo reunir-se ao marido já em Alcains. Antes, passaria pela Igreja Matriz, onde depôs aos pés da padroeira de Alcains, as muitas flores que lhe tinham sido entregues pelo caminho.


Perante um mar de gente, que fora engrossando ao longo daquela tarde, sem telemóveis para saber aonde vinham, lá fui entretendo os presentes de que a caravana chegaria pelas …horas, informação que fui corrigindo ao longo da tarde, tipo especialistas de sondagem, que vão encurtando as margens de erro, à medida que vão saindo os resultados finais.
Desta vez é mesmo a sério. O “homem do leme” presidente da Autarquia faz uma intervenção dura, falando dos boatos que circulavam e que cala fundo nos presentes e Eanes, corresponde com a mesma simplicidade com que nos habituara. Contava com os seus conterrâneos para vir a ser eleito, numa disputa que ainda não estava segura. Os seus conterrâneos já o conheciam e garantia não os vir a desiludir.


Faltava uma semana, continuamos as colagens pelas terras vizinhas, até aquela fatídica noite de 6ª feira, em que se dá o terrível acidente de Camarate, que vitima Sá Carneiro e acompanhantes.
Na Casa do Povo, preparava-se a última saída para colagens até à meia noite, quando consultando a comissão concelhia em Castelo Branco, nos mandam suspender todas as acções de campanha.
E a 7 de Dezembro de 1980, novamente à primeira volta, agora com 56, 4% dos votos, Eanes conquistava novo mandato.
Pressionados pela população que queria à viva força festejar e divididos face à morte de Sá Carneiro, lá tivemos eu e o Manuel Sousa da Lusitana, de encabeçar uma caravana, que passou por Castelo Branco e terras vizinhas, em que o slogan que passávamos era, recordo-me bem: «a vitória de Eanes não é a derrota de ninguém».
Pouco tempo depois, em 1982, Alcains fazia 10 anos de Vila, e um arraial popular, música, foguetes e papas na rua, acolheu Eanes mais uma vez na sua terra.
Foi talvez a visita da reconciliação, com convidados pela Autarquia, desde o antigo Governado Civil de Castelo Branco, Ascensão Azevedo, Vila Franca, presidente da Câmara, e outras individualidades. Dia soalheiro e repleto de emoção.
Mais tarde, estava eu a poucos dias do Natal, numa cama do Hospital de Évora, recuperando de uma operação, quando na sua visita na época pelos hospitais, entra no quarto e admirado : «você aqui»!


Depois saí de Alcains, em Abrantes ainda colaborei no PRD, mas terei estado presente apenas em mais dois ou três eventos com a sua presença.
Outros poderão falar com mais propriedade do que continuou a ser a ligação de Eanes a Alcains, à sua terra e problemas, que eu fui seguindo à distância.
E termino como comecei. Estão a passar 35 anos, sobre a data em que Alcains, teve um dos seus, na mais elevada magistratura do Estado – a Presidência da República. E isso é que conta. E disso nos orgulhamos.
Nota final : alinhavava este apontamento, quando e-mail do “homem do leme” me informa da morte do Engº João Ramalho Eanes. A vida tem destes desencontros. As minhas condolências à família enlutada.

MC

Outros textos e fotos de MC sobre a Guerra Colonial em : Panoramio photos by Jose Castilho

domingo, 19 de junho de 2011

Rafeiro de Lata

Inadvertidamente, quando reflectia em fresco banco, da linda capela do Senhor do Lírio, no cemitério, abro porta interior da capela com a curiosidade de quem pergunta!!!
O que é que para aqui haverá?


Fiquei atagantado...
A foto supra diz bem do estado de conservação de um exemplar único, do carro, carrêta, assim era chamado, que transportava as urnas nos funerais.
Recentemente, o Manuel Geada, um Alcainense de memória mais que desperta, acordada, referia-se em comentário a propósito, sobre o paradeiro deste carro.


Lembro-me de, em funerais de gente mais que pobre, o corpo do falecido, ser transportado em urna de lata, de nome esquife, e depois das rezas habituais assim ser sepultado, isto é, deitado na cova apenas embrulhado em lençol.


Agora, mal arrumado na arrecadação do cemitério, ali convive não sei se reformado se aposentado, com os colegas ainda em actividade, a pá, a picareta, a enxada, debalde como o balde, a corda, a esfregona, a vassoura, a lixívia, e o escadote todos com muito mais pó que sorte...
Se restaurado, poderia cohabitar na capela, mais cromado, pintado, envernizado para ser lembrado.
Mas como Alcains não ata nem desata, para os responsáveis, Rafeiro de Lata.

Manuel Peralta

sábado, 18 de junho de 2011

Maria “Rainha“

Maria dos Anjos Rainha.
Maria dos Reis Patrocínio Raposo.


Fez 99, repito, noventa e nove anos, no passado dia 5 de Janeiro de 2011.
É actualmente a segunda mulher mais idosa de Alcains.
Viúva de Joaquim dos Santos Rafael, mais conhecido por “Jaquim Seguérro” que, além da família, gostava muito de tabaco, cigarro, e ao que conta a história ainda mais da pinga...


O casal teve dois reis, o Manuel e o João e duas rainhas, a Céu e a Alice.
Residiram numa Travessa da Travessa Dr. Vicente Sanches.


A Tia Maria dos Reis Patrocínio Raposo, Maria Rainha, é irmã do Ti Zé Cego do cabeço, já falecido e com biografia no Terra dos Cães.
Passados tempos de casados, o ti Joaquim Cigarro, como gostava bastante da pinga aparecia por vezes entornado, e fumava mais que o forno do Cuco...


Não fazia questão onde o havia, pois morava a dois passos da taberna da Ti Marreca e do sempre prestável e incansável Ti Requeita.



As coisas não corriam bem, e a fama, devagar como um tropeço, passou do Outeiro para o Regato da Sola e deste para o Cabeço.
Não vendo, mas ouvindo de sua irmã a desdita, meditou, meditou em noites de calor e maresia e saiu esta poesia.


Onde vais Maria dos Anjos,
Onde vais tão triste a chorar.
Ai...Ai...Ai...
Vou a ver do meu marido,
Que está na taberna a jogar.
Ai...Ai...Ai...

Está na taberna a jogar,
Com uma grande borracheira.
Ai...Ai...Ai...
Se me querias fazer isso,
Deixavas-me estar solteira.
Ai...Ai...Ai...

Deixavas-me estar solteira,
Solteira é que eu estava bem.
Ai...Ai...Ai...
Em casa dos meus pais,
E à sombra da minha mãe.


Visitei a Ti Maria Rainha no Lar acompanhado pelo seu filho rei Manuel e a sua esposa, irmã do Zé Maria Cambalhota, que me desculpe, mas não me reconheceu, ela que tantas vezes, me falava no Degredo quando visitava sua familiar.
A minha mãe, ainda hoje canta esta cantiga que aprendeu, quando era mais nova.
Vidas duras de outros tempos, retratadas por um cego que via, em versos de um realismo duro como aquelas vidas.

Manuel Peralta

Catar

Ti Lurdes, empreste-me lá o pente de derruber, agora tenho um pouco de vagar, e quero dar ali uma malha à minha Cocissã, (Conceição).

Era assim.


Normalmente nos domingos à tarde, todas malhavam umas nas outras, aquilo era uma verdadeira malhação… agora cáto-te eu a ti, e depois catas-me tu a mim…


Deitadas com a cabeça no colo, normalmente sobre lenço preto para acentuar o contraste, começava o sacrilégio da catação.
As lêndeas, piolhos bebés, os piolhos propriamente ditos e as favas…
Deixe-me já gritava o Zeca, enquanto a mãe o arrotchenava, calcando-lhe ainda mais a cabeça contra o colo.


Unha afiada lavrando cabeço com cabelo tipo giesta negral lavada a clarim ou sabão macaco…
Olha esta fava, exibia-se publicamente o troféu, quando um peso pesado era caçado e entre as unhas estalado, até se ouvia e era agora a altura de levantar a cabeça fria…


Os mais impampes passeavam, por vezes, pelos colarinhos de camisas córadas na ribeira do Moínho de Baixo ou no Laréco, e não raro em plena missa, as do banco de trás, viam passear pelo lenço sobre a cabeça os mais atrevidos e ainda não caçados.


Nos carrapitos, nas tranças, nos rabos de cavalo,nas franjas, e por fim nas permanentes nas mulheres, na marrafinha e no risco ao lado nos homens esta praga passou e acabou.
A expressão de aborrecimento “ vai-te catar “ diz bem da incomodidade…

Manuel Peralta

Tirar bichas

Quando a canalha corria e ia com o rabo de lado, quando se sentavam e levantavam uma das nalguinhas, era de desconfiar, ali haviam bichas...
Ténias, lombrigas.


Havia uns mais atchacados que outros, e, claro, como a casa de banho era o universo quando se tentava limpar o sêsso, estava um pendurão que tinha de ser tirado à mão, muito mais macia que lixa, a bicha.
Por vezes nas ruas, nos patinhos e batoréis quer fosse mãe ou tia, deitavam o petiz de bruços no colo, abriam a ceroulas de emergência e ficava ao léu alva meia lua de risco ao meio...
Com um trocinho de couve, qual bisturi de cirurgião, pesquisavam, e as que apontavam, eram retiradas e mostradas para gáudio da canalha que assistia...


Claro no dia seguinte tudo sabia e vinham as tricas, fulano tem bichas...

Manuel Peralta

Rezar o Torcido

Era criança.
Tinha acabado na Tapada da Senhora, mais uma prova de eixo ribaldeixo, caramel ao pé do eixo...
Já no onze, com os sinos de Mafra em bronze, estava o Alma Grande, um tanganheirão que se ergueu e de nada me valeu...
Eu, caído, e de pescoço torcido.
De pescoço ao lado cheguei a casa calado.
Tocou a rebate na rua do Degredo, assembleia de vizinhas, a ti Mari do Carmo Paposeca, a ti Mari Zé Arrebenta, a Juliôa e a Cafedenha que cozinhavam a lenha.
Folhas de saião, papas de linhaça com ortigas, de chixéfra, unto sem sal que não fazia nem bem nem mal...
Porque não havia álcool e não me doía dente, acabei esfregado a aguardente.
Não passava.
Voltaram-se para o sobrenatural, rezar o torcido.
A caminho da Pedreira, pela mão de minha mãe, depois de passar o Regatinho, na primeira cortada à direita lá estava a extensão sobrenatural de saúde, com a respectiva médica de família de então, a Ti Maria Joaquina Russa.


Entrámos, passado a patinho, fico sentado em cadeira de palha, a minha mãe poisou a cesta de verga com meia dúzia de ovos e uma vassoura de giesta, o preço da consulta, e começa a reza do torcido.


Loira, de apelido russa por ser pobre, olhos esverdeados parecia uma Nossa Senhora de carne e osso, no seu avental de cornucópias drapeadas...
Trás lá a estopa...
Sete nós, sete pai nossos, sete avé Marias ali, de rajada...e eu já de colar na pescoçada...


Dizia...

Mão no peito,
E no bimbigo.
Destorce, destorce,
O que está torcido...

Ámen.

Manuel Peralta

domingo, 5 de junho de 2011

Os Cães que se cruzaram na minha vida...

Claramente um título provocatório para aguçar o apetite de algum distraído navegante que encalhe neste Blog com um nome tão singular.
E que justificadamente poderá interrogar-se: afinal onde estão os Cães e as suas “estórias”? Afinal onde estão os protagonistas que farão juz, ao título deste Blog? Sim, onde estão? E eu nesse particular também não posso prestar grande ajuda. Lembro-me de uma expressão, “ o cão do Guerra”, mas por mais que me esforço, não consigo descortinar o contexto em que a mesma frase era pronunciada.
Talvez “o homem do leme”consiga aclarar esta dúvida.
Vamos porém às “estórias” que tenho para contar, envolvendo alguns dos melhores amigos do Homem.


A primeira, aí vai. Década de 60, Coimbra, e um quarteto alcainense alojado na mesma casa, aonde em determinada altura existiu uma cadela, plebeia, sem pedigree, pouco mais que cachorra, e que acudia ao exótico nome de Muxima. A dita, em determinada altura dava-lhe para roer tudo o que pudesse apanhar. Sapatos, roupas, livros, não estavam a salvo naquela casa.
Na mesma casa, ainda com o 5º ano do Liceu às costas, alojava-se um outro hóspede de nome Zé Oliveira, já na altura um humorista do lápis e da escrita, com créditos firmados. E hoje, até consagrado em meios internacionais do Humor, com abundantes citações na NET. Pois o bom do nosso amigo, com um feitio especial, e a quem o “homem do leme” companheiro de quarto, também de fino humor, conseguia fazer ir aos arames, tinha uma camisa de cor bege, cujos colarinhos, foram um dia o alvo dos caninos da Muxima! Filosófico, o alvejado, referia, “a cadela está visto que gosta é de bolacha baunilha e confundiu o colarinho da minha camisa com essas bolachas”!...
E ríamos a bandeiras despregadas, com a associação daquela camisa às gulodices...
A Muxima dormia no quintal, acimentado. Tinha ladrar fácil aos ruídos da Rua e derrapava nas corridas para assinalar a sua presença. Derrapagens, que aconteciam com uma parede de permeio, por alturas do travesseiro do “homem do leme”. E acordando-o ou não, este foi também uma vítima do comportamento daquela cadela maluca que nunca mais esquecemos...


As “estórias” seguintes com o melhor amigo do Homem, remetem-nos para os 2 anos passados no Norte de Angola, paredes meias com o ex- Congo Belga. Os militares regra geral gostavam bastante de cães. Os soldados, sobretudo os de meios mais rurais, viam neles os animais que tinham ao deixado na sua terra distante e afeiçoavam-se-lhes de igual modo.
Claro que ali, o capim, o clima equatorial, muito calor e humidade, tornavam muito efémera a vida destes animais.
O meu Pelotão de Sapadores não constituía excepção e chegou a ter por sua conta 2 cães. A mim era-me relativamente indiferente tal predilecção, mas que a mesma ajudava a manter o moral dos militares, era inquestionável.
Não me agradava a incorporação destes animais nas colunas e muito menos nas nomadizações, em que muitas vezes o silêncio era a palavra de ordem que os cães poderiam perturbar, agitados até pelo farejar da muita caça existente.
Daquela vez tinha pela frente uma nomadização de 2 dias e 2 noites no Mato, e levar comigo um cão não me agradava. Mas na altura da formação da coluna que nos levou até à zona a patrulhar, alguém ocultou o Sapador, nome que davam a um dos cães, e só chegada a altura de saltar das viaturas, dou pela presença do inesperado “reforço”, que latia entusiasmado junto de quem o ocultara. Fiz-me desentendido, mas todos entenderam que eu não gostara da surpresa. Tínhamos para início daquelas 48 horas, que atravessar uma Mata de razoáveis dimensões chamada de Mossuco, que apenas uma picada nem sempre nas melhores condições atravessava. Com um ou dois pontões de permeio, já por lá improvisara a substituição de uns troncos e era com cuidado, transitável motorizada.


Daquela vez porém eu teria que andar por ali 2 dias e resolvera dispensar a escolta que já retornara a Noqui, para aí a cerca de 20 km, talvez menos.
Organizo o GC em 2 grupos. Faríamos a travessia da Mata apeados, em coluna por um, utilizando o jargão castrense, ou bicha de pirilau, como vulgarmente se dizia.
Os 2 agrupamentos formados, partiriam distanciados cerca de 10 minutos, para mutuamente não se perturbarem na deslocação. No 1º agrupamento, seguiam 2 graduados chefiando 2 secções de 6 militares.
Eu fiquei no 2º grupo, também com uma dezena de homens, incluindo o operador de rádio, com um volumoso Racal às costas, e baterias para 2 dias. Quem só conhece o telemóvel, não faz ideia do que os operadores de telecomunições sofriam, tal qual como os enfermeiros, cuja bolsa de 1ºs socorros, pesaria uma dezena de Kg. A situação era de tal ordem, que em vez da G – 3, a sua arma orgânica seria a pistola Walter. Diga-se de passagem, que mesmo suportando peso suplementar, nunca vi ninguém trocar aquela por esta.
Passados cerca de 10 minutos, avança o meu grupo, em silêncio, e atentos às margens da picada, quando no interior da mata, um resfolegar, seguido de um fogachal, fazia investir na direcção dos militares, um javali de peso razoável, que o Sapador atacara e que veio a morrer aos nossos pés. Refeitos da surpresa, urgia vermo-nos livres dele.


O Racal, no meio da mata não conseguia contactar o quartel para vir uma coluna recolher a preciosa presa. Lá à frente, estaria o 1º grupo, apreensivo pelos tiros que ouvira à sua rectaguarda. Portanto, toca a pegar no javali, revesando-se os homens no seu transporte e à medida que nos aproximamos do fim da picada, um grito de “somos nós” para que não fôssemos surpreendidos por “fogo amigo” .
E não há dúvida, que fomos encontrar os nossos camaradas, alapados ao terreno, e com as armas apontadas para onde tinham ouvido os tiros.
Racal em acção, vem a coluna para recolher o javali, com a ressalva que não se esquecessem da parte que cabia aos caçadores, nem de um osso para o Sapador!
Aqui está como um cão, permitiu melhorar ligeiramente o rancho da companhia por um dia.


A “estória” seguinte, também com um fiel amigo por protagonista, deu-me algum trabalho, e um nocturno e valente susto, aos Pelotões instalados no Morro de Santo Antão, sobranceiro à Vila. As informações e os alertas da DGS, faziam prever o pior. E perante essas circunstâncias, os
Sapadores, eu em particular, porque fui sempre eu a assumir a acção, tive que armadilhar com Minas Anti-Pessoais, um perímetro a menos de uma centena de metros dos 2 Pelotões instalados no topo do Morro referido.
Operação efectuada com cuidados reforçados e sempre com um graduado colado a mim, para ver como ficavam as Armadilhas e o grupo restante disperso para fazer segurança, quanto mais não fosse a alguma peça de caça mais curiosa ou a impedir que algum cão dos pelotões próximos se aproximasse e esticasse os arames, o que seria o diabo! Não estaria decerto aqui a contar esta “estória”.


Minas instaladas, e prontas a ser activadas, embora um Ten. do SGE, me fosse sempre dando conselhos amigáveis, mas que nunca segui,« nosso Alferes, deixe as Minas com as seguranças montadas; nem imagina o trabalho que cai na Secretaria quando morre um Alferes».
Um bela noite 2 enormes estrondos que ecoam pelo vale, e pregaram um valente susto nos pelotões vizinhos das zonas armadilhadas. Acordo, corro para o posto de rádio, confirmam-me terem visto 2 clarões, eu recomendo muita atenção, e que ninguém se atreva a ir ao local.
Logo de manhã, o Com. chama-me para ir ver o que se passara e repor o dispositivo.
Entretanto chega a informação de um dos Pelotões. Um Cão, rafeiro pequeno, que pertencia ao Pel. de Canhões, e costumava montar guarda acompanhando a sentinela, surgira todo esfacelado e a ganir, com sinais de ter sido ele o autor da proeza.
Chego ao local e verifico que o autor teria sido mesmo esse cão. Pequeno,
como as minas estavam a cerca de 20 cm do solo, esticara um dos arames e activara a primeira, fora cuspido para os arames a seguir, estoirara a 2ª, e como a seguir o terreno tinha declive, ao ser cuspido, e como era rasteiro, os estilhaços passaram a rasar-lhe o pêlo.
Aquele Cão superara uma prova pouco menos que impossível! Sobrevivera aquilo que para um ou mais homens, seria uma morte mais que certa! E lá tive que repor com iguais cuidados o dispositivo! Mas a
“estória” deste Cão suicida, nunca mais me esqueceu!


A outra “estória” menos aventureira, mas que envolvem sentimentos e esperteza natural dos cães, encontrei-a descrita e ilustrada, num livro sobre uma Compª que também serviu no Norte de Angola, na Canga, no tal local muito perigoso, e que tinha o mesmo nome do bar, que a dupla Horácio – Kim Ramalho, tiveram na estrada nacional a caminho da Lardosa.

Fonte: ANGOLA – As Brumas do Mato, livro do Alf. Milº Capelão Leal Fernandes e com ilustrações do então Fur. Milº João Chichorro, hoje prestigiado artista plástico. Resumo da “estória” de um Cão chamado Mondego – um cão medalhado. É a “estória” de um cão, dos muitos que existiam nos Quarteis e que um Fur. Milº adoptou e ensinou nas horas vagas de tédio, e que era de uma capacidade de entendimento assombrosa. Aprendeu a dar a mãozinha, a fazer continência, ia nas oper. para o mato, dormia na tenda do amigo, quieto, calado, mas atento. Com
uns óculos que lhe adaptaram para não se ferir no capim, o Mondego, seria um espectáculo! E se por acaso não saía em operação com o amigo, quando este regressava ao Quartel, pulava de alegria, e o seu dono, retirava o cinturão com o cantil e as cartucheiras, pendurava-lho no dorso e dizia-lhe, leva para a caserna, e o Mondego altivo e garboso, cumpria essa missão. Quem se aproximasse, não se livrava de uma rosnadela. Quando o amigo estava de serviço e lhe competia passar ronda aos postos de vigilância, acompanhava-o e foi aprendendo as rotinas. Por vezes, o seu dono ordenava-lhe : Mondego, vai passar ronda. E obediente e compenetrado do seu papel, rosnava se encontrava alguém a dormir mesmo que a fingir. E só depois passava ao posto seguinte. E se houvesse escadas para subir, subia mesmo no cumprimento da sua missão. Está-se mesmo a ver que um cão assim seria a coqueluche dos Fur. Milºs.


Porém, é bem verdade que não há mal que sempre dure, a Canga não era local que se recomendasse aos amigos e a Comissão aproximava-se do fim. E o Mondego, por ali meio perdido, na alegria dos que partiam e nas caras novas que não conhecia, triste, junto a uma das Volvos que transportaria a Compª para Luanda. Um soldado, vendo o animal assim tão triste, diz-lhe Mondego, dá cá a mãozinha, faz agora a continência, e o animal obediente fazia. O motorista de uma das Volvos, vendo aquilo, aproxima-se e diz-lhe, dá cá a mãozinha e o animal embora não o conhecendo, repete aquilo que sabia.
Mas este cão é um espanto! Quem é o dono? Indicam-lho e propõe-se logo ali comprá-lo. Mas o Fur. Milº que se afeiçoara aquele cão, responde-lhe. Não posso vendê-lo. É um cão do Mato. Já cá estava, quando chegámos. Mas vejo, que consigo fica bem. Levamo-lo para Luanda e lá dou-lho. Já é tempo do Mondego acabar a sua comissão no Mato. E já em cima da Volvo, o Fur. Milº diz-lhe: Mondego salta para aqui. E embora a altura da carroçaria fosse superior à dos Unimogs para os quais saltava com facilidade, o Mondego de novo com outro ânimo, salta e aninha-se junto do amigo, a cujo saco fica de guarda. E como se tivesse renascido, aí vem o Mondego a caminho de Luanda.
E Leal Fernandes, evoca cerca de trinta anos depois, as palavras que aliam ironia, sensibilidade e saudade de Chichorro, que lhe diz: o Mondego era um cão medalhado! Bem merecia uma cruz de guerra!
E que conclui – era um cão mas sempre o considerei um bom amigo! Uma espécie de extraterrestre que nos ajudou a passar a vida no Mato e nos deu muita sorte!...

Estas “estórias” dos cães na guerra, não é tão inédita quanto isso. Ainda há poucos dias revi, o inesquecível “O Dia Mais Longo” que ilustra o desembarque das tropas aliadas na Normandia, e lá surge um oficial, creio que escocês, que segura à trela, sob intenso bombardeamento, um cão, este com pedigree, e duma raça cujo nome não conheço. E a grande preocupação do dono, que se mantém de pé, é a de que o animal já de si rasteiro e com focinho de poucos amigos, se baixe, para não ser atingido pelas balas nazis!...

A “estória” derradeira foi por mim testemunhada na Empresa onde trabalhei mais de 20 anos, no Rossio ao Sul do Tejo em Abrantes. Envolve também alguma carga sentimental. Neste caso, era um Cão, rafeiro sem quaisquer atributos no seu perfil genético, que dedicava o seu carinho a uma Pá Carregadora. A Pá Carregadora saía da Fábrica e ia à Estação da CP, descarregar vagões com sementes e carregar camiões, e o Cão não abandonava a dita. Ao fim do dia, a máquina regressava e o Cão regressava com ela.
Numa altura, a máquina esteve em reparação numa oficina no exterior, e enquanto por lá se manteve, durante o dia, o Cão não abandonava a oficina. Cumpria o seu horário ...
Vinha dormir à fábrica, mas logo de manhã, como função que lhe tivesse sido distribuída, aí ia ele a caminho da oficina, onde a sua amada máquina estava em reparação. E isto durou 2 meses! A máquina regressou e o Cão com ela.

E pronto. Quem por aqui navegue distraído, já não pode dizer que não encontrou “estórias” com Cães. Não da terra, mas contadas por alguém da terra deles!...

MC

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quarta-feira, 1 de junho de 2011

Na Procura do Dinheiro de JUDAS

Tentar reconstruir uma história acerca do dinheiro que tenha sido objecto de troca na célebre traição de Judas, deveria, como trabalho de investigação, obedecer e respeitar certas características sobre o seu conceito e objectividade.
Em primeiro lugar exigirá o respeito pelo seu argumento histórico, e obviamente, uma comparação sobre as suas fontes, como forma da salvaguardar o melhor possível, tanto a sua fiabilidade, como a credibilidade, de que precisamos para corroborar os factos.


Infelizmente, neste caso, essa análise comparativa não será de todo possível, visto a sua génese, ter como único elemento de documentação, alguns legados evangélicos dos Apóstolos S. Marcos, S. Lucas, S. João e S. Mateus. Tudo o que realmente possuímos e sabemos sobre a traição de Judas, é-nos relatado por esses escritos bíblicos, e por isso também a análise terá de ser cautelosa e consciente, sobre a forma como o sentido místico em interpretações ulteriores, poderá ter tido influência e criado limitações quanto à veracidade dos factos.
Por tudo isto, nesta minha análise interpretativa deste “caso” histórico, pela sua forma intuitiva, torna-se mais empírica que científica.


Terá sido no ano19 dC no reinado do imperador Tibério que Jesus Cristo foi crucificado.
Nesse tempo, a Judeia era então uma província romana, e como tal nela se aplicariam as principais decisões que vinham de Roma. Seria portanto natural que a moeda principal que circulava fosse romana, ou provincial romana, embora se tenha conhecimento de que a algumas outras moedas fosse permitida a sua circulação, como o exemplo das moedas da dinastia de Heródes.


Na generalidade da literatura, argumenta-se que Judas terá recebido pelo préstimo da sua traição, trinta moedas de prata. Neste ponto creio que todos os historiadores convergem.
No meu ponto de vista, e para passar aos factos, pela característica que conhecemos hoje das moedas que então terão circulado, excluo as moedas de ouro como o”áureo”, o ”quinário” em prata, assim como os “sestércios”, “dupôndios” e “asses”, geralmente cunhados em bronze.
Interessante salientar contudo, que no reinado de Tibério, só foram cunhados dois tipos de “denário”(denário do latim denarius) em prata. Não havendo conhecimento de que tenha sido cunhado nenhum outro tipo de moeda em prata, durante o período deste imperador

Tibério, Denário emitido no ano 14 d.C. em Lião (França) 3,78grs.

O primeiro denário, cunhado no ano 14 d.C. em Lião, apresenta no anverso o busto do imperador Tibério com a legenda “TI CAESAR DIVI AVG F AVGVSTVS”. No reverso apresenta Lívia, (sua mãe) ou a Pax, sentada, com um ramo de oliveira na mão esquerda, e um bastão na mão direita, com a legenda “PONTIF MAXIM”. ( Há divergências acerca da figura do reverso).
O segundo, terá sido cunhado no ano 16 d.C., e igualmente em Lião. Também este apresenta no anverso, o busto de Tibério, com a mesma legenda do primeiro. No reverso, apresenta o imperador conduzindo uma quadriga, com a legenda “TR POT XVII IMP VII”. O seu peso era variável, e valeria o equivalente a dez “asses”.
Temos então, que estas moedas circulariam em todo o império, aquando da morte de Jesus Cristo. E, poderíamos concluir, que qualquer destas moedas “denários”teria grandes probabilidades de ter servido de aliciamento no negócio que propuseram a Judas. Mas, porque não inclui-los também misturados com outras moedas, ou simplesmente um outro tipo de moeda em prata?


Alguns elementos substanciais transmitidos no legado dos quatro apóstolos servem para esclarecer algumas dúvidas sobre estas hipóteses.
Hoje, no nosso quotidiano, e na nossa cultura, utilizamos o termo “dinheiro”. Mas, na ligação que se lhe faz, quando se menciona este caso de Judas, a palavra “dinheiro”, terá evoluído, e colado na sua identificação popular, aparecendo o termo tanto na literatura, como no cinema, e em que usado desta forma, se estará a deformar uma realidade histórica.

Denário emitido no ano 16 d.C. em Lião - 3,94grs.

Nas sagradas escrituras, no que pesquisei, não vi mencionada a palavra “dinheiro”. Uma bíblia editada em 1859, que folheei numa biblioteca, foi-me bastante útil.
Dos quatro evangelistas que se referem a este caso, dois deles, S .Marcos e S. Lucas, afirmam que Judas vendeu Jesus, mas sem dar pormenores sobre o montante do negócio.
No evangelho de S. João, faz referência a trinta moedas de prata.
É contudo, S. Mateus que na sua narração, nos poderá esclarecer mais sobre este assunto.


Acusando o seu condiscípulo Judas, por este ter vendido o Mestre pela soma de trinta “siclos”de prata. Teria ele sido colector de impostos para falar desta maneira tão formal, no que se refere a “siclos”de prata?
Não encontrei nada, que me tenha dado indicação de que alguma vez se tenha usado a palavra “siclo” em referência ao assunto que tratamos.
O termo “siclo” é conhecido como uma medida antiga, que equivalia a 6 gramas de prata.
Mas na narrativa de S.Mateus, também poderia ser a moeda de prata utilizada por fenícios e hebreus, que em hebraico era designado por “shekel”.
É pois muito provável que Judas tenha traído, e sido pago com 30 (trinta) “shekels” de prata.
Julgo que naquela época, o único tipo de moeda de 1 (um) shekel em prata que circulou na região tenha sido o “shekel” dito de Jerusalém (como nas moedas de Tiro).


Era uma moeda que pesava mais ou menos 14 a 15 gramas, e circulou em grande quantidade, tendo sido feitas várias cunhagens deste tipo de moeda. Uma delas foi precisamente no ano 33 d.C. O ano da suposta morte de Jesus Cristo? Aqui também existem muitas divergências, embora as datas que aparecem com mais frequência sejam entre os anos 30 e 33 d.C.
O “shekel de Jerusalém” em baixo retratado, apresenta no anverso o rosto do antigo deus Melkart, também conhecido por Baal, virado à direita, e no reverso apresenta uma águia virada à esquerda.

Judeia, Shequel de prata 14,27grs. Cunhado em Jerusalém 12/11 a.C., (provavelmente terá servido de tributo a Judas).
A efígie de Melkart é totalmente diferente do shekel de Tiro.

Atendendo a que o preço de um escravo, naquela época, seria de 180 g de prata, poderemos calcular que Judas no negócio efectuado, teria vendido o Mestre por cerca de 4,250 Kg de prata.
Creio pois, ser o “shekel de Jerusalém” a mais provável moeda que procuramos identificar nesta história, pese embora o risco de decepcionar alguns coleccionadores que já possuam uma, ou as duas variantes do “denário” de Tibério, denominados por “dinheiro de Judas”.
Contudo, estes dois “denários” continuam a ser extremamente interessantes, quem sabe se não terão sido utilizados pelos soldados romanos que guardavam o sepulcro, enquanto jogavam aos dados sobre a túnica de Jesus Cristo, o que lhes confere sempre uma grande história.
O que lamentamos, é que ao longo dos tempos o conceito que nos parece mais plausível para esta história, por motivos menores, se tenha adulterado, e sobreposto ao texto original.
Dizer que Judas entregou Jesus Cristo por 30 dinheiros, sempre é mais cómodo que dizer, Judas entregou Jesus Cristo por 30 shekels.
Afirmar quais as moedas que pagaram a traição de Judas, é tarefa difícil, senão impossível.


Denários da época de Augusto? Dracmas, siclos, ou shekels?
Pouco provável é que tenha recebido denários de Tibério. Isto porque mesmo as cunhagens em grande quantidade, demoravam muito tempo a entrar em circulação, sobretudo nas províncias longínquas do império, como a Judeia onde circulavam muitos tipos de moeda.
Esta questão, levantou-se na Idade Média, e foi proposto ou entendido pelos dirigentes eclesiásticos da época, que a moeda representativa desse facto histórico deveria ser uma moeda que representava Cristo com uma coroa de espinhos. De facto existe um “dracma”de Rodes que representa o deus Hélios ( na mitologia associado ao Sol), com a cabeça adornada com raios, parecendo Jesus Cristo com a coroa de espinhos. Essas moedas, foram na época alvo de uma grande devoção.

Cária - Rodes, Dracma 175-170 a.c.

Manuel Félix Geada Sousa

Bibliografia

Le Douzième Apôtre; Fac- Reflexion n°22, Fevereiro 1993, PP 14-26
(Le cas de Judas et la doctrine de la reprobation)
Centre Numismatique du Palais-V. S. O. Paris 28-06-2002.
http://www.vcoins.com/ancient/calgarycoin/
http://www.anpb.net/index.php?c=14&pg=0&rpp=1
http://www.wildwinds.com/coins/sear5/s1763.html#RIC_0026
http://www.sacra-moneta.com/Monnaies-grecques-antiques/La-drachme-de-Rhodes.html