Páginas

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O SENHOR RAUL

Raul Duarte Prata

Quem ainda não ouviu falar ou não conheceu o Senhor Raul?
Quando os homens, de chapéu na cabeça, em grupos de quatro a oito, faziam o dominical circuito das tabernas, sentado na varanda que a foto abaixo documenta, estava o Sr. Raul.

Varanda da casa do Sr. Raul

Rádio ligado, volume de som elevado, que permitia aos passantes ouvir o relato de futebol, e o terço, foi ali anos mais tarde que surgiu a primeira televisão em Alcains.
O Sr. Raul, nasceu em Alcains, no dia 22 de Dezembro de 1899,e faleceu em 8 de Setembro de 1972.
Filho de Fortunato Duarte Prata e de Claudina Bemposta, casou e teve um filho de nome, Fausto da Silva Prata.

Pai e filho

Homem dotado de vários talentos, comunicativo, foi barbeiro, enfermeiro diplomado,
odontologista.
Com carro próprio, deve-se a ele o surgimento do primeiro táxi de Alcains, exercendo então também a profissão de taxista.
Representante de várias firmas comerciais, viajante, negociou em mercearias, miudezas e
electrodomésticos, ao mesmo tempo que exercia com maestria, a função de caracterizador de personagens, dos muitos teatros que se realizavam na época, em Alcains.
Em Agosto de 1992, no precocemente falecido jornal denominado, ROTEIRO de ALCAINS, o seu director, JOSÉ SANCHES ROQUE, fez ao Sr. Raul, o merecido destaque de imprensa que mão amiga me fez chegar, e que abaixo reproduzo.

Jornal Roteiro de Alcains
Exemplar nº7
Agosto de 1992

Homem dos sete ofícios, autodidata em pirotecnia, foi no entanto na actividade ligada à saúde que o Sr. Raul, ganhou fama e mais se notabilizou.
Quando a Casa do Povo ficava situada na rua do Ribeirinho, rua que vai do Clube da Praça até à rua dos Mortórios, e o médico da Casa do Povo entrava de licença, era o Enfermeiro Raul que assegurava a saúde quer em Consulta Aberta, Urgência ou Emergência.
Por vezes nem tudo corria bem…e, para tal, convido quem me lê, a visitar no TERRA DOS CÃES, um texto que escrevi relativo ao Ti Guilhermino Cuco, seu ao tempo, paciente.

Maria José
Empregada do Sr. Raul

Conta-me entretanto a sua empregada Maria José, solteira, que irá fazer 94 anos em 17 de Janeiro de 2011, natural de Martim Branco, Almaceda , e que veio para Alcains com a mãe quando tinha 11 anos, que certo dia, um filho do Ti Manuel Preto apareceu com o pai no consultório com uma infecção no dente, pedindo ao Sr. Raul para o arrancar... hoje, com anestesia, diz-se, extrair.
Apesar de pedir por tudo, o Sr. Raul não arrancou o dente…vai com o filho para Castelo Branco e lá arrancam o dente ao rapaz…nunca mais teve face ou cara de gente, acabaria por falecer.

Maria José
Ao lado o rádio do Sr. Raul

Ou que fosse pelas muitas amêndoas de farinha, ou pelos rebuçados de um tostão três, que então se comiam, o que é certo é que à mais pequena dor, ia tudo ao Sr. Raul para arrancar dentes.
Pedagogo, dizia... ouve lá, se te doer braço ou perna, também os vais arrancar?
A Maria José, que nunca foi à escola, é a memória ainda viva, das vidas do Sr. Raul... a pedido da irmã dele, a Srª. Fortunata, tinha ela então 20 anos, foi para empregada do Sr. Raul a quem ajudou durante cerca de 30 anos…
Acompanhou a morte do seu filho, que a foto abaixo documenta.

Fausto da Silva Prata

Refere a pobreza das pessoas, pagavam em géneros quer tratamentos quer consultas, mas nunca deixou de atender quem quer que fosse, em face da sua condição social.
Muitas pessoas, vindo do médico de Castelo Branco, passavam depois pelo Sr. Raul, de receita na mão, solicitando segunda opinião.
No quarto dos curativos arrancava os dentes, a ferro frio, sem anestesia, como se dizia…
Raramente havia queixas, e não conheço que me lembre, de alguém que em termos da sua vida profissional, dele dissesse mal.
Em meu entender, Alcains deve lembrar pelas ruas este ilustre Alcainense... pelo que fez, pelas inovações que com o seu esforço antecipou, pela tranquilidade que incutia nas gentes doentes, pelo serviço que com humanidade prestou à nossa Comunidade.
Obrigado Sr. Raul.

Manuel Peralta

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

SAMARRA - Maria do Patrocínio Samarra


Com a Ti Maria do Patrocínio foi ao contrário...
Tardiamente, quando necessitou de tirar o Bilhete de Identidade, deu o nome que até aí tinha sido sempre o seu, Maria do Patrocínio Nogueira, mas, no registo de nascimento, já havia sido gravado com garra, o apelido do avô paterno, ...SAMARRA!!!
Samarra porquê?
Seu avô paterno, trabalhador rural, andava sempre de samarra... nas costas quando caminhava, servindo de lençol quando se deitava, almofada quando se sentava, a samarra, era para ele, uma espécie de segunda pele.
Verão ou inverno, com chuva ou ao sol, com samarra às costas, competia com o caracol...

Seus pais
José Duarte Samarra (Pai)
Maria do Patrocínio Nogueira (Mãe)
Isabel Maria Samarra (Irmã), à esquerda na foto.

Esta relíquia de foto, tirada “à lá minuta” na festa de Santo António, merece ser observada com atenção, pois retrata uma família humilde, família tipo daquele tempo.
Ainda a samarra.
A samarra, é uma pele de ovelha ou cabra, curtida, com duas alças onde os pastores enfiam os braços de modo que, ficando suspensa, cubra as costas e não “tolha” movimentos.
Utilizada para poupar roupa, sentado sobre a samarra não rompe camisa, casaco ou calça, protege de frio chuva e sol, e em cama fazia de lençol...
A Ti Maria do Patrocínio, que em Alcains ninguém conhece por este nome, mas por Maria Samarra, por não haver cadeira não entrou na escola, e por no ano seguinte já haver passado a idade, põe agora o dedo, assim mo disse, para assinar sem medo.


Com mais quatro irmãos, António, Lourenço, Isabel e Conceição, lá foram crescendo e vivendo como Deus quis… a mãe fez as cinco bodas, mas nenhuma boda foi de bacalhau, conta-me com o “enlevo” próprio de elevada satisfação.
Em solteira andou nas terças, sachando milho ou feijão frade, na fábrica dos pirolitos mais tarde, nas matações no Seminário, em “estofêgo” de matação de porcos de 12 arrobas que vinham do Monte de são Luis, para padres e seminaristas em suplemento alimentar, antes de subirem ao altar...
Casada, há 21 anos viúva, quatro filhos dispersos pelos Açores, Suíça, Castelo Branco e Alcains.
Em lágrima de canto no olho, recorda emocionada a vida simples mas feliz que teve, enquanto o seu bom marido foi vivo... ele que foi pastor, e muitos anos encarregado da padaria do Sr. José André.


Conta-me, qual menina avó em cadeira de palha sentada, sorriso discreto, que a sua mãe quando nova, usava mantilha... uma capa que descaía pelos ombros e com capuz para cima... uma vaidade para quem tinha idade.
Disse-me, as mais “ajeitvédas”, mais jeitosas, querem andar mais bonitas... com fiado ou enraivado... à fina força... venha de onde vier... em de aparecer, para se ter, e, então, ser.


A Ti Maria Samarra, faz parte de uma geração de mulheres com valores, mas em extinção acelerada.
É a ÚNICA e ÚLTIMA viúva em Alcains que nunca deixou o lenço preto, ainda usou xaile, do qual mais tarde fez vestido, mas pouco usou.
De arma no bolso, o seu terço, todos os Domingos desce a barreira da Pedreira, para a missa, suplicando por todos os que partiram.


Perdeu uma parte de si, um filho.
Viúva, por ao marido continuar a guardar respeito, usa apenas uma cor, preto.

Manuel Peralta

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

HORTALIÇA - As Cenouras do Geada

Nas traseiras do quintal,
Em França atrás da porta.
Tem o Manel Geada,
Pedaço de terra para horta.

Quatro videiras poda,
De serrote ou de tesoura.
Mas vejam o exemplar,
Que recolheu de cenoura…


Mais que palmo, ramalhuda,
Mas que garboso exemplar.
Com uma cenoura, assim,
Não falta sopa no lar.

Poda também uma pereira,
Que peras dá, por vezes.
Aquele quintal, dá tudo,
Até alhos, mas franceses.


Penduradas pela rama,
Belo ramo em cada mão.
As cenouras do Geada,
Geram grande tentação.

Quem não conhece o Geada,
Coitado, não teve sorte.
Aprendeu tarde, mas a tempo.
De apreciar a “carrotte”.

Manuel Peralta

Nota: Estas seis quadras, que dedico ao amigo Manuel Geada, pesquisador e fornecedor de muito material para o Blog-Terra dos Cães, que muito tem ajudado a edificar memórias de tempos idos em Alcains, resultaram do texto abaixo que em tempos me enviou, acompanhado das fotos das cenouras.
Tenho presente que a vida sem hortaliça… não faz sentido, e, por tal facto não resisti nesta tarde e noite chuvosa, regando-as com aperaltado texto de agricultor de letras.

Obrigado Manuel Geada

Caro amigo.

No teu perfil no blogue dizes que te interessas pela poda.

Eu só tenho quatro videiras e uma pereira para podar, mas alhos franceses e cenouras tenho muito.

Estas não são do Entroncamento: são da minha horta na traseira da minha casa francesa.

Manuel Geada

domingo, 5 de dezembro de 2010

"MILIONÁRIO", Adriano Castilho Rafael

Conta-me ele que os padrinhos do nome Milionário, foram os seus amigos de então, o José Preto que teve a Drogaria Alcainense e o Rui Espanhol, esse habilidoso extremo do GDA, Grupo Desportivo Alcainense.
Aquele gajo é um Milionário, diziam...
Pedreiros, ambos, viviam sempre nas encolhas enquanto o Adriano, pagava todo o ano, petiscos, táxi para as festas, cinemas... eles, de botas, com o Adriano de sapatos, a pagar com notas.

Adriano Castilho Rafael

O Adriano fez a 4ª classe com o Professor Paulo, e, o destino dele, seria igual ao da malta do seu tempo, mas, atinado que era, aos poucos foi fintando o seu destino.
Aplica-se aqui o provérbio popular… ao menino e ao borracho, põe-lhe Deus a mão por baixo...

Primeira finta.
Aguadeiro de pedreiros, mata-os à sede, demorava-se, partia bilha em ralho de gente que queria água fria, mas tinha de a beber quente...
Na Santa Apolónea come a merenda, falta ao trabalho e o Ti António Valadeiro, pai do Carlos Catcheirinha entrega-o à família, para tratamento... malha de mãe.

Segunda finta.
Parte com o pai, João Rafael, vulgo João Seguérro, (Cigarro), para outras pedras, desta vez, brita.
Ao borracho, pôs aqui Deus a mão por baixo, providencial apendicite, aguda, qual taluda em baixa legal por doença, atestada pelo pai, fez toda a diferença.
De regresso às Casas Novas, vizinhança em abraço, festa faz ao borracho...

Terceira finta.
No Parteiro para carpinteiro, 5$00/dia, nem sarrafo nem folia, ganhar pouco e controlado todo o dia…
Vestia então o que havia, não apanhava sol e o que ganhava mal dava para um copo de tintol.
Na rua, todo o ano, poucos ligavam ao Adriano.

Remate para golo.
O amigo Amadeu, carpinteiro, que morava no Rossio, brilhante jogador do GDA, recentemente falecido em França, convida-o então com 16 anos, a trabalhar com ele em Lisboa a ganhar 45$00/dia.
Rapaz de léria sem entregar féria, ficava então com todo o dinheiro, algum em mealheiro, outro para trajar bem.
Casaco sport, calça vincada, sapato de tacão, sobretudo, só usava o que fosse bom, na Páscoa no Natal ou pelo Entrudo.

Seus pais

João Rafael, Cigarro, por fumar muito, passou parte da vida agarrado a martelão de 12Kg, nos rachões, a marrear pedra, nas britas.
Celeste da Ressurreição Castilho, doméstica, assistiam entre o embevecido e o espantado, à mudança do filho que de Adriano, passa a Dr. Albano, pois assim era tratado na vizinhança sem abastança.
Tropa, Lanceiros 2, Polícia Militar, Cabo nº 209, tinha sempre o registo de ocorrência limpo, não punia militares, e perante tal greve de zelo, o Alferes de nome, Faísca, convida o Adriano para gerir o bar da messe de oficiais.

Adriano com o amigo e colega Agostinho

Ainda mais dinheiro, Papilon, fatos por medida no Jorge Alves Pereira Mateus, vulgo Jorge Palhaço, já falecido, compras para a messe, idas a discotecas e bares, livro de assentos em bar de messe oficializado, pagos em fim de mês, empréstimos a oficiais, captura de poder, não usava carteira, tirava notas dos bolsos perante o espanto quer de pedreiros quer de canteiros, e até nos bailes da Associação, alto que era, só dançava com sapato de tacão.
Pondo de parte o lirismo, a sua tropa foi estância de turismo...

Adriano Castilho Rafael

Estas andanças tiveram na sociedade de Alcains, por volta de 1966, quando o Adriano regressa da tropa, forte impacto nos costumes cerceados de então.
Fugindo da vida mundana de Lisboa, não queria voltar para as pedras, tinha apanhado alergia ao pó da madeira do Parteiro, e porque não estava habituado a viver de sobras, não queria ir para as obras.
Abre então a Tasca da Ti Maria Clara Borda Dágua, no Largo de Santo António, melhora com obras a casa e inova, comprando a primeira máquina de discos, música, para a malta nova.
Abria assim em Alcains, a primeira tasca/acafézada, ou por outro lado, o primeiro café/atascado.
Por outro lado e ao mesmo tempo, na Rua do Regato da Sola, a malta nova de então, entre os quais o Félix Rafael, o Cócas, o João Preto, o Joaquim Ramalho, o José Luís Amaro, o Manuel Pereira entre outros, tinha fundado a SANZALA.
À Sanzala, novidade das novidades, já iam as raparigas em companhia dos rapazes, havia bailes, bebiam-se uns pirolitos, umas gasosas e as “deslavadas” laranjadas Prata Cão, acondicionadas em grades de madeira.
Que me lembre, só entrei uma vez na Sanzala, pertencia então a outro grupo de malta…voltarei um dia ao tema...
Com dinheiro emprestado por amigos e familiares, compra o Adriano por 90 contos, quatrocentos e cinquenta euros, ao Amável Barata Castilho o barracão onde instalaria então o Café O RETIRO.
É o primeiro café digno desse nome em Alcains.
Café por baixo e salão de jogos no primeiro andar, com ping-pong, snooker, cartas... o café tinha as prateleiras de vidro, espelhos por detrás para os clientes se verem, bancos redondos no balcão, estrado para descanso dos pés, quadros nas paredes, mesas com cadeiras na sala, casa de banho, mas sobretudo um barmen que sabia atender clientes, afável, conversador, discreto e sempre de pano a limpar o luzidio balcão...
Emancipadas, começaram a vir pela primeira vez ao café O RETIRO, as raparigas que frequentavam a Sanzala, na sua maioria estudantes, e uma ou outra de mestra da Dona Palmira ou do Sr. José Marques Rafael.
E pouco a pouco, com ditos e mexericos, a coisa foi entrando... nos costumes, claro.
Conta o Adriano que chegava a vender 12 a 15 kg de rebuçados no fim de semana, era o “haxe” daquele tempo.
Relembra o incómodo causado em alguns clientes masculinos, rapazes do mesmo tempo, que não concordando com as raparigas no café, fizeram um enterro ao café, protagonizado pelo meu primo João Peralta e pelo Jorge Leituras.
O Adriano tem hoje 67 anos.
Não por ser e ter sido Milionário, mas principalmente porque ajudou precocemente Alcains a dar um passo, pequeno se avaliado com os olhos de hoje, mas muito grande pela evolução que com o seu esforço proporcionou na sociedade Alcainense.
Alterar usos e costumes em sociedades tradicionais não é fácil.
O Adriano Castilho Rafael, conseguiu e por tal facto, eu, estou grato.

Manuel Peralta

sábado, 4 de dezembro de 2010

VESPAS PREDADORAS

Ansioso, meio “assovacado” procurou-me o José Domingos Esteves, vulgo Zé Requeita, comerciante de móveis da cadeia AQUINOS, para o ajudar a solucionar o caso de um vespeiro que tinha em propriedade para os lados de Vale de Prazeres, Alpedrinha.

Propriedade de José Esteves

Com ele, fui ver...
Sem fato de apicultor e com o à vontade próprio de quem subestima a ansiedade dos outros, lá fomos pela Lardosa, Zebras, Orca em fim de tarde, observar tal acontecimento.
De pasmar...

Vespeiro

Nunca tal tinha visto…

Vespeiro com vespas

Vespões com 3 a 4 centímetros de comprimento, de elevado porte alar, em colónia gigante com cerca de 700 a 1000 indivíduos, pendurada em aduela de portão de ferro no interior de arrecadação/garagem.

Vespões

Pareciam porta aviões a aterrar e a levantar do lindo vespeiro, tal era o silvo das asas mesmo a cerca de dois a três metros de altura.

Vespeiro com vespas

Não subi, observei de baixo e compreendi então a ânsia do Zé.
Com razão.
Na semana seguinte, já então munido de calça forte, com bom cantcho, luvas, máscara de apicultor e de bomba insecticida lá fomos resolver de vez a questão.

Vespeiro

Pelo fim da tarde, já escuro, quando o pasto das vespas termina, foi possível em cima de escada dizimar com receio as vespas e vespões, que caíam inanimadas em rodopios assustadores... o Zé que o diga!
Com as mãos, retirei o vespeiro muito lindo, de cores que só o belo assustador cria, mais leve que neve, prenhe de alvéolos com larvas em eclosão.

Ver dimensão dos hexágonos, alvéolos de criação.

Apurei mais tarde que se tratava de Vespas de CRARNOT, espécie proveniente da Ásia, e que estão a dizimar as colmeias de mel.
Chegam a matar 150 a 200 abelhas de mel, por dia.
Três picadas matam um adulto, sete picadas matam um cavalo.

Vespeiro de Crarnot

Anualmente, fabricam uma nova rainha que põe os ovos e assegura a renovação da espécie.
Enquanto as abelhas de mel ferram com ferrão injectando veneno que passa pouco depois, estas vespas, ao ferrar, o veneno espalha-se pelo corpo e o inchaço se não tratado a tempo, pode conduzir à morte.

Vespas predadoras

Sugiro que, se virem vespeiro idêntico, mantenham a distância para não terem problemas.
Não se deixem iludir pela beleza do vespeiro, tentador.
Piores que bestas, são estas vespas, tentadoras, mas predadoras.
Assim aprendi com Zé Requeita, sem apanhar maleita.

Manuel Peralta

BLOG ABERTO - Gentes de 1949

O José Eurico Minhós Castilho, vulgo MC de Minhós Castilho e não MC de Mário Castrim, decidiu em acto de memória apurada, presentear-nos com um texto por ele vivido, baseado em factos que em tempos idos ocorreram.
Espectáculo organizado pela malta do reviralho de então, denominado grupo de anti-escuteiros, que praticavam uma solidariedade de actos e não de palavras...
Foram os anti-escuteiros, que organizaram um teatro cuja receita reverteu para se adquirir a primeira tenda, os primeiros tachos e toda uma séria de artefactos necessários aos escuteiros, que então, de farda e cantando a Flor da Fragância desfilavam pela aldeia, acampavam, faziam o Farrapeiro, cantavam as Janeiras, reabilitaram o volei-ball, faziam teatros, e só não ajudavam as velhinhas a atravessar as passadeiras porque, então não as havia... era a BA (Boa Acção) do dia...
Tinham os anti-escuteiros é claro, as suas prebendas.
Frequentavam os Fogos de Conselho, iam aos bailes das escuteiras, tinham acesso gratuito aos Cursos de Noivos e Dominiques, uma espécie avançada de Novas Oportunidades Religiosas, e a maior parte deles aplicaram-se com tal afinco que os contratos que foram estabelecendo, a custo foram cumprindo, e, agora que já não vale a pena, prometem continuar a cumprir.
Excepção por mim ainda não entendida, a do anti-escuteiro Ezequiel, que tendo passado com distinção no Curso de Noivos e aclamação nos Dominiques, decidiu por uma vida quase monástica, ele que teve um dos melhores aproveitamentos de sempre, nas então Novas Oportunidades Religiosas... não tinha “perpecção” para o casamento, como diz a minha mãe.
Voltando à memória do Zé Castilho.
O conjunto em palco eram, Os Sultões, e o Sílvio Lopes Baltazar foi vocalista dos Dragões Negros conjunto que antecedeu os Sultões…terá cantado a solo acompanhado pelos Sultões ou o Tombe la Neige do Adamô, ou a Silvie do Duo Ouro Negro.
A fadista que a foto documenta é a Natalinda, vulgo “Capadinha” que morava na altura na Rua do Regato da Sola e usava na altura uma franja à Mireille Mathiêu, como a foto documenta.
Presumo que ela não imaginará que o Zé Castilho lhe deu agora vida “no terra deles“...

MC apresenta a fadista Natalinda acompanhada por João Messias e Félix Rafael

Alcains tem belas ruas,
Avenidas mais de mil.
Mas a mais bela de todas,
É a rua do funil.

Trata-se de quadra de minha autoria, que passou dos Fogos de Conselho do Escutismo para as variedades dos teatros, cantada com outras quadras soltas em compasso de desgarrada... tratou-se de uma sátira a iniciativa da Junta da Freguesia de então, quando da destruição da sede antiga da Junta que ficava do lado direito quando se sobe a rua do Espírito Santo e se pretendeu abrir a rua que dá hoje acesso à rua do Vale do Bravo, hoje rua do Álamo.
Sem pretender competir com a memória do Zé Castilho, esclareço que pisou o palco como a foto abaixo documenta, quando a Volta a Portugal em Bicicleta teve uma final em Alcains.

1969
Final de etapa da Volta a Portugal em Alcains
Palco improvisado na Casa do Povo.

Minhós Castilho entrega prémios.

O nome da comédia referida é Brincadeiras de Carnaval.
Tenho algum material sobre este tema, que oportunamente darei a conhecer.
Obrigado e continua, MC.

Manuel Peralta

1949 - Ano de colheita vintage...

Quando pisei o mesmo palco que o Zé Amoroso Pedro... Vilar
O apontamento relativamente à colheita de 49, pelos vistos, de qualidade vintage, aqui há tempos publicado, fez-me recordar que tenho por aqui umas fotos que devem corresponder a umas Variedades, numa espectáculo a reverter para o Escutismo, na Casa do Povo, para aí em fins de Setembro de 1969.
As variedades, decorreram em estilo Zip Zip, que estava então na berra, e poderá ter sido uma das primeiras actuações ao vivo, daquele alcainense, que fez da vida artística, e com assinalável êxito, a sua vida. Aliás repartida entre Portugal e o Brasil, como a NET documenta.
Reportando-me no entanto ao espectáculo que teve lugar na Casa do Povo, com o pano aberto, e com o apoio dos Sultões, que davam também alguns dos seus primeiros passos, conduzi no formato referido, uma entrevista com o Tó Preto – que foi explicar o que era o Concurso o Homem Ideal Português – baseado num texto do Diário de Lisboa.

MC apresenta Tó Preto, que vai falar sobre o concurso, ”O Homem Ideal Português”.

Apresentei uma fadista, creio que de nome Natalina, conforme se vê na foto, e sempre com acompanhamento do João Messias e do Félix
Rafael, terei apresentado o Zé Amoroso.
Num espectáculo que se pretendia com ritmo, o Zé Amoroso, com o microfone na mão, naqueles tempos era um perigo; falava… falava, e quando lhe parecia, cantava…
Recordo-me de eu e o “homem do leme”, termos insistido com ele, nada de conversas para não atrasar isto, os espectáculos cénicos em Alcains, era sempre maratonas que iam até às tantas da madrugada, mas nada a fazer, ele era assim.

Zé Amoroso o Alcainense franzino na capa de um disco de 1980

Tocaram os Sultões, com os violas, Manuel Pereira, o Zé Manuel, o Horácio Serrasqueiro, o João Preto à bateria e o Sílvio Baltazar, o vocalista.
Houve um número de Jograis, em que entrou a esposa do “homem do leme”, que terá abordado algumas características de Alcains, (...) Alcains tem belas ruas, avenidas mais de mil, mas a mais bela de todas, é a Rua do Funil,(...); sei que ainda há quem se lembre…
O Messias, que não era da geração vintage 49, e o Félix Rafael, terão tocado “Os Vampiros”, só instrumental, porque cantar seria perigoso e o “homem do leme” creio que cantou, um poema da Mª Zé Beirão, que o seu irmão Félix musicara.
Isto tudo, no meio de um drama, que já dera para algumas lágrimas, dava sempre, “Matei o Meu Filho” a que se seguiria um momento de boa disposição com uma comédia.
Não recordo o nome, mas sei que o “homem do leme” surgia em palco, a dado momento, carregado de teias de aranha!...
Eram assim os espectáculos em finais de 69, com alguma abertura para a crítica, “era a primavera marcelista”, mas em que alguns temas, só com “pinças”!...
E em Alcains, nunca mais subi a um palco, excepto quando numas comemorações da elevação a Vila, na qualidade de antigo autarca, em finais da década de 80, me convidaram para entregar um prémio simbólico, a um alcainense que sempre se empenhou pelo progresso desportivo e cultural de Alcains, Vítor Serrasqueiro.
Aqui está como uma colheita de qualidade vintage, a mioria dos intervenientes naquele espectáculo seria desse ano, embora sem a acreditação de um auditor certificado, falha da organização, acaba por despoletar um rol de recordações, a alguém de 47.
Acerca da carreira de Pedro Vilar, que nunca vi actuar ao vivo e que só conheço via youtube, outros falarão com a propriedade e a justiça que o talento e a carreira do visado justificam.
MC

sábado, 27 de novembro de 2010

“Carquita”, Maria da Luz Sanches.

Na terra deles que é a nossa, há Rainhos, Reis e Rainhas, Ritos e Ritas, não há Carquitos, só Carquitas.
Mas Carquita, porquê?


A Maria da Luz Sanches, que em Alcains ninguém a conhece por este nome, mas apenas por Lurdes Carquita, conta que o seu avô materno de nome Joaquim Beirão, nasceu como fica a nossa alminha depois de a gente se confessar… ”branquinha comá neve”… completamente careca, sem pelo nem cabelo.
Emocionados com tamanha alvura, seus pais, atagantavam-se, e fazendo festas na cabecinha do menino, não conseguiam dizer… ai meu lindo carequinha… deixavam cair todos os “és”, e diziam… ai que lindo carquinha… ai que lindo carquitinha, claro, isto ouvido em rua esconsa, de Ronsa, foi um ar que se deu… Maria do Patrocínio Reis, Maria da Luz Sanches, Isabel do Nascimento Sanches e Maria José do Nascimento Reis Dias, quer trajem de avental, saia ou vestido às riscas, são Carquitas.

Seus pais

Manuel dos Reis Sanches, Arraiano
Maria do Patrocínio Reis, Carquita

…e já agora, Arraiano porquê?

Na rua do Regato da Sola, havia um forno comunitário que eu ainda bem conheci.
Seu avô, João dos Reis, transportava lenha para o forno, e, por cada fornada de pão cozida, tinha direito pelo serviço a uma “pôia”, pão ligeiramente maior escolhido dos pães da fornada, que a forneira entregava e controlava.
Carregava tudo, em carro de junta de bois ou vacas, codeços, estevas e até cascas...
Avariado um motor do veículo, o João dos Reis parte para a raia na procura do seu ganha pão, a qualquer título.
Trás então uma motora, vaca trabalhadora que, por ter sido comprada na raia, baptizou de RAIANA.
A raiana no Outeiro deu brado, tinha almofada debaixo da canga, obedecia ao amo, que perdeu os Reis e ficou Raiano.


Dá que pensar tanto Arraiano e tanta Carquita…
Arraianos, o Jaime, ferroviário, o Helder que faleceu na guerra colonial em Angola, o Firmino que foi taxista e a Rosa e o Manuel que me lembre.
Carquitas, a mãe Patrocínia e as três filhas de nome Maria da Luz, Isabel e Maria José.
Tempos idos sem fartura e raro conduto, para quem viveu na rua do Reduto…
A mãe, Maria do Patrocínio, que ninguém conhecia por tal nome mas apenas por Maria Carquita, era sardinheira e não peixeira… assim mo disse a sua filha.
Aliás, naquele tempo, em Alcains não havia peixeiras, hoje já há… o meio quarteirão de sardinha ou carapau, e os dois chicharros eram as espécies vendidas pelas sardinheiras, já que o pargo, o robalo e a tainha como tinham espinha fina, todos tinham receio de se engasgar ao mastigar… e o melhor era não comprar.


Por aquelas vielas do Outeiro e Degredo, ouviram o chamamento do Senhor, quatro moças arteiras que foram para freiras.
A Maria de Jesus Saraiva, a Paixão Farias, a Isabel Sanches e a Clara Carola.
Com excepção da Clara Carola, já falecida, que adoeceu com apêndice e por tal facto não chegou a tomar hábito quedando-se em “apostulante”, todas continuam a exercer a sua fé, semeando amor, ajudando os outros do Minho a Timor.
Relembro que nos bailes da rua, sendo eu um “pinto calçudo” que começava então a esgravatar, as candidatas a freira ficavam sempre no patinho e só ali davam ao pezinho…

Por volta de 1947, a firma Luis Domingos & Irmão de Castelo Branco, ganham uma empreitada nos Açores, na ilha do Pico.
Tratava-se de fazer a estrada que rodeia a ilha do Pico e com o seu pai, Manuel Arraiano parte a família a bordo do paquete Carvalho Araújo, com muitos outros Alcainenses nomeadamente o José Bernardo, o Manuel Patrício e o filho, o Manuel Traitas e o pai, o Simão David, o Ti Joaquim Galarô todos como encarregados para as várias frentes de trabalho, sendo o encarregado geral o Ti José António Moroço que morava na Pedreira.
Foram portanto estes Alcainenses que orientaram a construção da primeira estrada digna desse nome, a circunvalação à ilha do Pico.
Por ali criaram amizades e contactaram com outros costumes, por exemplo.
Nas matações, depois de matarem o porco, penduram-no pela cabeça, não usam “tchambaril”, abrem-no em dois e convidam uns amigos para irem ver o “marrantcho” e outros, os mais íntimos para o “estofego”.
Os que vão só a ver, observam o dito, bebem licor comem bolos e saem dizendo em Picoês… ”miúta saiúde pró cmer”.


Por ali, em pleno mar aprenderam, que não faziam salga da carne porque o sal derrete, não faziam enchidos, não secavam maçaroca e até a marmelada… vejam lá… tomava bolor…
Faziam no entanto morcelas e torresmos…derretiam as gorduras, fritavam as febras e assim conservavam as carnes em tacôilas (asados de barro).
Prato típico para visitas inesperadas, aquecer torresmos, acompanhados de batata doce e está o almoço pronto.
Com muitos outros, Arraianos e Carquitas foram mais longe… vómitos de oito dias a bordo do Carvalho Araújo, em 1947 abriram o caminho não sei se emigrando ou imigrando na procura de melhor vida, perseguindo o parco trabalho que então havia…


Saga que, a salto, na década de sessenta outros houveram de continuar…

Parte de noite e não olha,
Os campos que vai deixar.
Todo por dentro a abanar,
Como a terra em Agádir.
Folha a folha, se desfolha,
Seu coração, ao partir.

Manuel Peralta

sábado, 20 de novembro de 2010

Jaculatórias... Orações

Pelo punho de minha mãe, tenho em caderno de uma linha, escrito desde há algum tempo, uma oração, uma jaculatória, que ela aprendeu de “cor” em criança, com a sua e minha Tia Ana Minhós, afamada doceira e cozinheira, que toda a vida morou na Rua dos Mortórios.
Denominada oralmente pela minha mãe de “Passo Téculo”, só agora decidi dar-lhe vida depois de, em conversa de passo corrido com o Sílvio Lopes Barata na ginástica, me ter esclarecido sobre a minha dúvida e em email esclarecer o seguinte:


Manel
Parece-me que é PAX TECUM."

"Pax" vem do Latim (pax, pacis): "pax" no nominativo e "pacis" no genitivo. (é assim que se descrevem as palavras em latim, ou seja, indica-se o respectivo nominativo e genitivo).
Na frase "A paz esteja contigo", a palavra paz desempenha a função de sujeito da frase, logo, em latim, "pax" deve estar no nominativo.
"Pace" é dativo e ablativo. O acusativo é "pacem". Na frase "DOMINUS, DONNA NOBIS PACEM", - "Senhor, dai-nos a paz", - a palavra "pacem" desempenha a função de complemento directo, logo, usa-se o acusativo. Isto, em regra, porque na líga de Cícero são mais as excepções que a regra.
Ainda cá tenho uma velha gramática de LATIM, que nem sei onde pára, mas, se for preciso, ainda a vou procurar....”
Sílvio Lopes Barata


PAX TECUM

Meu Deus glorioso,
Do céu e da terra foste nascido,
Entre toda a idolatria.
Peço-vos, Senhor,
Que o meu corpo não seja ferido nem morto,
Nem nas mãos da justiça envolto.
PAX TECUM, PAX TECUM, PAX TECUM…
Cristo, assim o disse aos seus discípulos,
Se os meus inimigos vierem para me prender…
Terão olhos mas não me verão,
Terão ouvidos mas não me ouvirão,
Terão boca mas não me falarão.
Com as armas de S. Jorge,
Serei armada.
Com a espada de Abraão,
Serei coberta.
Com o leite da Virgem Maria,
Serei borrifada.
Com o sangue de Jesus Cristo,
Serei baptizada.
Na arca de Noé ,
Serei arrecadada.
Com as chaves de S. Pedro,
Serei fechada…
Onde não me possam ver,
Nem ferir , nem matar.
Nem sangue do meu corpo, tirar.
Também vos peço mais, Senhor,
Por estes três cálices bentos,
Por estes três padres vestidos,
Por estas três hóstias consagradas,
Que consagras-te ao terceiro dia.
Que me dês a doce companhia,
Que deste ao Filho da Virgem Maria,
Desde as portas de Belém,
Até à casa de Jerusalém.
Deus é meu Pai,
Virgem Santa Maria, a minha Mãe.
Com as armas de S. Jorge, serei armada,
Com a espada de S. Tiago serei guardada,
Por todos os séculos, dos séculos, sem fim,
Amén.

Recolha oral e escrita, de Maria de Lurdes da Paixão.


Nota: Tenho outras preciosidades do mesmo tipo em carteira, que a seu tempo serão dadas à estampa.
Estas orações, passavam oralmente de geração em geração, e eram ditas e rezadas nas longas noites de inverno, em serões de família ou com vizinhos, enquanto se comiam umas passas e se bebia um “chá depois”, isto é de poejos.
Concursos entre primos e amigos, a ver quem decorava mais depressa e a oração dizia, era o pão nosso de cada noite e cada dia…

Manuel Peralta

sábado, 13 de novembro de 2010

Blog Aberto - ... e, FUI MESMO AOS FIGOS!

Figueira lampa ou lampara da horta

O meu amigo, de nome, Anónimo José Vasques, de Aldeia Nova de S Bento, Beja, serviu-nos em velho prato de “resmalte”, quarteirão e meio mais um, pelas almas, de saborosos figos, de quinto banzo de escada colhidos, todos de 1ª camada, generosamente colhidos por macia mão e a preço de tostão.
Rei Preto, sentado em trono que era um banco, se não vendia em verde, comia lampo…
Por cá, na terra deles, são temporões, lampos, ou de S. João visto que por vezes dão, ano sim, ano não.
Quando a primeira camada está dada, vai-se a figueira brava, nesta altura já bem aleitada, colhem-se bravos figos que se enfiam em coleira, que enfeita Lampa Figueira.

Coleira de figos bravos

Tolinha, então prendada e bem encoleirada, fica pronta a ser re-fecundada.
Dos bravos figos aleitados, em coleira apertados, sai insecto, que em corridinho algarvio de baile mandado, rodopia, tangueia, valseia exausta figueira que então prolifera como coelha em coelheira.
Eis a segunda camada, de lampinhos, rosadinhos, canininhos, docinhos.

Outra figueira lampa de quintal

Continuando,e na poesia do meu amigo Anónimo, registo.
... Passávamos figo em esteiras de junco ou junça...

Contrabando?

Traiçoeira língua, passar figo era transformar figo em passa, em passas, em passeira de junco colhido em margem de ribeiro, ou junça de flor castanha grisalha, que atava mólho, parreira, e, forte que era, segurava talha.
Figos de rabisco, como quem vai arrastar seara rabiscando “lintecão”, vagem preta em espiga doirada, marcada, por trigo rijo desflorada...

Abebreira Parda

... ”mais, la créme de la créme”, é a descrição da arrecadação dos figos… choupana de junco, secção triangular, duas águas, quentes e frias, projectada por arquitecto em perspectiva cavaleira, se não bimetrica porquê isométrica?
Engenheiros!!!
Por cá, na terra deles, tudo isso quer dizer, tchosso, precário alojamento de pastor.

Figueira Pchichota

Por fim PCHICHOTES, em Aldeia Nova de S. Bento, são vermelhos por fora e por dentro… por cá, na terra deles, são verdes por fora e vermelhos por dentro, melancias, ... claro, estou a falar de figos.
Apesar de estar incluída em comentário, não resisto a abrir o blog, para inserir excelente página de vida de gente com muita vida interior…

Abebreira Branca, nua, sem folhas

Abraço e obrigado ao Martinho Marques e ao Zé Vasques.
Continuem...

Manuel Peralta

Abebreira preta

Tenho receio que me esteja a exceder para quem visita este espaço, mas ficaria inquieto se deixasse passar estes momentos ("Mandou-me aos Figos" e "Filho de Sapateiro, se não Doutor..."), em que intervim, para deixar uma alusão aos que foram arrancados dos sítios onde viveram as suas infâncias, por pais tantas vezes heróis, pelos sacrifícios que tal representava à época, na procura denodada de melhores dias para os filhos. A opção foi nobre, mas o nosso sofrimento, o dos filhos, foi grande, ainda que por uma boa causa.

Abebreira Branca

Martinho Marques, na minha opinião o maior poeta alentejano vivo, amigo e da nossa idade, tem um poema que exprime bem essa saga, de que me atrevo a transcrever parte:

"CANÇÃO DA INFÂNCIA

À beira-Terges-e-Cobres
entre Alcaria e o Mendro
num casebre dos mais pobres
entre trigo e aloendro
dei eu os primeiros passos
no cerne de uma charneca
por tojos estevas sargaços
entre o dilúvio e a seca

Aos dois anos era o vento
o meu cântico e baloiço
que hoje ainda canto e oiço
no meu sangue em movimento

Aos cinco o que se oferecia
era o mundo em holocausto
um perfume de alegria
num frasquinho de mentrasto

Aos seis anos tinha cão
tinha fisga e tinha anzol
brincava de sol a sol
entre o Sol e a solidão
cavalgava marmeleiros
fisgava rãs e verdelhas
caçava ouriços-cacheiros
caracóis e peneireiros
e na seiva dos ribeiros
tinha barbos e pardelhas
Tinha grilos consagrados
ao meu silêncio ladino
com asas de violino
que orquestravam descampados
tinha túberas marmelos
amoras de silva figos
mel de abelha cogumelos
magustos e outros amigos
que do sol de abrir braseiros
com raios que são tições
e do trigo eram trigueiros
e eu tinha-os por companheiros
quando armava aos trigueirões

Aos sete fiquei a saque
separaram-me do campo
aos sete tive sarampo
e por muito que me pese
é justo que aqui destaque
que aos oito tive um ataque de catequese
...".

Figueira Coriga

Conheço quem ainda hoje tenha dificuldade em se recolher sem que antes, ao fim do dia, tenha reservado alguns minutos para olhar os campos da sua memória...

O Anónimo José Vasques