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quinta-feira, 22 de julho de 2010

"PIONTO"... João dos Reis.

Canteiro

O ti João dos Reis apesar de ser "dos reis", nunca conheceu a côrte, muito menos o palácio real pois aos nove anos com a 2ª classe, na Capinha, aldeia do concelho do Fundão, cortava calçada, cubos e paralelos... isto em 1944.
Na terra deles quase ninguém conhecerá o João dos Reis, mas, toda a gente conhecerá o João Pionto.

Pionto... Porquê?

Porquê o seu avô materno, quando na escola primária respondia diáriamente à chamada da classe pelo professor, não conseguia dizer "pronto" e respondia "pionto".
Esta troca de i por r, em terra de pedreiros livres e muita costura, teve como consequência um baptismo familiar que dura até hoje.
Passou do avô para a mãe do ti João, para mais cinco irmãos deste e presumo que os filhos também serão piontos e piontas.


João dos Reis nasceu em Outubro de 1935, na terra deles, ali com cheiro a unha negra na rua do hospital.
Filho de cortador de pedra, José dos Reis de seu nome e de doméstica, Maria José Lopes, é casado e tem 3 filhos.


Em "barranco de cegos" onde ninguém via ou sabia o que era trabalho infantil, o ti João teve que aprender cedo a diferença entre cubo e paralelo, acompanhado pelo pai e mais cinco companheiros de Alcains a cortar a pedra e a transformá-la em cubos e paralelos para pavimentar a Covilhâ, Manteigas e a preço de tostão até o Fundão.
João...? dizia o fiscal:
- Um paralelo tem 2 cubos e um cubo tem de aresta entre 11 e 12 centímetros, mais que isto é rejeitado... era esta a tolerância dada a criança de 9 anos no exercício da sua, de homem, tarefa.


Treinou-se em pedreiro na Covilhâ a construir prédio para a Construtora Abrantina e só em Arronches, em 1950, no Alentejo a trabalhar para o Ti Zé Setenta passou a ser CANTEIRO.
As cantarias do Seminário, da Praça, e do Cinema de Portalegre passaram pelas suas mãos juntamente com mais 10 a 15 canteiros de Alcains que erigiram estes edifícios.
Em Figueira de Castelo Rodrigo executa a envolvente ao castelo, em Almeida faz inúmeras obras em cantaria e em Monsanto coopera na recuperação do Castelo.


Vem à tropa e na inspecção militar com mais 63 mancebos todos de Alcains, refere que 50 tinham a profissão de canteiro, isto em 1953.
Passa parte substancial da sua vida em Santa Eulália e Arronches sempre com as pedras no seu caminho, na vida, na profissão.
Apesar de ter trabalhado alguns anos em Vilar Formoso, nunca emigrou.


Por volta de 1980 fixa-se definitivamente em Alcains onde faz, bem, um pouco de tudo.
A testemunhá-lho está a sequência de fotos dos seus trabalhos dignos de museu.


Com o riscóte, a massêta, o esquadro, a picóla, o cinzel, o escôpro, o pico... entre outros bisturis, deste doutor em arte de talhar a pedra é uma espécie em vias de extinção.

Capela de Santa Apolónia

Chafariz da Praça (já destruído)

Cruz com Cristo

Lareira, oráculo e boca de forno

Bola em pedestal

No seu atelier, garagem, toda esta arte está exposta em diálogo permanente, interrogando-se sobre o futuro de uma arte em decadência, sem apoio, nem central e muito menos municipal.
Artesãos, convidados para compor ramalhetes em inaugurações de gentes sem memória, que não viveram as pedras, que falam de estratégia de desenvolvimento regional em projectos que são esfaimados sorvedouros de impostos municipais.
Em Alcains os canteiros estão como os canteiros municipais, sêcos, abandonados à sua sorte, silicóticos...

Manuel Peralta

Nota: "Não paga o trabalho que isto dá", como diz o Ti João Pionto, mas, com alguma persistência e a descontento dos filhos algumas peças podem ser adquiridas.
Venha vê-las, vale a pena, verá!

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