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sábado, 13 de novembro de 2010

Blog Aberto - ... e, FUI MESMO AOS FIGOS!

Figueira lampa ou lampara da horta

O meu amigo, de nome, Anónimo José Vasques, de Aldeia Nova de S Bento, Beja, serviu-nos em velho prato de “resmalte”, quarteirão e meio mais um, pelas almas, de saborosos figos, de quinto banzo de escada colhidos, todos de 1ª camada, generosamente colhidos por macia mão e a preço de tostão.
Rei Preto, sentado em trono que era um banco, se não vendia em verde, comia lampo…
Por cá, na terra deles, são temporões, lampos, ou de S. João visto que por vezes dão, ano sim, ano não.
Quando a primeira camada está dada, vai-se a figueira brava, nesta altura já bem aleitada, colhem-se bravos figos que se enfiam em coleira, que enfeita Lampa Figueira.

Coleira de figos bravos

Tolinha, então prendada e bem encoleirada, fica pronta a ser re-fecundada.
Dos bravos figos aleitados, em coleira apertados, sai insecto, que em corridinho algarvio de baile mandado, rodopia, tangueia, valseia exausta figueira que então prolifera como coelha em coelheira.
Eis a segunda camada, de lampinhos, rosadinhos, canininhos, docinhos.

Outra figueira lampa de quintal

Continuando,e na poesia do meu amigo Anónimo, registo.
... Passávamos figo em esteiras de junco ou junça...

Contrabando?

Traiçoeira língua, passar figo era transformar figo em passa, em passas, em passeira de junco colhido em margem de ribeiro, ou junça de flor castanha grisalha, que atava mólho, parreira, e, forte que era, segurava talha.
Figos de rabisco, como quem vai arrastar seara rabiscando “lintecão”, vagem preta em espiga doirada, marcada, por trigo rijo desflorada...

Abebreira Parda

... ”mais, la créme de la créme”, é a descrição da arrecadação dos figos… choupana de junco, secção triangular, duas águas, quentes e frias, projectada por arquitecto em perspectiva cavaleira, se não bimetrica porquê isométrica?
Engenheiros!!!
Por cá, na terra deles, tudo isso quer dizer, tchosso, precário alojamento de pastor.

Figueira Pchichota

Por fim PCHICHOTES, em Aldeia Nova de S. Bento, são vermelhos por fora e por dentro… por cá, na terra deles, são verdes por fora e vermelhos por dentro, melancias, ... claro, estou a falar de figos.
Apesar de estar incluída em comentário, não resisto a abrir o blog, para inserir excelente página de vida de gente com muita vida interior…

Abebreira Branca, nua, sem folhas

Abraço e obrigado ao Martinho Marques e ao Zé Vasques.
Continuem...

Manuel Peralta

Abebreira preta

Tenho receio que me esteja a exceder para quem visita este espaço, mas ficaria inquieto se deixasse passar estes momentos ("Mandou-me aos Figos" e "Filho de Sapateiro, se não Doutor..."), em que intervim, para deixar uma alusão aos que foram arrancados dos sítios onde viveram as suas infâncias, por pais tantas vezes heróis, pelos sacrifícios que tal representava à época, na procura denodada de melhores dias para os filhos. A opção foi nobre, mas o nosso sofrimento, o dos filhos, foi grande, ainda que por uma boa causa.

Abebreira Branca

Martinho Marques, na minha opinião o maior poeta alentejano vivo, amigo e da nossa idade, tem um poema que exprime bem essa saga, de que me atrevo a transcrever parte:

"CANÇÃO DA INFÂNCIA

À beira-Terges-e-Cobres
entre Alcaria e o Mendro
num casebre dos mais pobres
entre trigo e aloendro
dei eu os primeiros passos
no cerne de uma charneca
por tojos estevas sargaços
entre o dilúvio e a seca

Aos dois anos era o vento
o meu cântico e baloiço
que hoje ainda canto e oiço
no meu sangue em movimento

Aos cinco o que se oferecia
era o mundo em holocausto
um perfume de alegria
num frasquinho de mentrasto

Aos seis anos tinha cão
tinha fisga e tinha anzol
brincava de sol a sol
entre o Sol e a solidão
cavalgava marmeleiros
fisgava rãs e verdelhas
caçava ouriços-cacheiros
caracóis e peneireiros
e na seiva dos ribeiros
tinha barbos e pardelhas
Tinha grilos consagrados
ao meu silêncio ladino
com asas de violino
que orquestravam descampados
tinha túberas marmelos
amoras de silva figos
mel de abelha cogumelos
magustos e outros amigos
que do sol de abrir braseiros
com raios que são tições
e do trigo eram trigueiros
e eu tinha-os por companheiros
quando armava aos trigueirões

Aos sete fiquei a saque
separaram-me do campo
aos sete tive sarampo
e por muito que me pese
é justo que aqui destaque
que aos oito tive um ataque de catequese
...".

Figueira Coriga

Conheço quem ainda hoje tenha dificuldade em se recolher sem que antes, ao fim do dia, tenha reservado alguns minutos para olhar os campos da sua memória...

O Anónimo José Vasques

1 comentário:

  1. Os Figos, o Alentejo, Aldeia Nova de São Bento e a Poesia!

    Li com atenção o poema de Martinho Marques associado ao tema e não pude ficar indiferente. E dei comigo a pensar, parece-me que há uns anos, se publicou que era de Aldeia Nova de São Bento, o inconfundível João Monge, que aparecera ligado a um projecto musical, do melhor que já se produziu na música portuguesa, que foi o projecto Rio Grande – que reuniu João Gil, Tim, Rui Veloso, Vitorino e Jorge Palma, que cantaram com enorme sucesso os seus poemas. E por momentos pensei, será que são apenas coincidências!
    Fui à Wikipédia e reli, « João Monge, poeta e compositor nascido em Lisboa a 1 de Agosto de 1957, com estudos musicais entre os 8 e os 30 anos, um bacharelato na Universidade Aberta e formação profissional na Escola Superior de Educação de Setúbal ».
    E confirmei, « com raízes alentejanas ( provavelmente de Vila Nova de São Bento ou Ficalho), por demais evidentes nas suas composições, como por exemplo Postal dos Correios; uma referência para várias famílias alentejanas que essencialmente nas décadas de sessenta do Séc. xx, rumaram para Lisboa ou para os seus subúrbios, como por exemplo na Cova da Piedade, Barreiro, Mem Martins ou Alverca».
    Resumindo, Aldeia Nova de São Bento, onde creio que passei por duas vezes, é um alfobre de bons Figos e como se tal fosse possível, ainda de melhores Poetas.
    E estou a escrever a sério!
    MC

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