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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Salmouras. Malgas de azeitonas.

- Oh, Maria de Lurdes não sei o que se passa, tenho as minhas azeitonas sapateiras!!!
- Se calhar ti Marizé, é da talha, já terá perdido o vidrado... ou então será da água do poço, que estaria choca?

Recordo estes diálogos entre as vizinhas da rua, quando por altura da Páscoa se efetuava a primeira prova das azeitonas que em novembro do ano anterior, se metiam em potes de barro vidrado por dentro, e se cobriam com água.
Tradição que gradualmente se vai perdendo, mas que eu vou procurando manter, uma vez que, entre muitas outras coisas, também gosto muito de azeitonas.
Condutos, mimos doutros tempos...pão com “zitonas”!!!
Sempre sujeito a correção, vou explicar como trato das azeitonas.

Em salmoura.

Colhidas as azeitonas, cordovil, bical e agora a modernaça cobrançosa, ou então a galêga, preta e vítrea, brilhante, quando bem madura, são as ditas colocadas em barrica de plástico e cobertas de água, preferencialmente sem cloro.


As azeitonas gafas, podres, picadas da mosca e com outras maleitas, devem ser eliminadas e limpas de folhas e dos pedúnculos que, na oliveira, as suportam.
Antes do plástico, eram as azeitonas colocadas em potes de barro vidrado, que com a salmoura e o passar do tempo, iam ficando cada vez mais frágeis, uma vez que o sal, muito, comia o vidrado e as azeitonas ficavam em contacto direto com o barro que, além de lhes alterar o sabor as tornava moles, parecendo passas, com mau sabor, e com uma salina capaz de ressuscitar um hipertenso...


A operação de substituir a água, agora já “azinagre”, proveniente da passagem da acidez da azeitona para a água, chama-se “escoar as azeitonas”, e efetuava-se deitando conjuntamente para um cesto de verga água e azeitonas, que perdendo a água, que escorria pela valeta, permite recolher toda a azeitona e voltar a deitá-las para a barrica de plástico e repondo água nova.
Provam-se entretanto, as azeitonas que, de escoa em escoa, vão perdendo cada vez mais acidez...
No mínimo, devem-se escoar três vezes as azeitonas, e a sua cura total, dura cerca de sete a nove meses, tudo dependendo da qualidade das azeitonas.
Quando da prova resultar apenas ligeira acidez, a polpa estiver semimole a atirar ainda para o rijo, e o paladar for agradável, então deve-se fazer a salmoura.
Calculado o volume de água que cobre as azeitonas, deita-se a água para uma bacia e vai-se acrescentando sal, ao mesmo tempo que com uma colher de pau se vai mexendo para diluir o sal na água.


Deita-se então para a água um ovo de galinha, crú, e vai-se adicionando sal e mexendo ao mesmo tempo até que o ovo comece a “vir ao de cima”, flutue.
Trata-se do princípio de Arquimedes, que de memória, cito:
“Todo o corpo mergulhado num líquido, sofre da parte deste, uma impulsão vertical, de baixo para cima, igual ao peso do volume do líquido deslocado”.
Esta é a medida artesanal da concentração de sal, para aquele volume de água, que, de geração em geração foi passando, e que, em casa de meus pais aplicava, mexendo e remexendo, sem suspeitar que o primo Arquimedes, também media por ali...só muito mais tarde me apercebi, e percebi!


Deita-se então a agora já salmoura para a barrica de plástico, e adicionam-se as azeitonas que ficam então a “tomarem-se” do sal.
Prontas a comer?
Bem, tudo depende, agora do artista.
Um bom punhado de orégãos secos apanhados em flor, quando estão prenhes de seiva, um bom copo de sumo de limão, algumas folhas de louro, podem ajudar a justar sabores para apreciadores.
De modo algum se devem deitar rodelas de limão que em contacto com a água, acabam por apodrecer e alterar completamente o sabor, idem para folhas verdes de laranjeira ou ramos de orégãos verdes...apodrecem precocemente e só estragam e atrapalham.


Porque quando o ovo flutua a concentração de sal é muito elevada, sugiro que se consiga salmoura com ovo a flutuar a meio da água, fica então com sal q.b.
Bom apetite e como vou almoçar, a entrada é um bom copo de vinho, e pão com “zeitonas”.


Voltarei com as ditas, outras, roliças, gordinhas até ao pescoço,“Retalhadas com Sal Grosso”.

Manuel Peralta

Notas
1 - SAPATEIRAS, azeitonas, têm este nome por associação de imagem, com as solas que os sapateiros demolhavam para as amaciar, antes de as cozerem aos sapatos ou botas.
A água ficava avermelhada/acastanhada, deitava mau cheiro, e a sola ficava mole, como as azeitonas sapateiras.


2 - CONDUTO, expressão em desuso que significa comer pão com mais qualquer coisa, em vez de pão seco, pão simples.
Pão com “zitonas”, pão com queijo, ou até para os mais afortunados, pão com chouriço...
Por tanto comer, em criança e já rapaz “pão com passas”, de figos secos, anda ainda por aí, de apelido ao ombro, o “pão e passas”.

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