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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

LÊTCHA

SIMÃO LÊTCHA

Simão Barata

Filho de João José Barata, Ti João Grilo, ou Motchacha era ganhão no Frisemão, quinta da família Ulisses Pardal na Lousa.

O ti João Grilo era um homem baixo mas corpulento e sempre que me encontrava tinha de levar um grande apertão de partir costelas ao mesmo tempo que me desafiava para jogar com ele às quédas... eu era seu vizinho e, claro, uma criança.

Sua mãe, Emília Clara Barata, a ti Emília da Zebreira para as vizinhas, era uma mulher alegre, de prantos, que com três anos com os pais, rumou da Zebreira até Alcains visto que seu pai, avô do Simão, era na altura cantoneiro vindo para Alcains exercer esse mester.


A casa do Simão era das melhores casas para as caqueiradas, presumo que a chave nunca terá fechado a porta, dormia no trinco, e as escadas de madeira amplificavam em muito o som das braseiras velhas, dos penicos de resmalte, um ou outro bocal de candeeiro ou caqueiro que se apanhavam na galarissa do ribeiro do pinheiro, quando pelo carnaval se deitavam as caqueiradas.

O Simão nasceu em Alcains no dia 27 de Dezembro de 1944, benjamim de mais quatro irmãos, a Antónia, o Manuel, a Eliana que foi casada com o Zarelho, e o José Francisco, vulgo zéfcisco.

Este zéfcisco, seu irmão, tornou-se quando novo, um especialista na espreita sentado em batoréis...

Nem as catchópas muito menos as mulheres casadas podiam sequer mostrar o joelho ou artelho, e, nos patinhos e batoréis tinham de se recatar não fosse o fcisco espreitar...

Seus pais, criavam normalmente um ou dois marrantchos, tinham sempre um enorme pote de azeitonas, arteiras e sapateiras, e para surpresa minha na aloje do rés-do-chão, uns enormes arcazes repletos de feijão-frade, de trigo e milho que o Motchacha seu pai recebia de fôrra ou fórra.

Ali, no meio da semente, metiam muito verde melão para acabar de maturar, pois vinha verde do Frisemão.

Como toda a rapaziada da Unha Negra, foi na Tapada da Senhora que iniciou a dura escola da vida.


Como era novo e as dificuldades dos pais também não lhe permitiam comprar ferramenta, trabalhava com canêlos, pelo que nas pedreiras era sempre dos primeiros a ser despedido.

No entanto, ali, no seu pavilhão gimnodesportivo, na Tapada da Senhora juntamente com o Manuel Galante, o Balhinhas, o Reguinga, o Manuel Barrigana, e o Malha Preta era depois de um dia de trabalho um verdadeiro artista.

Um galgo nas corridas, um John Waine com as pistolas, um Elvis Presley na dança, e um exímio “danseur” de twist frente à taberna do Ti Domingos, tornaram o Simão num verdadeiro artista da rádio tv e disco, e da cassete pirata.

Nos jogos, nas corridas, no ferro quente, e nas bulhas de canalha, por ser muito rápido, alcunharam-no de flêtcha, (flecha).

Mas como naquele tempo ainda não havia Novas Oportunidades, e um problema de dislexia não tratado em moço que tinha muita dificuldade a pronunciar o F, começou a chamar-lhe “Lêtcha”, Smã Lêtcha.


A partir daí passou a ser conhecido por Smã Lêtcha, e diz que gostava que Deus lhe desse vida e saúde para que, daqui a cinquenta anos, ainda lhe chamassem Smã Lêtcha.

Após a quarta classe, o Simão também não escapou à regra e, aos onze anos, lá foi a caminho das pedreiras. Começou por ser aguadeiro, e passado algum tempo começou a aprendizagem de canteiro com o Ti Zé Pires.

Mais tarde também trabalhou com os Ti António Valadeiro, Ti António Bento e por fim com o Ti Zé Escudeiro (marido da Manuela do Ti Domingos) até que foi para a tropa.

Com o ti Zé Escudeiro, em Reguengos de Monsaraz aconteceu-lhe a pior aventura da sua vida.

Naquela época, segundo ele, vestia à tédiboy: blusão, calça justinha à perna, botas à mexicana, um chapéu enterrado até ás orelhas, cabelo grande e um senhor bigode.


Quando passeava pelas ruas de Reguengos, as mulherzinhas por ele vestir assim, temiam-no e ficavam sempre a cochichar quando o viam. Por vezes, olhava para trás e apercebia-se que estavam a falar de dele.

Um dia alguém assaltou uma casa em Reguengos, e, as mulheres, logo pensaram que fosse o tediboy e chamaram a GNR.

Estava o Simão num café com o Zé Pichorro e outros canteiros de Alcains que ali trabalhavam, quando a GNR o abordou.

Ao pedirem-lhe a identificação, a sua rapidez mais uma vez o traiu... ao meter a mão ao bolso para tirar a carteira com os documentos, os GNR pensaram que ia tirar a pistola deram-lhe logo voz de prisão.


Ao ter conhecimento do que aconteceu, o Ti Zé Escudeiro que era muito conhecido e respeitado em Reguengos, foi ao posto e conseguiu inocentá-lo mas, para susto chegou.

Nos anos sessenta o Simão era o rei do ROCK e do TWIST em Alcains e não só.
Agora uma valsa, um tanguinho, já o satisfaz, mas não esqueceu os tempos em que punha toda a malta a dançar, ao cantar o seu “inglês alêtchado” e a bater palmas.

Se os paralelos em frente da venda do Ti Domingos falassem, muito teriam que contar.

Mesmo sem nenhum instrumento musical, o Smã Lêtcha igualava os Beatles.
Desses tempos recorda aquando duma descasca, (descamisada) na ti Maria da Silva, ao começar com o seu repertório e toda a mocidade começou a dançar e a bater palmas, uma senhora já com uma certa idade, começou a criticar a nossa dança mas, também não resistiu à tentação.

Arregaçou a saia até aos joelhos salta para o meio de nós a dançar e, acabou por cair de cu de cansaço... toda a gente apladiu.

A guerra colonial também levou o Simão até Moçambique, (Nampula), onde permaneceu três anos. Foi aí que numa época de Natal apareceu por lá um fotógrafo, e como não tinha roupa adequada emprestaram-lhe um fato, camisa e gravata para tirar uma fotografia.

Foto tirada em Nampula e fez grande sensação quando enviou à família

No início dos anos 70 emigrou para França onde esteve cinco anos sem vir a Portugal, exercendo durante este tempo a profissão de motorista de pesados.

De regresso a Portugal casou com Maria da Piedade Valente (falecida).

Voltou novamente para França juntamente com a sua esposa, e começou a exercer a sua antiga profissão de canteiro, na restauração de monumentos e edifícios históricos.

Actividade que mais tarde exerceu por sua conta até à idade da reforma.

Sua esposa, Piedade, “costureira” também trabalhou por conta própria em França onde chegou a ter algumas empregadas.

Mas o Simão tem outras histórias, hoje, quando ia à sua maison para recolher estes elementos e não o encontrava, perguntei a dois amigos que se encontravam frente ao café do Ti Domingos na praça, se o tinham visto.

Contaram logo, que em tempos, em Gonçalbocas, perto da Guarda, passou a ser enfermeiro quando tentava encantar uma professora, que por ali andava.

Fui durante a minha juventude vizinho do Simão e da sua família.

Apesar de mais velho não me lembro de cascar na canalha, era muito brincalhão e era o animador da rua...

Este texto foi escrito a duas mãos, o Manuel Geada, actualmente seu vizinho que fez a recolha, e eu que acabei por ajudar com as lembranças de rua quando o Simão era um vizinho de quem guardo boas recordações.

Manuel Geada
Manuel Peralta

2 comentários:

  1. Que pena irem fiados em cantigas.

    Com um ego desmasiado, so podia sair dai algumas mentiras.

    O pior é os autores deste artigo de acreditarem tudo sem verificaçoes.

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  2. Dançarino, Tediboy e… tudo

    Tediboy - eis uma palavra que há muito não entrava no meu léxico e que revi no belo apontamento sobre as aventuras e (des)venturas do Simão “Lêtcha”.

    Creio que faltou referir um detalhe em que o “Lêtcha” seria pródigo, conforme amiudadas vezes ouvi referir ao “homem do leme”; uma cena que se passaria no “polidesportivo” da Tapada da Senhora, quando o Simão chegava, com azeitonas nas mãos e a respectiva lia, que as acompanhava ao retirá-las do pote, e passava assim a mão pela face, pela boca, pelo que calhava, dos mais pequenos e incautos…e que reagiam mal…Muito mal, com muitos “lêtchas” à mistura, fugindo…

    Agora quanto a Tediboy, acho que cada época teve o seu. Calças de ganga, óculos rayban, carro desportivo,…isso foi privilégio uns anos antes, não muitos, do Levy Preto. P’ra mim, que conheci ambos mal, seria um protótipo mais aproximado daquilo que seria um verdadeiro Tediboy…

    E com este dilema me fico.

    MC

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