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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Festas de Alcains

Festas do Verão

Festa de Santo António

Quando o ano passado, para o Terra dos Cães, fiz um trabalho sobre o Ti João Moleiro, relativo à sua arte de canteiro, e enquanto me mostrava de dentro de um arcaz embrulhadas em papel de jornal, as suas obras de arte em cantaria, deparo com um programa das festas de Santo António, realizadas em 1961.
Mil novecentos e sessenta e um, relembro para os menos atentos, foi o ano em que, em Angola, rebentou a guerra colonial, e em que, o Presidente do Conselho de Ministros de então, Dr. Oliveira Salazar terá dito esta frase que ficou célebre... ”para Angola, rapidamente e em força“.
Voltando ao documento refiro que a pedido meu, o ti João Moleiro acabou por me o oferecer.
Por se tratar de documento que presumo único, em muito bom estado de conservação, com meio século de existência, e por retratar de forma excepcional como eram as festas de Alcains, não resisti a digitalizar tal documento, e para a posteridade dar-lhe vida aqui no Terra deles...
Sendo ainda mais rigoroso, não se trata de um programa habitual inserido apenas numa folha de formato A5, mas mais propriamente de um livro, plaquete, de capa, contracapa e oito folhas interiores com publicidade e programa das festas ao centro.


A capa que acima se reproduz, trata-se de um trabalho de linóleista, em linóleo, uma placa de material que manualmente recortado permitia a impressão em equipamento gráfico e a respectiva reprodução.
Mais sofisticado que a “Janela“ do 5 de Outubro, com o Lafrau à tabela...
O linóleista foi na altura o António Alves, da Tipografia Artis Alves, tipografia que era de seu pai, um tipo porreiro, localizada então ao fundo do lado direito de quem desce a avenida da praça de Castelo branco.
Hoje o António Alves é um jornalista do Povo da Beira e de uma das rádio locais do concelho.
O desenho, lindo desenho diga-se em abono da verdade, representou durante muitos anos a actividade principal de Alcains, numa junção feliz, e que perdurou até que a autarquia presidida pelo Engº Rogério Martins apresentou a bandeira que hoje, e bem, representa Alcains.


Delicioso é todo o texto da página supra, bem esgalhado, muito bem adjectivado, e de um apelo à união de todos, para que a MAIOR ALDEIA DE PORTUGAL tivesse, no presente e no futuro, as maiores festas de todas as aldeias de PORTUGAL.
Muito denodado e acrisolado BAIRRISMO...


Porque se trata de uma plaquete, a comissão de festas de então recolheu publicidade das principais actividades, empresários e empresas que existiam em Alcains em 1961.
Compilando as actividades inscritas no programa apurei o seguinte:



Duas fábricas de moagem, Branca de Neve e Sicel, a Metalurgia Isidros, oito empreiteiros, dezassete actividades comerciais onde se incluem entre outros, sapatarias, alfaiatarias, venda de máquinas..., uma barbearia, dois cafés, duas oficinas de automóveis, uma actividade de serviços, uma chapelaria, duas carpintarias, uma caldeiraria, uma casa de fotografia com representação em Alcains, uma farmácia, duas padarias e uma oficina de pirotecnia.


Com algum esforço de visão e clicando sobre as fotos para as ampliar, podem deliciar-se com nomes de casas e pessoas que connosco se cruzaram, a quem comprámos ou vendemos algo, que nos deram boleia, e que com todos conviveram.


Desta página presumo que apenas o Sr. Manuel de Oliveira Ramos é vivo, e, observem as frases de um despertar comercial, muito incipiente ainda mas em que se procurava a diferenciação nos modos de vender cada um o seu produto.


Nesta página é bom de observar que ambos os empresários, pagaram meia página cada, decerto mais cara, resultado evidente de maior desafogo financeiro, ou tambem de maior vontade de ajudar a comissão das festas.
Não posso deixar de relevar o Sr. José Marques Rafael, alfaiates diplomados, e de que tantas e lindas histórias se contam daquela personalidade ímpar naqueles tempos... mas isto fica para futuros comentários dos leitores e seguidores deste blogue.




Quem atentamente ler este programa das festas, decerto não ficará indiferente.
Quem não viveu o que aqui se reproduz?
Os nomes, os conjuntos, o arraial, um simpático grupo de meninas da localidade, enfim toda uma organização que, anualmente, esforçados festeiros punham de pé.


De referir o logótipo do Sr. António Lopes Crujeiro Galvão, dois cães a tentar esfarrapar um chapéu, honrando claro a sua terra...


A Sicel de tempos áureos, exportadora... hoje em acelerado estado de degradação, fechada.


Dizia o Ti Chico Preto que o nosso lar será cem vezes mais atraente, se nele estiverem as suas mobílias... dos restantes da página, já todos faleceram.


Quem não se lembra do Sr. João Baptista, da Casa do Povo, do ciclismo... e do Simão Trindade Vicente que introduzia o tema, de pagamento a prestações, eventualmente uma inovação na época?


E do Sr. Soares da Farmácia Nacional, que pregava partidas de carnaval frente à farmácia, colando no alcatrão moedas de cinco escudos, que as pessoas tentavam arrancar...


E do Sr. Joaquim Teixeira, que tão bem tocava violino, acompanhando nos teatros as operetas e as variedades na Casa do Povo?
E do Sr. Henrique Caniça que se encarregava de todos os trabalhos, mesmo os mais difíceis?



Passar por estas fotos, por este programa, passa-se um pouco pelo Alcains de há cinquenta anos...

A comissão das festas que nos dias 22, 23 e 24 de Julho de 1961 as realizou era a seguinte:

João José Baptista
Porfírio Isidro Almeida
Helder José Marques Rafael
José da Cruz Soares
João Farias Baltazar
José Lopes Escudeiro
Francisco António Maguejo
Adriano Barata

Tinha eu nessa data quase 12 anos, decerto por lá andei.
Guardo da festa de Santo António excelentes recordações, do ciclismo, dos bailes, dos passeios pelo arraial, do fogo preso, das bulhas, do jogo da vermelhinha, dos arremessos com bola de pano às latas, das barraquinhas de tiro, dos tendeiros que ao fim da noite se iluminavam a gasómetro, das orquestras que com aqueles instrumentos de sopro entoavam os boleros, o tchá-tchá-tchá, os tangos e as valsas em ritmos sul americanos.

Agora, é a festa da malta da tropa, da malta do pavilhão, a onomástica, a da malta que foi à inspecção no mesmo ano, das esposas que nasceram no mesmo ano quando acompanhadas pelos cônjuges, a festa da gente que nasceu na mesma rua, um baptizado aqui, um casamento acolá... tanto festejo que quase morro... mas lá diz o meu pai, “não pode a cadela com tanto cachorro“.

Manuel Peralta

4 comentários:

  1. Depois de umas merecidas ferias aqui no Terra deles, o Peralta surprende-nos mais uma vez com este excelente trabalho.
    E sempre dificil eleger qual o melhor mas este trabalho que ainda nao vi em profundidade é sem duvida um dos melhores.
    Arrasta-nos para um fase das nossas vidas em que as coisas tinham um valor enorme.
    Parabens Peralta e vou com calma ver e rever este excelente trabalho.
    JMT

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  2. O amigo Peralta tem razão : este programa das festas de Santo António do ano 1961, deve ser peça única.
    Tenho uma vaga recordação deste programa, que não teve seguimento nos anos seguintes.
    Era sem dúvida uma festa “Rija” que, como quase tudo o que tínhamos de bom na nossa terra também acabou.
    Foi esta comissão das festas que reformou a antiga decoração(os arcos), que desde há muito eram utilizados e foram substituídos por outros mais vistosos.
    Se a memória não me atraiçoa, também foram eles os primeiros a ter como se dizia na época duas “orquestras”.
    Para os mordomos “festeiros” era uma semana de trabalho intenso, procurando sempre fazer mais e melhor que a comissão do ano interior.
    Com o fim das festas, lá se foi a venda da flor, as cavalhadas, a morte do galo, as corridas de sacos, atletismo e bicicletas: a barraca do chá: a grande alvorada também com alguns foguetes que “assobiavam”: os foguetes de “lágrimas”: as “latadas”(fogo preso) e o “castelo”. Que boas recordações.
    Ao ver no programa a publicidade do ti Henrique, recordo-me com os meus quinze anos da época, que foi a primeira vez que o vi trabalhar para a Festa de Santo António.
    Não compreendo porque motivo este nosso talentuoso pirotécnico, era convidado a participar nas Festas do Divino Espírito Santo e não nas de Santo António?
    Os dois convidados habituais” e sempre ao despique”, eram naquela época a Pirotécnica de Oleiros e o Catchéna das Mouriscas. Em 1961, a nossa prata da casa venceu um destes concurrentes não me recordo qual, mas sei que o ti Henrique disse: este já levou nas “lonas” e o outro também vai levar.

    MG

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  3. Festas de Santo António – Julho de 1961 1/2

    Até em termos de Festas de Santo António, 1961, poderá ter sido um ano de viragem, de mudança, como infelizmente começava a ser o de muitas famílias portuguesas, com os seus já na Guerra em Angola ou a caminho...

    As mudanças nem sempre são positivas, mas sob o meu ponto de vista, na sua maioria, as que esta Comissão de Festas introduziu nas Festas maiores de Alcains, merecem a aprovação, quando comparadas com o que era hábito até aí. Não vou hierarquizar as diferenças que detecto, mas tão simplesmente enumerá-las e comentá-las.

    a) Pirotecnia. Durante muitos anos, o programa incluía sempre a disputa entre duas empresas, que começava na Alvorada de domingo, ia pelo arraial com as Latadas, continuava com o lançamento de Balões e terminava com o ribombar dos Castelos, pelas 5 da manhã, sempre em duplicado, está bem de ver. A esta distância, creio que na 2ªfeira, só não havia Alvorada, o resto seria igual.

    Julho e Agosto com dias e noites quentes, oficinas de serração de madeiras próximas do Largo de Santo António, nos campos mais próximos o feno também já seco. Que mais seria necessário para provocar incêndios? Sendo a Comissão das Festas constituída por pessoas de bem e não por incendiários, imaginem-se as suas preocupações com este fartar vilanagem de fogo, nem sempre preso...E alguns anos houve incêndios, mesmo...

    Aviso desde já que nunca vi escritas as regras que ditavam o melhor desempenho em termos de Pirotecnia. Mas suponho, que na Alvorada, seria a cadência, a ausência de tempos mortos, nas Latadas, os efeitos luminosos e a ausência de falhas, nos Balões, por vezes não subiam, ardiam logo ali, no acto de preparação. Nos Castelos, o volume do ribombar, que estoirava os vidros de algumas janelas das casas mais próximas, a ausência de falhas, creio que seria o factor de escolha.

    Também se prémio havia e admito que sim, nunca assisti a nenhuma entrega do dito. Aliás creio que em Alcains, o Caniça, nunca concorreu, quando havia duas empresas em disputa. Temia ser batido pela concorrência forasteira, era esta a versão que corria. O Geada não confirma esta versão, porventura estou enganado na percepção...

    b) Publicidade. Creio que o pormenor de “2 cães a puxarem pelas abas de um chapéu”, o logotipo do meu amigo e vizinho João Galvão, seria um tipo de publicidade que nem o Gato Fedorento desdenharia...E se houvesse na altura um Paulo Futre... Não sei explicar, mas é um tipo de contra-publicidade, na qual 50 anos depois, estes dão cartas. Logo, o João Galvão, em cuja carroça fui pela primeira vez a Castelo Branco, que morreu cedo, vítima de atropelamento em Lisboa, foi um inovador!

    c)Actividades Desportivas. Ciclistas de Ovar, Lisboa, etc...cheira-me a João José Baptista, aqui com mais olhos que barriga...O percurso e os prémios, os habituais. Creio que foi nesta prova que o Moisés Gregório, ganhou o prémio da Sicel, e o pai “Paciência” era gozado pelos amigos, que já tinha carolo para comer papas até ao Natal.

    E por agora fico por aqui.
    MC

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  4. Festas de Santo António Julho 1961 2/2

    Prosseguindo...

    d)Contas de Deve e Haver. Ficavam por vezes no ar, suspeitas de que haveria quem se orientasse com eventuais lucros! Creio que foi neste ano, que devido a ligações que eu tinha na Reconquista, fui pressionado para ali ser publicado o Relatório de Contas das Festas, o que só pude concretizar sob a forma de resumo, pois o Padre João de Deus, era avesso a este tipo de notícias.

    e) A autoria do logotipo da capa do programa. Terá sido desenhado como emblema para a Casa do Povo, por alguém ligado à família Trigueiros de Aragão, Sepúlveda Veloso de seu nome, e que passou uma temporada em Alcains.

    Tenho uma ideia de alguém com bom ar e outro tanto de artista. Creio que chegou um dia a ir ao comércio da minha tia Patrocínia, procurar por lápis de cor!

    f) Tentei pesquisar na NET, algo sobre os Jazz(es) como então se dizia. Sobre o Bando Carioca de Castelo de Vide, não encontrei referências. Mas no que toca à Danúbio do Entroncamento, encontrei uma nota relativa a um dos seus supostos componentes, de nome Amilcar Correia, ferroviário,destacada figura do PCP, de tal modo que uma acta da Câmara Municipal, com a data de 27.02.2006, propõe o seu nome para uma artéria.

    g) AVANTE POIS, POR ALCAINS – suspeito que poderá ter sido obra do artista Sepúlveda Veloso, este desarrinçanço bairrista.

    E quanto a Festas de Santo António, ponto final.

    MC

    Fotos comentadas sobre a Guerra Colonial em Angola, em:
    www.panoramio.com/user/1804371

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