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quinta-feira, 24 de junho de 2010

Alcains Sem capitel

Em terra de quase ninguém, para lá da linha de caminho de ferro, depois da "tcharca do cambalhota" Zé Maria de nome próprio, e antes da fonte Moreira, ergue-se a capela de S. Pedro que a foto documenta em segundo plano com cara repleta de pano.
Pano que revelava no tempo de meus pais, cara sem cuidados, sub alimentada, pouca higiene e ausência completa de qualquer creme...assim está a capela de S. Pedro que tem em frente um agora amputado cruzeiro ainda com base e fuste, mas já sem capitel...
Competindo ali tristemente com outras cidades que dia a dia vão perdendo também herdados estatutos de capital distrital, Alcains no cruzeiro da capela de S.Pedro, perdeu já o seu capitel.
Bem trovava Manuel Freire o arco em ogiva, o vitral, o contraponto, a sinfonia, a máscara gregra, na magia do Tó Gedeâo, retorta de alquimista com quem aprendi na base do fuste, o capitel...
Eles não sabem que o sonho... encimado no capitel, um santo padroeiro de doenças do foro mental protegia após promessa de santóruns, rezas de crianças e adultos na base do cuzeiro, curas para maleitas curadas com fé, santóruns de pão e brôa, mastigados sofregamente em percursos a pé, por gente cujas preces subiam da base ao fuste e, no capitel, ao Santo sabiam a mel...
Tradição por mim vivida e participada em promessa familiar por volta de 1950, com mais onze santórados, tantos quanto os apóstolos, que do degrêdo até S. Pedro, partiram em aventura de rosário rezado por tia, que de cesta na cabeça santorada de brôa quente e pão estaladiço afastava qualquer enguiço.
Alcains, frente à capela de S. Pedro, em cruzeiro por enquanto sem capitel está mais pobre mas a seu tempo poderá ter remédio.
Onde já não há, foi naquilo que em mandato anterior se destruiu, as casas antigas junto da igreja matriz nomeadamente a do Sr. Francisco Lopes, mais duas casas vizinhas, bem como a da Dª. Josefina Marrocos Taborda Ramos da qual não se sabe sequer o paradeiro da enorme e excelente grade em ferro fundido da varanda de granito existente.
No maior atentado de sempre feito ao parco património arquitectónico de Alcains, resta uma ferida que não mais sarará, um Kosovado largo com traseiras de quintais degradados, uma terra de ninguém enfim uma agressão urbanística que, só mente iluminada de arquitecto experiente, poderá minorar.
Voltando a S. Pedro e agora que a REFER decidiu fazer vultuoso investimento na electrificação da linha e na estação de passageiros, com a gigante passagem superior para peões bem como com a passagem superior para viaturas sobre a linha de caminho de ferro, passagem esta que alterará por completo mas para melhor a imagem que se tem da zona, a visão que se terá da capela e do amputado cruzeiro contrastará em pobreza com a gigantesca obra da REFER.
Sem qualquer cerca ou marco que a delimite, toda a envolvente à abandonada capela de S. Pedro apresenta degradação, matos, silvas e toda uma prole de infestantes que em nada são inferiores à degradação existente nas paredes da capela.


Este abandono este desprezo que por ali campeia, também se observa em Alcains nos degradados passeios para peões, nos sinais de trânsito instalados no meio de passeios estreitos que obrigam as pessoas a ir para a estrada, no degradado mobiliário urbano, na ausência de iluminação noturna de qualquer monumento, na falta de limpeza da generalidade das ruas, na falta de respeito para com cidadãos diferentes que não conseguem acessos por fata de rebaixamento nos passeios para os seus meios de locomoção.
Aqui há que referir o excelente trabalho feito nos bancos (CGD e BCP) e agora na Igreja Matriz que revelam respeito pelos cidadãos no acesso aos serviços, esperando-se que embora tardiamente os autarcas de serviço compreendam a lição de luva branca e actuem em conformidade.
Com a liquidez proporcionada pela venda da água cara e património conexo que todos pagámos, faz-se na capital investimento de substituição de prioridade mais que duvidosa enquanto que em Alcains na parte antiga continua-se a beber água que, na rede velha, corre ainda em canos de lusalite.
As autoridades sanitárias obrigaram em tempos todas as instituições com este material em serviço a retirá-lo e substituí-lo por material que não apresente riscos para a saúde.
Por cá estamos assim, esperando que, com as obras da REFER concluidas, Alcains tenha então um local capaz para ver passar combóios...

Manuel Peralta

1 comentário:

  1. São Pedro - a sua Capela e Devoção!

    As minhas memórias já não são muito nítidas, mas tinha uma vaga ideia, de que a São Pedro,
    os alcainenses "cobravam" a chuva!

    Confirmei que efectivamente em Setembro, após os tórridos verões de outrora,décadas atrás, as nascentes e os poços secavam ou quase, nas fontes e chafarizes as suas bicas apenas gotejavam, e não havia água canalizada, mesmo em tubos de lusalite! Conclusão: o precioso líquido escasseava, junto dos chafarizes, os cântaros marcavam vez em fila, na altura dir-se-ia bicha,assinalando o lugar, como quem vai
    a um Centro de Saúde e não tem médico de família!

    Era a altura de pedir água a São Pedro, como se além das chaves que lhe são atribuídas, tivesse também o poder de abrir as torneiras, para humedecer a terra e os campos ressequidos.

    Então em Procissão, o São Pedro, era transferido da sua Capela para a Igreja Matriz
    e há quem afirme, que por vezes, ainda o Santo não dera entrada na Igreja e já as nuvens ameaçando aguaceiros, se desenhavam no
    horizonte. E por vezes, choveria mesmo!

    Seria provavelmente finais de Setembro,período atreito a chuva e trovoadas, e não custa assumir essa possibilidade, o que no entanto não apoucava a intervenção do Santo. São Pedro cumpria a sua missão, as nascentes renasciam, nos poços e nas fontes a água acumulava-se e nos chafarizes, corria de novo o precioso néctar!
    Era tempo de voltar à sua Capela, também e ainda em procissão, até ao ano seguinte. E assim sucessivamente…

    Se associada a esta devoção ou crença haveria outras promessas associadas, não sei.
    No entanto nada me custa a crer que houvesse…

    Agora em termos de Capitel, espaço envolvente e pintura que melhorem o aspecto da Capela, inteiramente de acordo. Mas que não se invistam grandes verbas nessa requalificação, porque como espaço relativamente isolado, estará sempre à mercê dos vândalos, que os há, cujo maior prazer é destruir ou danificar património público.
    Sabemos que assim é e não há que ter medo das palavras.

    Aliás esta associação da devoção aos santos e aos seus poderes de abrir ou fechar as
    torneiras, creio que em termos absolutamente opostos, se viveria na Lousa, com as suas festas à Srª dos Altos Céus, em finais de Maio, época também propícia a chuvas e trovoadas, que lhes estragavam a festa.

    Pois, e ainda não passaram tantos anos quanto isso, que "zangados" com a Santa que lhes enviava a chuva em época inoportuna, haveria quem "ameaçasse" a mesma, de que se chovesse, seria retirada da Igreja, para ver o que não deveria ter feito.

    Desconheço se alguma vez esta "ameaça" foi cumprida! Mas as "estórias" vão passando de geração em geração e às tantas confundem-se, não se sabendo onde terminou a realidade e começou a lenda, a ficção… MC

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