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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

“Cheia de perliquitetes”

Contra o “avalambado bagaço municipal”, fixação quase doentia, um pouco de cultura, apimentada com mais uma “estória da terra deles” ...
Então aí vai.


PERLIQUITETES, que palavra, que sentido, que expressão?
Quando ainda havia bodas, casamentos, um bom costume existia praticado pelos familiares, amigos e convidados. Antes da cerimónia na igreja, iam a casa dos pais do noivo ou da noiva, comer o bolo, “desejuar” retemperando o estômago para a sempre atrasada cerimónia do casamento.
Costume este que ainda perdura por cá, com mesa agora muito, mas muito mais, farta.
“Apiraltavam-se” nessa manhã, homens e mulheres, rapazes e raparigas, filhos e filhas, bem como “catchópos e catchópas”. A palavra juventude estava então em construção, e apenas existia, canalha.
Chegada a família para comer o bolo, também era por ali e continua agora com mais acuidade, que se apreciavam as posses de cada um, o esmero e por vezes o bom ou mau gosto, no traje que se trazia.
Por vezes, sempre de mão dada ao meu pai, não fosse por ali, desajeitado, entornar o copo do refresco da groselha, ouvia os comentários das mulheres, sobre os paramentos trazidos... e, entre “estás tão linda”... surgia um comentário que ao tempo, não conseguia desembrulhar, “estás cheia de perliquitetes”... isto, com um borrachão numa mão e copo da groselha na outra.


Por outro lado, “lháli”, que posso traduzir por, olha ali, não deixo de trazer lume, não para queimar, mas, para relembrar, um passagem verídica, acerca da Rosinda, pastora que era, e que foi um dia de manhã a Lisboa e regressou nesse mesmo dia, pela tarde. 
Nova que era, sua mãe foi esperá-la ao comboio. Vendo ali pelos celeiros um rebanho de cabras a pastar, perguntou, à mãe, com enfado, que bichos eram aqueles.
São cabras minha filha, responde a mãe.
- replica então a filha, “ai aquilo é que são as caibras”!!! repetia, “ai aquilo é que são a caibras”
Perliquitetes, percebi então o que eram, quando o meu pai me contou esta história.
Vai-se de manhã a Lisboa e já não se reconhecem as cabras, já são caibras...
Ser ou estar “perliquitete”, é um modo de vida que esconde por entre um aparente bem vestir exterior, uma imensa superficialidade interior, mesmo entre gente simples e linda, como a Rosinda.
Mas isto são desabafos com que me rio, em manhã de domingo frio.
Vejam a versão original, que dá título a esta história.


AS MANAS PERLIQUITETES...

Chamavam-se Carolina Amália (1833-1887) e Josefina Adelaide Brandi Guido (1841-1907) e eram filhas de um abastado comerciante de origem italiana, estabelecido na Baixa de Lisboa. O seu irmão delapidou a fortuna que tinham e, por morte do pai, mudaram de casa e ficaram vizinhas de um dos maiores boémios alfacinhas, Luís de Almeida de Mello e Castro, cantor de fado, amador tauromáquico, presente em todas as tabernas desde o Rato até às portas de Lisboa. É ele que lhes dá a alcunha, cerca de 1870, apresentando-as como "As minhas pupilas, as Manas Perliquitetes". E assim ficaram para a história lisboeta.
As suas indumentárias eram, já na altura, um tanto extravagantes, com fatos e chapéus fora de moda, que lhes ficaram dos tempos áureos. Isso acentuou-se ainda mais com o passar dos anos, mas, de um adorno não prescindiam, usavam sempre uma flor na lapela! Também eram receptivas a alguns namoros e, no seu caminhar saltitante foram-se tornando presença diária, acima e abaixo no Chiado. Pouco a pouco transformaram-se em figuras típicas, chegando Bordallo Pinheiro, a retratá-las nas revistas humorísticos. Elas foram assumindo a pose e a lenda, apurando as toilettes fora de moda para fazer jus à imagem que Lisboa tinha delas criado. Carolina atrasava-se. 
Adelaide impacientava-se: “Então, mana”. O Chiado repetia em tom de gozo: “Ó mana! Então?”
Os seus dias foram-se tornando cada vez mais difíceis e a miséria foi avançando. Josefina Adelaide sobreviveu à irmã, acabando também por morrer a10 de Setembro de 1907 e, ser enterrada com o produto de uma subscrição feita pelo O Século.

Isabel de Melo e Castro, para "Lisboa Antiga"


“Então, mana!!!”, expressão que quase já não se ouve, e sem perliquitetes.

Manuel Peralta

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