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sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Morreu Alcains-Vila

O fim estava anunciado, só não se sabia, quando...
Mas, como tudo o que pode acontecer, acontece, não surpreendeu.
Os últimos tempos, anos de natural e irreversível definhamento, acentuaram a inevitável queda de um David, que, desta vez,  não venceu Golias.
Muito usada, a “funga” do David que atirava os seus escritos quase sempre avinagrados, desta vez, partiu pela “forcalha”...  e, que Deus lhe valha.


Refiro-me ao “David Infante”, António Simão David Infante de seu completo nome, um dos últimos Alcainenses, dos “bairristas”, dos que, como outros, infelizmente poucos, insubmissos, não dependentes, sem avença, por enquanto ainda cidadãos livres, de tanto amar a sua terra, olham para o desenvolvimento de Alcains, pelo lado do copo meio vazio, pelo lado do que, por direito, ainda falta fazer.
E se há tanto por fazer!!!
O David Infante, fez o Reconquista em Alcains, afirmo. Outros jornais, outros títulos, tentaram e nunca  conseguiram fidelizar quer leitores muito menos, assinaturas. Com a sua persistência em manter Alcains na crista da onda, David Infante, semeou, regou e plantou inúmeras Reconquistas nas comunidades dos nossos emigrantes, que deram frutos um pouco por todo o mundo. 


Só quem saiu, trabalhou, sofreu e viveu fora da sua terra, pode avaliar o interesse que tem uma pequena notícia sobre a sua terra, a sua rua, uma polémica, enfim “apeguilhar” a emoção de um falecimento, e todas as semanas chegar a “tchambaril”, com uma notícia, de véspera e de ouvido captada, de fonte não identificada...
David Infante, presumo eu que fruto da sua atividade, escrevia de faca afiada, sabia onde se encontrava a “jugular”, sabia onde doía quando operava o “marrantcho”, que incomodado ficava com a sua “verve”, semanalmente publicada, que incomodava.
Não escrevia, ocupando precioso espaço de jornal, sobre os problemas do mundo e arredores, em textos inócuos, pretensiosos, de oposição pretérita, hoje agradecida por prebenda recebida.
Nunca foi assessor, e mesmo em doença, nunca recebeu avença... a sua vida foi o trabalho e os seus, nada foram beneficiados, quando a gente conhece como o silêncio gerido, hoje bem pago, não merece castigo.
Desde as “pataniscas” cobradas a cinco “tostões”, em palito espetadas, no café do largo do poço novo, arrasado, tapado, que duravam o tempo televisivo do “Rim Tim Tim” do “Mascarilha”, e do “Cotchise”, até passados anos, às grandes comesainas no quintal, com o Porfírio, o ti Domingos Barata, o João Batista, o Ti Zé Amaro Gordo, vulgo Navalhinha, o ti Luis Amaro, vulgo Luis Pequeno até ao Mário Tavares e António Damas entre tantos outros, poucos, ainda do lado de cá, e, cada vez mais do lado de lá, o David Infante andava sempre numa “delandina”.
Sobremaneira me incomodava, já lá vão trinta anos, quando eu ainda usava cabelo, e estava na junta da freguesia.


Tive algumas desavenças com ele, particulares, e, nos jornais, públicas.
Mas em nada afetou uma sã camaradagem e um convívio fraterno entre duas pessoas que queriam, cada um à sua maneira, o bem para a terra deles, a nossa, a dos cães, Alcains.
As suas locais, eram um incentivo para a junta do Peralta do Amaro Minhós e do ti João Pereira, andarem na linha.
Quanto mais ele apertava com a junta, mais trunfos eu tinha perante um Vila Franca acossado pelo David Infante e por um presidente, eleito numa lista de cidadãos eleitores, não vinculado à maioria camarária, vinculada à AD. Mas foi muito lindo e gratificante, reconheço.
Certa vez e perante a incapacidade das autoridades, cumprirem uma decisão da assembleia da freguesia, de mudança do mercado semanal da praça, para a rua do charco vão, desabafava o saudoso cabo Marques.
Quem devia estar aqui é o presidente da junta. A quente, David Infante, escrevia uma notícia que entre outros considerandos sobre o tema, dizia.
- Tem toda a razão o cabo Marques.
Fui ter com o governador civil de então, Alberto Romãozinho, e de jornal na mão, disse-lhe. Se ao próximo sábado esta ausência de autoridade se voltar a verificar, entrego-lhe a junta.
O mercado, mudou.
Alcains-Vila, título das notícias de Alcains no Reconquista, começou por sugestão do Engº Caldeira Lucas, meu professor, então vereador na, como hoje, Câmara de Castelo Branco, quando em 12 de novembro de 1971, Alcains foi elevada a vila.


O próximo passo, como dizia Cunha Belo e Sanches Roque, era Alcains concelho. À medida que vou deixando de usar cabelo, cada vez mais me convenço, que o 25 de abril interrompeu este passo. Mesmo em democracia, há coisas que só um ditador travestido de democrata, consegue...
O David Infante foi um grande animador do desenvolvimento de Alcains, nas comissões para a criação do ciclo preparatório junto da família de José dos Reis Sanches, na criação da Consal, junto da família Barata, (Terlé) na implementação da zona industrial, na Alprema, na abertura da avenida 12 de novembro, entre muitas outras pessoas que em redor do bem para Alcains se associavam.


Reconhecê-lo, por parte de quem por lá andou, é um dever que devo ao meu amigo David Infante. Por mim a sua forma de lutar por Alcains, merece não passar despercebida. E, David Infante, mereceu e merece.

Se ele, lúcido, ainda por ali apanhasse sol no largo do poço novo, e visse o que estão a fazer por detrás da igreja matriz, em quelha, promovida a travessa da mateira, e, em que até o acesso à sacristia foi retirado, pedreiro livre que era, decerto diria que não é criando barreiras à entrada que se aumenta o número de fiéis... mas isto, como David Infante, era ver pelo lado de Alcains.


Quando vinha dos Açores repleto de saudades de Alcains, “amigo de dar fé”, queria saber de tudo. Desiludido com país e com o marasmo reinante, perguntava pelas gentes.
Acomodadas, silenciadas, não é pelo facto de haver democracia, que as pessoas são mais livres, disse-me, David Infante.


Com a morte de David Infante, morre também Alcains-Vila, e, sem mestra em colmeia, regressamos a aldeia.

Manuel Peralta

Nota: Os documentos do Reconquista e aqui publicados, dizem respeito aos ecos que no Reconquista, o seu jornal, deu fé sobre este triste acontecimento. Para a posteridade aqui ficam registados.

2 comentários:

  1. Obrigada muito obrigada por esta dedicatoria ao meu avo. Homem de garra que sempre foi

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  2. Não existem palavras, por tudo o que fez em vida.....

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