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sábado, 13 de outubro de 2012

Junta da Freguesia – março de 1980

Dando sequência ao tema que em fevereiro de 2012 deixei em aberto, continuo com nova ata em que resumo a atividade autárquica daquele tempo, 1980, trinta e dois anos passados.
Concluída a formação em Coimbra, um ano em Pinhel a dar aulas, guerra colonial, Guiné-Bissau, e (emprego) trabalho em Castelo Branco nos CTT – Telecomunicações, outubro de 1974.
Comecei por ali a tratar dos processos que se acumulavam... e que, por difíceis a caminhar para impossível de resolver, eram entregues aos juniores, básicos, que chegavam.
Apanhei então um pó, muito pó, que só me fez bem !!!


Aprendi, praticando, a diferença entre escrever e falar, e principalmente o cuidado com que se deve escrever, a ordem cronológica dos documentos, a registar tudo o que de relevante dizia respeito ao processo, um processo para cada caso ou tema, a classificação dos documentos, a dar entrada, a dar saída, a expedição e a ter sem atraso a vida administrativa em ordem.
Por pendente, marcar data, e insistir por resposta.
A vida administrativa da junta herdada, em 1980, era praticamente inexistente. Tudo era conversa. Inexistente documentação escrita sobre contratos verbais vultuosos com particulares, fregueses a perguntar por assuntos completamente desconhecidos da junta, saldo financeiro quase a zero, visto que a junta cessante distribuiu, para facilitar (?) a vida aos que lhe sucediam, subsídios mesmo aos que deles não necessitavam.
Perante esta situação, comecei a tentar aplicar na junta a vida administrativa dos CTT que a pouco e pouco ia aprendendo com as técnicas administrativas e datilógrafas, Dona Amélia, a Teresa do Estreito e a alcainense Anita Ramalho, filha do carteiro, o Ti Manelinho, que nos CTT me ensinavam.


Entretanto, tive que vencer a resistência do homem que na vida administrativa da junta, por vezes aos gritos, mandava, e mandava mesmo.
Refiro-me ao Carlos Farias Leão, conhecido por Carlos macaco, ou macaquinho... precocemente falecido.
Um homem sério, muito sério, daqueles em que se pode confiar. Tivemos algumas dificuldades de relacionamento no início, nomeadamente quando em privado lhe chamava a atenção sobre o modo ríspido com que tratava os fregueses que ao balcão da junta se dirigiam, mas esperto que era, depressa começou a tratar os fregueses com urbanidade e a ajudar e a preencher pelo seu punho impressos e outra documentação.
Dominado o Leão, e imbuído no lema de que os que mais precisam, mais devem ser ajudados, fez-se a junta à estrada.


Não havia lei das finanças locais, a junta estava completamente dependente da Câmara no que a dinheiros dizia respeito.
Mas a pouco e pouco o Dr. César Augusto Vila Franca que até ali tinha sido professor e que pouco saberia da gestão camarária, começou como eu na junta este aliciante caminho da descoberta...
Com 31 anos e a usar ainda cabelo, foi uma experiência irrepetível.
Voltando à ata, de 27 de março de 1980.


Começaram as crianças de Alcains a ir à piscina de Castelo Branco e para tal havia autocarro mas o motorista não estava habilitado a conduzir em estradas nacionais. A pedido da junta e graças à compreensão do comando da GNR de Castelo Branco, tal foi possível, e o Sr. Alfredo de boné de motorista lá conduzia um velho autocarro que ameaçava parar em cada curva.
Houve entretanto uma reunião da assembleia da freguesia onde a junta prestou contas da sua atividade, e onde se constituiu uma comissão de trânsito e outra de toponímia. A assembleia autorizou a junta a comprar duas casas junto à junta de freguesia velha que demolidas permitiram eliminar a dita e em palco mimoseada, de rua do funil, a caminho, do lado direito, da capela do Espírito Santo.
Autorizada também a comprar pequenas parcelas de terreno sobrantes do loteamento da Levandeira, hoje jardim que a foto documenta.


Houve entretanto uma reunião da assembleia municipal onde no período de antes da ordem do dia usei da palavra, naquele tempo o presidente da junta não era mudo, para, segundo a ata por mim escrita, e aqui reproduzida, expor os “problemas de fundo” que “afligiam” Alcains, nomeadamente o alargamento da estrada nacional 18, Alcains – Castelo Branco, o alargamento da ribeira da Líria, o reforço do respetivo pavimento, remodelação da rede de energia elétrica, mudança da estação de tratamento de esgotos, ETAR, e a cedência de um funcionário camarário para que a junta possa cumprir o estipulado na lei das finanças locais.


Destas preocupações foi, através de carta apropriada, dado conhecimento escrito ao Governador Civil, e Presidentes da Câmara e Assembleia Municipal.
O Dr. César Vila Franca tinha inaugurado uma nova forma de fazer política, de proximidade com os eleitos e regularmente fazia umas reuniões com os presidentes das juntas, que chegaram a ter visível notoriedade política. E, na Assembleia Municipal todos os presidentes de junta votavam o que o Dr. Vila Franca propunha. E é precisamente numa destas reuniões de presidentes de junta que fui escolhido entre os meus pares para fazer parte de uma delegação de autarcas concelhios que se deslocariam a Lisboa ao Ministério da Industria e Tecnologia e à EDP, para tratar dos graves problemas de abastecimento de energia elétrica concelhios.


O concelho estava praticamente às escuras, as indústrias queixavam-se de sucessivos e inesperados cortes de energia e a ex HEAA – Hidro Elétrica do Alto Alentejo sem capacidade de resposta.
Por ser de importância relevante para a história do desenvolvimento concelhio, tratarei oportunamente este tema em separado.
Fruto desta agitação municipal, com entrevistas nos jornais, a disparar um pouco para todo o lado, e a dar voz pública aos problemas de Alcains, começo a ser visitado.
Recordo uma entrevista que dei ao Jornal do Fundão, em que entre outras peraltisses dizia...  “ Os Holandeses fizeram a Holanda e os Alcainenses fizeram e fazem,  Alcains”.


É neste contexto que nos visitam na junta, o Engº Santos Marques, diretor da ex JAE do distrito de Castelo Branco, que prometeu e cumpriu o projeto de melhoria da estada de Santo António e o respetivo estudo de trânsito que permitiu a circulação de dois sentidos  no centro da Vila, e o Dr. Costa um excelente e sóbrio vereador da APU na Câmara Municipal, mas muito amigo de Alcains, com o Engº Barata o HOMEM forte da Ex HEAA, hoje EDP em Castelo Branco.


Sob o título “ Boa política da Junta da Freguesia”, David Infante, recentemente falecido e Alcainense de mérito, escrevia no Reconquista uma local em que se congratulava pelo regresso do cruzeiro do Senhor dos Esquecidos ao largo de Santo António.


Este cruzeiro pela mão da junta anterior havia sido transferido, contra a sua vontade, para o largo da ermida de Santa Apolónia. Eventualmente, e fazendo juz ao seu nome, Senhor dos Esquecidos, foi para a ermida para ficar ainda mais esquecido...
Voltarei também aqui mais tarde para contar uma história linda sobre este cruzeiro... passada comigo, obviamente.


Por carta de 18 de março dirigida ao Senhor Governador Civil, solicitava a junta a criação de uma escola do ensino secundário unificado em Alcains. Respondeu o Senhor Governador que iria fazer todas as diligências junto da entidade competente, para que Alcains visse satisfeita esta justa pretensão.


É justo reconhecer aqui o esforço e a pressão constante do Dr. Joaquim Manuel Carrega Barata Rafael, junto da junta e do ministério respetivo para se alcançar este desiderato. Mais tarde e ainda durante este mandato Alcains viu coroada de êxito esta justa e merecida pretensão. Alcains chegou a ter 800 alunos.
Enquanto a Câmara Municipal fazia um adiantamento de cem contos, hoje 500 euros à junta, a Câmara Municipal por pressão da junta oficiava à Hidráulica para elaborar projeto de reforço do pavimento na rua então recente e popularmente batizada de 25 de abril, perdendo o antigo nome de Dr. António de Oliveira Salazar.


Deixei deliberadamente para o fim a questão pendente do Solar Ulisses Pardal, nomeadamente dos terrenos destinados ao infantário.
A junta foi a casa do Dr. Ulisses Pardal em Castelo Branco para tratar deste tema, herdado da junta anterior.
Entrámos, pela criada fomos encaminhados para a sala de visitas e ali esperámos algum tempo pelo Dr. Ulisses.


A conversa foi anormal e urgentemente breve.
- Depois de breve e fugidio cumprimento, o Dr. Ulisses disse para os atónitos 3 membros da Junta.
- Fui aluno em Coimbra do Prof. Dr. Oliveira Salazar, e, este ensinou-me que, a justiça pede-se de pé, razão pela qual não me sento. Informo a junta da freguesia de que, enquanto não for feito o “distrate” da escritura do terreno do infantário, e o mesmo não passar para a posse do proprietário anterior, não voltarei a ter qualquer contato com a junta. Esta minha posição é inegociável uma vez que a junta não cumpriu o que os termos da escritura impunham.


Meio aturdidos com o distrate, julgo que foi a primeira vez que ouvi tal termo jurídico, argumentei que a junta não tinha o poder de por si só reverter tal escritura, mas que iria pedir a convocação de uma reunião extraordinária da assembleia da freguesia par a questão ser tratada.
- É problema seu, disse.


A assembleia foi convocada e... voltarei ao tema quando a chuva começar a cair.


Manuel Peralta

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