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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Entrudo em Alcains, 2012

A última contradança…

Em Alcains o Carnaval tinha e tem, embora cada vez menos, o nome de ENTRUDO…
Costuma estar o frio que o Zeca cantava… Ó entrudo, ó entrudo, ó entrudo chocalheiro… que não deixas sentar, as mocinhas ao solheiro…
Entrudo, intruso, o que entra sem ser esperado, intrometido, pessoa que se veste ridiculamente, objeto de chacota pública nas brincadeiras destes três dias que antecedem a quaresma, quaresma, que é um período de tempo e de renúncias, compreendido entre a quarta feira de cinzas e o domingo de Páscoa.
Fez uma “arrenúncia”, jogava sueca no Ti Domingos, tinha trunfo e não deitou, passou…renunciou.

Desfile de idosos do lar Major Rato – 2012

Quarta de cinzas, de resíduos de corpo queimado, restos mortais, memória de finados, o que finou, acabou, luto, mortificação, dor, primeiro dia de quaresma, quarta feira com missa na matriz e cruz de cinza na testa a gente que se presta.
Porque à desforra do Carnaval, sucede a renúncia quaresmal…
Já há vários anos que as contradanças da Lousa e dos Escalos de Cima não visitam Alcains, parecendo que por lá a recessão, também contamina a alegria de viver, a imaginação, e a diversão quer a Escalenses quer a Lousenses…
Em Alcains, que me lembre, a última contradança que vi e acompanhei, foi a da fábrica Lusitana, que aos pares desfilou por Alcains, no entrudo, por volta de 1965 a 1970, cantando uma moda intitulada, “As Meninas da Farinha.”
Cito de memória a letra, canto a música apenas de ouvido, visto que, apesar de ter aprendido algum solfejo, este Peralta, não sabe fazer pauta.
Então, aí vai.

Desfile do lar Major Rato – 2012

As meninas da Farinha,
Gostam muito de f(e)lores.
Elas só se sentem bem,
Ai ó pé dos seus amores.

Ai ó pé dos seus amores,
Quando estão a namorar.
Elas parecem branquinhas.
Branquinhas comó luar.

Branquinhas comó luar,
Comó luar de janeiro.
Quilumina o casado,
O viúvo e o solteiro.

Era uma contradança exclusivamente feminina, tinha até um homem de chapéu alto que protegia “as meninas da farinha”, dos olhares pecaminosos e das investidas dos metalúrgicos dos Isidros, dos carpinteiros do Rafael e Chico Preto, e dos pedreiros de pico ao alto, prontos para imprevisto desbaste que poderia acontecer, nos trejeitos das ancas que as meninas da farinha, meneavam, quais odaliscas, em dança sem facas, de boas e belas lascas…

Ti Marcelino, desta vez “está mesmo pintédo”.
Desfile do ler Major Rato – 2012.

Ontem, em almoço caseiro de domingo gordo, de bucho, farinheira, chouriça, chispe, lacão, focinho, coxa de franga, naco de vitela, orelheira, batata, cenoura e muita couve lombarda, regado com tinto a preceito, e para amaciar a brita, papas de carolo com raspa de laranja, também se falou de entrudo, contradanças, caqueiradas e entremesadas.
Quando o estômago deixou de saltar, já no início da segunda volta, e por se falar de se estar mais ou menos gordo, refletia o meu pai.
Ó filho - esta coisa da gordura é como o dinheiro em obra, deve-se ter sempre algum de sobra…
Anotei e registei.
Também em 1940 se fez uma contradança ensaiada pelo saudoso mestre José Rafael, pessoa atenciosa e de bondade infinita, dizem os meus pais, que fez letra e música acompanhado por outro grande Alcainense, José Fortunato um excelente músico, tocava saxofone, e homem empreendedor.
Ensaiavam numa sala por debaixo do atual Clube Recreativo Alcainense, e desfilaram em Alcains, dez pares, elas vestidas de aldeona e eles de sapato e calça preto, camisa branca e papilon.
À frente o par era o meu pai, José Paralta e a Lurdes Placa, acompanhados pelo Narciso Cigarro, Marcelino Pintédo, entre outras e outros.
De memória de meus pais, dou à estampa o que então por Alcains se cantou.

Nossa terra é a mais bela,
Entre todas as melhores.
Não há outra igual a ela,
No mundo e arredores.

Pois sejamos filhos dignos,
Do nosso torrão natal.
E cantemos forte e viva,
Alcains e Portugal.

E viva a festa das papas,
Que toda a gente conhece.
Viva o povo de Alcains,
Que tanta gente enaltece.

Esta festa não tem só,
O carater folgazão.
Mas tem o nobre sabor,
De manter a tradição.

Alcainense do bem,
Prá frente toca a marchar.
Pois pró bem dAlcains,
Todos devem trabalhar.

Há setenta anos, foi assim.

Ti Marcelino “pintédo”, desta vez, acompanhado por quatro lascas…
Desfile do lar Major Rato – 2012

Ontem, sem contradança, entremesadas ou caqueiradas, acabaram as galarissas, mercado abastecedor de material para as caqueiradas, o entrudo celebrou-se com o desfile da miudagem e dos idosos do lar Major Rato.
Desta vez, o Ti Marcelino ia mesmo pintédo…
Entretanto, e enquanto tirava umas fotos, um passeio repleto de marretas comentava as simpáticas e desenxovalhadas acompanhantes dos idosos, dizendo para o Ti Marcelino.
Eu quero ir para o Lar, eu quero ir para o Lar…
Josés, desde o Rafael ao Penedo, do Alice irmão do Seguélhinho, ao Borronha, e do Moisés que de frio batia os pés, ali tudo tirava linhas, sob o olhar discreto do João, o Palhinhas.
É carnaval, quem poderá levar a mal.

Manuel Peralta

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