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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Em 1980, como é que se ia para a Junta da Freguesia?

Tudo tem um princípio...

Antecedentes.

Até ao 25 de abril de 1974, a escolha do Presidente da Junta era feita pelo Governador Civil do distrito, com o acordo ou conhecimento do Presidente da Câmara Municipal e outras entidades, nomeadamente a Ação Nacional Popular, partido ou Associação política do regime vigente, que controlavam a atividade política no país.
Normalmente, nas freguesias rurais, a escolha recaía naqueles a quem poderíamos chamar dos “homens bons”, com alguma instrução, normalmente usando chapéu colete e casaco, ou por outros homens que se distinguiam pela sua capacidade de realizar como empresários de sucesso, ou neófitos da ANP, nas freguesias em trânsito para a urbanidade.

Passagem de Marcelo Caetano por Alcains

Só existiam então as Juntas de Freguesia.
As Assembleias de Freguesia são uma criação da democracia.
Com o acontecimento histórico que foi o 25 de abril, a Junta da Freguesia de Alcains de então, aliás como todas as outras, viram-se confrontadas com tentativas de substituição, pelos muitos democratas então nascidos e principalmente pelos opositores conhecidos e declarados, ao regime deposto.

RI15-Tomar – Aspirante Peralta cumprimenta o Comandante

As “coisas”, parece que não terão corrido bem aos que se preparavam para “sanear” a Junta de antes do 25 de abril, e esta continuou, agora já abençoada pela democracia, até à realização das primeira eleições autárquicas da democracia que se realizaram nos finais de 1979.
Eu estava na altura na Guiné Bissau a cumprir a minha “missão à Pátria”, na guerra colonial, e como não assisti, deixo para os que assistiram, viveram, e de um ou do outro lado participaram, os comentários sobre esse período da vida política de Alcains.

Guiné Bissau – Alferes Peralta com “bajudas” em Quebo

Não havia lei da Finanças Locais, em 1980 a Junta efetuava por administração direta, quase todas as obras na freguesia e a sua vida financeira dependia por um lado, exclusivamente da vontade do Presidente da Câmara Municipal e por outro, da capacidade de influência do Presidente da Junta, junto da Câmara e da Assembleia Municipal.
Havia partidos políticos e uma “caça” por parte destes, às cabeças que sobressaiam na democracia política então ainda criança.
O meu interesse e por assim dizer, o despertar, para a coisa pública, nasceu de uma grande amizade e apreço que tenho e mantenho, pelo Padre Álvaro Pereira de Jesus, Padre “cuco” para as “ratas de sacristia”, que no escutismo me incitou a escrever para o jornal Reconquista, sobre o atentado urbanístico que se estava a cometer em Alcains, quando se abriu a rua do Chafariz Velho.

Padre Álvaro e Manuel Peralta

Teria eu 15 ou 16 anos, e andei uma semana a pedalar para o seminário para o Padre Álvaro, rever, acrescentar e dar o acordo final ao texto.
Cito de memória texto que não tenho, mas estará publicado no Reconquista…” quando é que Alcains terá homens, homens com H grande, que saibam por os interesse públicos, os interesses de Alcains, acima dos seus interesses particulares…”?
É que a rua do Chafariz Velho, nascia muito estreita, mesmo para aquele tempo de carros inexistentes, com curva que se dizia feita a preceito dos interesse particulares.
Muito admirado fiquei quando após publicação do artigo, me vi cumprimentado e incentivado principalmente por homens mais velhos, sobre a razão do meu escrito.
Tomei-lhe o gosto a partir daí… isto, por volta de 1965/67.
Entretanto, com os estudos secundários feitos diariamente de bicicleta entre Alcains e Castelo Branco a correrem bem, consegui após explicações dadas nas férias grandes, pelo Zé Minhós Castilho, estudar e tentar aprender dá muito trabalho, continuar os meus estudos em Coimbra.

Da esquerda para a direita
Carlos Venâncio, José Caldeira(falecido), Peralta, Manuel Pereira e a inseparável bicicleta do Zé Caldeira.


Em 1969 estava por lá e assisti à “crise académica” de então com a polícia de choque a reprimir os estudantes, as greves aos exames, ao pacifismo das ações dos dias da flor, e do balão, enfim todo um despertar para uma vida de contestação, que até ali o “escuteiro” Manuel Peralta, sem perder o norte, naquele tempo chumbar dava em casa direito a “tapona”, conviver de muito perto com o que se passava.
“Ceder um pouco é capitular”, assim se imprimia a “stêncil” na rotativa da 5 de Outubro, donde quase saí com a especialidade de tipógrafo, dominando as técnicas da cera perdida, na impressão de uma rudimentar e manual máquina a que apelidava-mos de “janela”.
Ali se imprimia o Integral, o jornal do Instituto Industrial…

Ezequiel Rafael e Peralta na estação da CP de Alcains, de partida para Coimbra.
Esta foto foi tirada pelo controlador de imagem da RTP, de nome Joaquim Bispo, mágico nos tempos livres em 4 de Janeiro de 1971.

Em casa na rua Bernardo Albuquerque, no 132 r/chão, com o Ezequiel Rafael, o Zé Minhós Castilho, o João Manuel Batista, todos de Alcains, a dialética, a discussão, a análise faziam parte de uma vida de estudante e de cultura, onde tudo era dializado, os filmes, o Comércio do Funchal, os livros que clandestinamente circulavam, os congressos da Oposição Democrática de Aveiro, enfim um fervilhar social prestes a ruir, com pressão de autoclave prestes a explodir…

1969. Abertura Marcelista. Eleições.

Sessão privada na Casa do Povo de Alcains.
Presentes, o Governador Civil, a Junta da Freguesia de Alcains entre outros Alcainenses por assim dizer do lado da situação, e do lado da oposição “dita por eles de colaborante”, o Zé Minhós Castilho e Manuel Peralta.
Discutia-se que era necessário que Alcains desse um sinal, sinal esse de votação expressiva nos deputados a eleger, afetos ao regime de Marcelo Caetano, pois essa seria a forma de Alcains ver satisfeitas as muitas e variadas necessidades que se faziam sentir e eram as aspirações da generalidade dos Alcainenses.

De camuflado no Cubijã - Aldeia Formosa - Guiné Bissau

Lamentava-se o Presidente da Junta de que Alcains não era terra fácil, que não tinha mão nas pessoas e que nada poderia garantir quanto a votos…
Voltando-se para outro Alcainense, entretanto falecido, sugeria o Governador Civil.
-Oh, fulano de tal… você sabe bem como se fazem…
Estava óbviamente a referir-se a chapeladas de votos que entravam nas urnas sem qualquer controlo e muito menos sem fiscalização da oposição, que não era permitida nas assembleias de voto.
Por ali fiquei esclarecido…
Relembro entretanto, que fui ao escritório do Dr. Manuel João Vieira, líder da oposição ao regime em Castelo Branco, que conhecia como aluno e com quem tinha relacionamento fácil, a quem contei o que se passava, e dias mais tarde voltei lá, donde trouxe para Alcains dois exemplares do cadernos eleitorais, onde se poderia saber quem tinha direito a voto, documentos clandestinos, que entreguei aos Alcainenses que, naquele tempo, eram a oposição em Alcains para que a partir dali informassem os eleitores e os incitassem a votar.
Como não tinha direito a voto, fui para Coimbra e as eleições decorreram como se sabe.
Acabei o curso, fiz estágio e dei aulas em Pinhel, fui para Mafra para a tropa e em julho de 1973 embarco no N/M Niassa para a guerra colonial na Guiné Bissau.

Mafra - Companhia de soldados cadetes
De pé e da esquerda para a direita, Manuel Peralta é o 6º

Regressei em Setembro de 1974, a um Portugal a caminhar em democracia.
Continua oportunamente.

Manuel Peralta

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