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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A Rua Longa (Rua da Liberdade)

Os seus Comércios - O seu Artesanato

Longa é a Rua, assim como longa é a lista de nomes das pessoas que em meados do século passado ali exerciam a sua actividade, para responder ás necessidades de Alcains e terras vizinhas.


Embora a minha memória já não ser o que era antes, vou tentar recuar no tempo para dar a conhecer a quem não viveu essa época, e relembrar a quem esqueceu, todas as actividades que ali foram exercidas.


Vamos começar o nosso passeio no início da Rua Longa, logo na primeira casa do lado esquerdo da igreja: a “Alfaitaria” do Ti Amável, que além de trabalhar com a sua esposa e, filha, ainda dava emprego a algumas raparigas.
Além de alfaiate, também era concessionário das máquinas de costura ALFA; máquinas que disponibilizava ás raparigas interessadas a aprender a arte de bordar e, como havia sempre muitas candidatas, tinha que coordenar os horários de forma a que todas tivessem a oportunidade de aprender.
No fim do curso, havia sempre uma exposição aberta a toda a comunidade alcainense, e ao mesmo tempo votar na melhor peça.


Logo paredes-meias estavam a “Pensão Almeida”, gerida pela Ti Conceição Almeida e filha Celeste: desconheço quantos quartos tinha.
Entre outros, era ali que comiam e pernoitavam o Sr. Joaquim “ourives” (natural de Varziela - Cantanhede) e um dos capadores que vinham com alguma frequência à Terra Deles.
Foi também nesta pensão que durante muitos anos esteve o Ti António (Contrabandista); figura típica natural de Salvador, que se considerava alcainense.


Continuando pelo lado esquerdo, depois de caminharmos alguns metros, chegamos à residência e “Padaria” do Sr. José André, onde a Ti Piedade (Tira Linhas) se afainava durante todo o dia ao balcão. Vendia o pão feito com farinha de trigo a 3$30, de centeio 5$00, carcaças 1$80, papo-secos $40, farinha e farelo. (Preços praticados no fim dos anos 50, início de 60).
O pão de centeio (dos pobres) teria cerca de dois quilos, daí a diferença de preço.
Toda a farinha era produzida na fábrica do Sr. José, situada no Largo de Santo António.
O pão inicialmente cozido num forno construído no quintal da residência, mas tarde passou a ser cozido na traseira da fábrica, em fornos novos construídos pelo Ti Adriano “Chupa” (da Churrasqueira a Lanterna), com entrada pela Travessa Dr. Sanches Semedo (Travessa da Rua do Cemitério).
Depois de a fábrica encerrar, a padaria também foi transferida para o Largo de Santo António e, ainda com a Ti Piedade ao balcão durante alguns anos.

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Na casa a seguir, estava a Ti Maria Duarte Lopes “Costureira” (também lhes chamavam modistas), sempre com muitas raparigas a ajudar e, ao mesmo tempo aprendiam a profissão.
Do lado oposto (direito) a Ti Josefina Leão, “Bordadeira”que executava trabalhos por encomenda.


Depois de uma dezena de passos chegamos ao Ti Manuel Ramos e à Ti Capitolina.
No primeiro andar a Ti Capitolina exercia a actividade de “Costureira”, com algumas rapariga a aprender.
O rés-do-chão dividido em duas partes, tinha de um lado, o “Stand de electrodomésticos” que na época se limitava ao ferro de engomar, pequenos fogões eléctricos, a gás, candeeiros e rádios.
Do outro, o “Ciclo Ramos”: venda e reparação de bicicletas.
(Actualmente é em frente ao Lar Major Rato que o Ti Manuel Ramos ainda vai vendendo e reparando algumas bicicletas).
Foi nesta casa que habitou o Sr. Gabriel Valente e esposa Sra. Dores que tinham o seu lagar, comércio de azeitona e carne suína, no Chã da Corte.


Voltando ao lado esquerdo e caminhando mais meia dúzia de metros chegamos ao ao Zé Caçapinho “Barbeiro” (filho do Ti Zé Caçapo, da Ti Justa e, irmão da Ti Piedade Tiralinhas), que além de barbeiro era um excelente músico, que na sua época ainda formou um grupo musical.
Não conheceu este homem, ainda devia usar fraldas quando ele faleceu, mas recordo-me ouvir dizer que o Zé assobiava como um rouxinol e, ouvia-se ao longe


Do mesmo lado a escassos metros, a Ti Maria da Silva e Esposo, Agricultores e “produtores e vendedores de Queijo”. Pelo menos um dos seus filhos o Jaime, deu continuidade à actividade familiar.

Vamos regressar ao lado direito, e parar na esquina com a da Quelha da Mateira.
Ali na casa da Ti Antónia Valadeiro no rés-do-chão, funcionou o “Posto Sanitário de Controlo do Leite”. Passagem obrigatória das leiteiras antes de poderem vender o leite ao cliente.
O controlo era feito com o lactodensímetro, exemplo: quanto mais água misturassem no leite mais o aparelho descia, sem contudo indicar a quantidade de água. Hoje a crioscopia além da densidade, indica a percentagem de água misturada.

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Acontecia que lhes despejassem o leite na sarjeta se fosse detectada alguma irregularidade.
Trabalhavam ali dois funcionários: o Sr. Manuel Lopes dos Escalos de Baixo, e o Sr. Rebelo (morava na Rua da Pedreira, na pequena casa que faz ângulo com a rua que comunica com a nova urbanização).
Mais tarde este posto foi transferido para a praça, por baixo do terraço do Ti Zé Fortunato e, o técnico passou a ser o Ti Sebastião Amaro. Recordo ouvir dizer ao Ti Sebastião que para medir a densidade do leite, não lhe fazia falta o lactodensímetro; bastava-lhe para isso cheirar álcool e depois o leite, e o seu palpite era infalível.


Na outra esquina, o Ti Manuel Aurélio “Sapateiro”. Este alcainense dentro das suas possibilidades também ajudou muito o GDA e CDA. Era o Ti Manuel Aurélio que efectuava gratuitamente os consertos nas chuteiras dos jogadores. Facto pouco conhecido, mas grande prestação que este alcainense ofereceu ao nosso futebol. Aqui fica o reparo.
No mesmo local, também trabalhava a sua esposa Ti Etelvina como “Costureira”. Esta Senhora fazia os chumaços e entretelas, que o sr José Marque Rafael depois utilizava na confecção dos casacos (nos ombros e golas).


Logo a seguir o Sr. Benedito Beirão. Com uma “Loja” semelhante à da Ti Brandoa, também ali se vendia um pouco de tudo. Do cobertor ao lençol: da chita e do riscadinho ao serrobeco: da ganga e da bombazina à boa fazenda: era uma autêntica caverna de Ali Baba.


Voltando ao lado esquerdo e quase defronte, o Ti Fortunato “Ourives”, que executava todas as reparações em objectos de ouro. Percorria as ruas de Alcains e terras e vizinhas com a sua “mala ateliê” às costas lançando para o ar o pregão: “Têm por lá ôrô prárranjar”.
Também recebia clientes na sua residência, aonde vendia peças de ouro usadas, algumas depois de serem restauradas por ele.
(O filho mais velho Manuel, companheiro de jogos de criança do MC, marca sempre presença como “alfarrabista” na feira de antiguidades que se realiza no terceiro domingo do mês em Castelo Branco, onde tem residência, assim como o seu irmão Francisco).

Sempre do lado esquerdo, mais uns metros e chegamos à “Loja (Mercearia)“ da Ti Patrocínia e Ti Chico Sousa. Figuras muito populares da Rua Longa, tinham a residência e “Loja” de um lado da Rua, e “Barbearia” do outro (direito).
Via passar muitas vezes este Senhor com a malinha da ferramenta à minha porta, quando ia cortar o cabelo aos seminaristas.

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Logo a seguir à Barbearia, a residência e atelier do “Tintureiro” do qual não me recordo o nome. Mais tarde este local foi sede do GDA.
Na época foi uma grande inovação que chegou a Alcains. Tinha uma vasta clientela que farta de andar sempre com a mesma roupa, tinha ali a possibilidade de lhe mudar a cor e ficar praticamente com uma peça nova.
Hoje com as novas tecnologias, é fácil mudar a cor da roupa em casa.
(Este Senhor não era de Alcains, mas viveu ali muitos anos).


Vamos novamente mudar para o lado esquerdo e chegamos ao Sr. José Marques Rafael e à sua “Alfaiataria”(no tempo a maior de Alcains).
Sob o comando do Mestre, também ali trabalhavam os filhos Ramiro e Hélder. Também foi com o mestre José que o Jorge (alfaiate) aprendeu a profissão (outros haverá?).
Nos anos 50/60 era para as raparigas um privilégio trabalhar naquela Alfaiataria.


Logo a seguir o Ti João Galvão (Chapeleiro). O trabalho nos chapéus era fisicamente muito extenuante. Os chapeleiros empregavam constantemente um ferro quente (tipo ferro de engomar) e só com grande esforço conseguiam dar as formas ao chapéu.
Em tempos, um chapéu usado ou que já “estivesse russo” (um pouco descolorido) devido à sua exposição ao sol, o chapeleiro virava-o e ficava como novo.
A sua área, de vendas também se alargava ás feiras e mercados da região.


Voltando ao lado direito, o Ti Manuel Preto “Sapateiro” (sogro do Ti Moisés Rafael).
Homem muito comunicador e em certas ocasiões meteorólogo. A sua esposa Ti Trindade ainda era minha parente.
Contava o Ti Manuel que um dia estava como era hábito a trabalhar com a porta aberta, sentado em frente à janela e cabeça baixa, enquanto dava alguns pontos num sapato, quando lhe pareceu ver um relâmpago escuro atravessar o “patinho” (patamar) em direcção ás escadas.
Hesitou, ainda deu mais algum ponto, mas acabou por ir verificar e, qual não foi o seu espanto, quando viu uma cigana toda gaiteira muito cautelosamente a subir as escadas.
Imagino a cena, que deve ter causado grande alarido na Rua Longa, e não só.


Logo a seguir ainda do mesmo lado, o Ti João Leão “Sapateiro”a quem numa ocasião ouvi dizer que todos os dias “matava o bicho” com o seu amigo Ti Chico Sousa.

Duas casas mais acima a “Venda (taberna)” do Ti João(Pacheco) que faz esquina com a rua do Sr. Vigário.(Era sogro do André Requeita e moleiro na fábrica do Sr. José André).
Seria aqui que os dois amigos matavam o bicho?

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Defronte, o “Escritório” do Sr. Trigueiros: hoje diz-se da Lusitana. Em tempos havia ali cinco empregados, entre eles o Sr. Cunha Belo.
(Entrei neste escritório centenas de vezes).

Um pouco mais acima paredes-meias com a capela do Sagrado Coração de Jesus, havia o “Armazém”, gerido pela Ti Maria de Jesus Minhós.
Vendia-se ali produtos das Fábricas Lusitana: farinhas já empacotadas e avulto; sêmeas grossa e fina, farelo e rabeiras, estas últimas para as galinhas.
(Apenas que saí da escola, trabalhei durante algum tempo na Fábrica e, como ajudante de fiel de armazém do Ti Manuel Domingos Prata, tive oportunidade de passar muitas guias, entre outras, algumas para o designado “Armazém”. (O Escritório e o Armazém estavam instalados no rés-do-chão da residência do Sr. Trigueiros).


Do lado oposto estava a “Mercearia” da Ti Rosa Vicente. Estabelecimento de pouca dimensão mas, também ali havia um pouco de tudo.

Após uma caminhada de uns 40 metros e do lado esquerdo, a Ti Rosa Roxo, “Costureira”.
Também sempre com algumas raparigas a trabalhar e aprender o ofício.
Logo a seguir, o “Café”dos irmãos Prata, Manuel e José (os Facas). Desconheço a origem do apelido mas, recordo-me de ali ver a televisão, na ocasião ainda coisa rara em Alcains.
Além dos episódios da Lassie, do Rim-Tim-Tim, Os quatro Homens Justos e Polícia da Estrada, também me recordo lá ver o “Super Carro”, com excelentes episódios para nós ainda um pouco acanalhados.

Paredes-meias a “Padaria” também propriedade dos irmãos Prata. Muitos empregadores, ali se vendia farinha, farel e o pão cozido em fornos a lenha nas suas instalações.
A senhora que estava ao balcão e, da qual não me recordo o nome, era esposa do José e era natural da Mata.


Do lado oposto o “Stand de Bicicletas Prata”, também propriedade dos dois irmãos. As bicicletas que ali se vendiam tinham a sua própria marca: “Prata”.
Mais tarde também venderam máquinas de costura e, seguindo o exemplo do Ti Amável, disponibilizam máquinas para as raparigas aprenderem a bordar, com exposição no fim do curso.

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Voltando ao lado esquerdo chegamos à ultima casa da Rua Longa, à “Venda” do Ti André Ranhado, local onde passei alguns bons momentos.
Também ali se vendia enchidos, preparados pela sua esposa.


Dou por terminado este passeio na Rua Longa, hoje Rua da Liberdade que em tempos foi o coração de Alcains, hoje quase deserta, com muitas casas sem telhado, e prestes a ruir.
(Peço a vossa compreensão por algum eventual algum erro ou omissão. Os anos que passaram já são muitos, e a minha memória já não é a do adolescente daquela época).

MG

As fotos da rua Longa e agora da rua da Liberdade, mostram bem o estado de abandono, decrepitude e ruína em que se encontra uma das principais artérias de Alcains... que já foi.
Primeiro a ex - Junta Autónoma das Estradas, agora Estradas de Portugal, que através de lei estúpida não permitiu qualquer intervenção nas habitações sem que recuassem para alinhamentos proibitivos.
Depois, o marasmo requalificador Municipal, do qual não se sabe a rua da Liberdade é propriedade do Município ou das Estradas de Portugal.
Tudo isto, aliado ao facto de a rua ser principalmente habitada por casais de idosos que a pouco e pouco foram morrendo, conduziu ao estado actual... uma vergonha, uma miséria...
O tão propalado plano Municipal de alinhamentos e a prometida requalificação continuam no congelador dos autarcas.
Até quando?

Manuel Peralta

9 comentários:

  1. Parabens Peralta por mais um excelente trabalho de conhecimento e pesquisa. Foi realmente uma Rua muito concorrida, com muito comercio e de muitas artes e oficios. Faz-nos recuar uns bons anos atras passados na nossa juventude que os mais jovens certamente nao conheciam e que com este resumo historial, ficam a conhecer. Pena realmente o estado de degradação a que chegou. É o espelho do estado da nossa vila em todos os sentidos. Mais uma vez parabens e continua com estes excelentes trabalhos que tens dado a conhecer às gentes Alcainenses.
    Um abraço
    Jose Maria Teodoro

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  2. A Rua da Liberdade...que já foi Longa...e atractiva...

    O texto de MG, relativamente à Rua onde nasci, nascia-se em casa no nosso tempo, constitui um exercício de memória exemplar.
    Alguns dos nomes, evocam bons momentos. A Pensão Almeida, num tempo em que não havia ASAE, e onde se alojava o Sr Joaquim “Ourives” quando por aqui andava, e como natural de Varziela, zona de Cantanhede, era um amigo dos estudantes de Alcains que em Coimbra dávamos no duro, para acabarmos os Cursos em que andávamos embrenhados.
    E creio que uma vez, em finais dos anos 60, quando já não se deslocava de motorizada, mas de automóvel, nos terá dado uma boleia para a cidade do Mondego, ao Zquiel, a mim e ao “homem do leme”.
    Recordo-me que nas férias, no Verão, chegaria a trazer com ele o filho, que creio quando Fur. Milº na Guiné, uma Mina AP levou a uma amputação de um membro inferior.
    Anos antes, quando eu fizera a 4ª classe, fora para lhe comprar o meu primeiro relógio de pulso, que eu partira o mealheiro onde acumulara a quantia requerida.
    Também passou pela mesma Pensão, um colaborador da Empresa para onde fui trabalhar na década de 80, o Sr Manuel Campos Proença, que quando em serviço de Victor Guedes, que tinha um espaço na estação da CP, por aqui passava uns meses cada ano.
    E confraternizava com homens como Leonel Venâcio, Zé Castilho “da Loja”, António Damas, David Infante, e outros, passando pelo Clube Recreativo.
    Quantas vezes em Abrantes, não ouvi o seu longo desfiar de recordações, dos anos que aqui passou, alguns meses cada ano.
    Natural de Oledo, fui ao seu funeral, onde conheci um filho, que fizera a carreira escolar em Castelo Branco, colega do Zkiel, e na actividade profissional, companheiro do João Manuel Baptista.
    Como muitas vezes os nossos caminhos e os dos nossos amigos se cruzam...
    Voltando porém à Rua da Liberdade, justíssima a menção ao Ti Manuel Aurélio, que um dia vi nas artes do Teatro, dando vida a um dedicado e atrapalhado Miranda no Frei Luís de Sousa, na JOC.
    Quanto ao “Caçapinho”, que terá sido meu colega de brincadeiras de criança, segundo MG, creio referir-se ao Tó Manel, que no entanto era um pouco mais novo, e creio que foi cedo para Castelo Branco.
    Lá mesmo no final da Rua, nos domínios dos “Facas”, recordo-me do Ti Domingos e dos filhos Manuel, Zé, e Ana.
    A esposa do Zé, de quem MG, não recordava o nome, era a Salete, da Mata, ainda aparentada com a minha família.
    A irmã, para sempre a menina Ana, terá assumido durante muitos anos a venda de pão, farinhas e afins.
    E admiro-me que MG, não tenha associada a esta família, a alcunha em alcainês corrente de Sarineus!
    Parece que tal alcunha teria origem nas “ligações perigosas”, do Ti Domingos, com Cirineu, uma figura,que terá dado origem a um texto de Fernando Paulouro Neves, já que o dito seria da zona do Fundão. Dele diz o autor, (…) « Num tempo onde ser pobre, era ser infame. Cirineu aparece-nos como um grito dos oprimidos, dos fracos, dos mal nascidos. Esta é a história de um passado recente, dividida entre ricos e pobres; entre quem tem o poder e quem é subjugado e onde a impunidade de quem manda contrasta com a fragilidade de quem nada pode (...)». Dizia a minha mãe, que Cirineu era um homem pequeno, mas ao ser sussurado que ele andava por Alcains, num tempo em que as chaves dormiam nas portas, naqueles momentos estas se trancavam e os medos surgiam...
    Acho fascinante esta figura, e procuro afincadamente o texto em causa, que suponho abordará a figura de um Zé do Telhado, à escala da Beira Baixa de então.
    Fica talvez muito por dizer, mas creio ter aberto algumas pistas para alguns comentários, ajudando a fazer a “estória” de uma Rua, cuja degradação começa com o irreal plano de alinhamentos, prossegue com a indefinida transferência de responsabilidades autárquicas, e outras vezes, a heranças em devido tempo, mal resolvidas.
    A população portuguesa envelhece e a Rua da Liberdade, em Alcains, acompanha a tendência.

    MC

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  3. Excelente trabalho, Peralta!
    Relembrei muitos pontos que há muito não lembrava e de outros falaste que estavam já no limiar do esquecimento.
    Abraço!

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  4. Rua da Liberdade...que em tempos...foi Longa.

    No comentário que inseri relativamente a este tópico, aos mais distraídos, citar as palavras de Fernando Paulouro Neves, poderá parecer redundante, mas é tão simplesmente referir um texto saído da pena do Director do Jornal do Fundão.

    O autor, tem alguns textos de índole social publicados, tais como : A Guerra da Mina e os Mineiros da Penasqueira, em colaboração com Daniel Reis; “O Foral : Tantos Relatos / Tantas Perguntas”, um texto dramático; e um outro, “ Era uma vez Cirineu”.

    Levado à cena pela Compª Teatro das Beiras, de que FPN já foi director, com o título de, “CIRINEU – uma morte anunciada”, teve estreia em 23 de Junho de 2010.

    Um trágico herói para uns, um mal nascido para outros, quase uma lenda para outros tantos, cuja vida se desenvolveu na ténue fronteira entre o Mal, o Bem e o assim assim...por esconsos caminhos e atalhos da Beira, sobre os quais entretanto passou quase um século.

    Também são estes os desígnios sobre os quais se alicerça aos longo dos anos, a história de um aglomerado urbano, que é a nossa Terra dos Cães.

    MC

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  5. Travessa do Tourão


    Depois do nosso passeio pela Rua Longa alguém me contactou para dizer que, passámos pelas Travessas do Tourão e da Mateira e não entrámos.
    A ideia ainda me ocorreu, pensei que não era o momento oportuno, mas nunca é tarde e penso com estas linhas concluir este capítulo.

    Na travessa do Tourão no lado direito logo à entrada, morava o ti Mané Churro, em certas ocasiões fogueteiro amador. Era o Ti Manel que na ocasião das festas de Santo António, Divino Espírito Santo e Santa Apolónia, à frente dos festeiros e da nossa charenga, davam volta ao povo e de vez em quando ia lançando para o ar um foguete, principalmente à entrada e saída da casa dos festeiros.(Não participava na alvorada nem no fogo de artifício).

    No momento das provas de ciclismo era ainda o ti Mané Churro que subia ao coreto da música e lançava o foguete que dava o sinal da partida.(O Manel Balhinhas deve lembrar-se que só podia arrancar depois do foguete estoirar) e, logo a seguir à partida, metia alguns foguetes debaixo do braço e lá ia o TI Manel a caminho do cruzamento de São Domingos: quando os ciclitas ali chegassem, ia mais um foguete ao ar e assim dava sinal da chegada eminente dos ciclistas.

    Recordo-me que era o Ti Manel que substituia o Ti Zé Batata na actividade de coveiro, quando por algum motivo este não podia exercer a sua actividade.

    Um pouco à frente do lado esquerdo, havia uma casa do Sr. José André que vamos chamar “Casa das Peneiradoras”. No tempo em que a fábrica do Sr. José ainda não estava equipada com peneiros; era ali que as peneiradoras Ti Lucinda Bicha (irmão do Zé Bicho) e a Ti Maria Rita, peneiravam e separavam a farinha do farel (esta última habitava ali na então Quelha do Tourão).

    Mais, à frente do lado direito habitava o Ti António Opinião “Moleiro”, que exercia a sua actividade no denominado “Moinho de Baixo”. Havia ali um excelente açude e era o melhor local que a rapaziada da época tinha para tomar banho.

    Quase defronte morava o Ti Domingos (Capado), “fogueteiro profissional”. Era empregado do Ti Henrique Caniça (trabalhava no Paiol, situado no caminho velho da estação).

    MG

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  6. Travessas do Tourão e da Mateira


    Ainda na Travessa do Tourão, a seguir morava a Ti Maria Rita(peneiradora), que eu já considerava ter uma idade avançada mas, que a necessidade obrigava ainda a trabalhar.
    A Ti Rita era nora da Ti Patcheca(anciã). Se a memória não me atraiçoa chamava-se Maria Joana dos Reis e, chegou a ser a pessoa mais idosa da região. Faleceu no então denominado “Asilo” com 104 anos de idade.

    Pela sua ingenuidade, a Ti Patcheca foi muitas vezes origem de grandes zaragatas. Ela gostava imenso do copinho: alguns homens mal intencionados convidavam a mulher a entrar nas vendas, onde depois de embriagada ela cantava e, acontecia que no fim ainda tivessem a indelicadeza de lhe mandar cortar o cabelo.

    Era natural que os homens da família não gostassem, e dava origem a grandes brigas: depois dizia-se em Alcains que os Pacthecos eram maus; eles tinham toda a razão de o ser. Com a chegada da GNR as mentalidades mudaram.

    A Ti Patcheca eram uma mulher muito alegre. Dava volta ás ruas de Alcains à procura de alguma esmolinha e, todos os dias ao meio-dia ia comer ao seminário, no local aonde estava a demoninada “mesa dos pobres”instalada num telheiro na traseira do seminário(creio que a mesa de pedra ainda hoje la está).

    Quando para ali se deslocava passava sempre pela rua do Cemitério e, como toda a catchopada ainda inocente da época, pediamos-lhe para que cantasse: então a pobre velhinha encostava-se a uma porta e cantava ao mesmo tempo que batia com o bengala na porta.

    Ti Maria Joana Pantana
    Nem chove nem faz sol
    Só a Ti Mari Joana
    É que toca o fole.

    Ou ainda

    Ti Mari dos Reis
    Filha da Ti Mari Joaquina
    Só a Ti Mari dos Reis
    É que gosta da pinguinha.

    Éramos quase sempre repreendidos, porque ao bater com a bengala na porta fazia muito barulho e as donas da casa ralhavam connosco.
    (Isto acontecia com muita frequência e, em qualquer rua da aldeia).


    Travessa da Mateira

    Na Travessa da Mateira quase no início tínhamos o Ti António Castelo Branco “Hortelão e apicultor”.
    Além de alguns dias em que era convidado para a poda e outros pequenos serviços, vivia exclusivamente dos seus produtos que a esposa Ti Carminda(Quelhas) vendia na praça e em casa. Entre outros legumes, mel, azeite, ovos etc,.

    Logo a seguir o Ti Saraiva, “Produtor de Leite” tinha algumas vacas turinas. O leite era vendido pela esposa (leiteira) Ti Marizé (Carraptchéla).
    Durante o Outono e Inverno, também ali se vendia bagaço e bolota.

    MG

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  7. Ainda a Rua Longa e o Zé Caçapinho


    Sou neta do Ti Caçapo, da Ti Justa e filha da Ti Maria Justa, por conseguinte sobrinha do Zé Caçapinho que faleceu com vinte anos de idade, com uma infecção após a extracção de um dente.

    Este meu Tio barbeiro e cabeleireiro, músico nas horas livres e, grande assobiador, se ainda estivesse connosco contaria hoje cerca de oitenta anos.

    Segundo os meus avós e os meus pais, era um rapaz muito popular e a sua barbearia era o principal ponto de encontro da rapaziada daquela época. Ali se discutia de tudo, comiam-se petiscos e ensaiava-se música. Exactamente como alguns anos mais tarde acontecia no Manel Vaquinha.

    Guardo do meu Tio Zé Caçapinho que não conheci, uma preciosa recordação.Uma malinha com toda a sua ferramenta.



    Cesaltina Ligeiro(esposa do Manuel Traitas)

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  8. As Travessas da Rua da Liberdade...que já foi Longa...

    O caro Manuel Geada, não foi homem de deixar incompleto esta panorâmica e resolveu incluir as Travessas, no nosso tempo designadas de Quelhas, mais a da Mateira, talvez pela "mini-galariça", que a engalanava quase à beira do Largo do Poço Novo, que a do Tourão.

    Isto complicava as jogatanas de bola nesta ruela.

    Isto é as Travessa estariam um patamar acima das Quelhas...

    Tentei encontrar na Net, os sinónimos para Tourão e Mateira, mas fui pouco bem sucedido.

    Talvez que Mateira, esteja relacionada com Mato! Será? Quanto a Tourão, é ainda mais complicada, e até surge associada a um animal designado vulgarmente por “Furão”, um pequeno carnívoro, usado na ilegal caça furtiva.

    Na Travessa do Tourão, lembro-me também em tempos chamada de Zé André, parece-me, recordo-me de algumas pessoas que davam vida a essa Travessa, como a “Tonha Chica”, que um pouco leve de cabeça, trabalhava a dias. Creio que foi a única pessoa que conheci que me chamava de Zé “Irico”, e também aí moravam as tia e sobrinha, “Pachecas”, suponho que era este o parentesco que as ligava, protagonistas de vidas muito complicadas...

    Também me recordo de aí morar o “Tonho Bocas”, e uma família com uma curiosa alcunha de Burra Velha. Já não consigo é associar o grau de parentesco, se é que o havia, entre eles.

    Morava lá também um colega de Primária e companheiro de brincadeiras, o Ezequiel Grancho, do irmão recordo-me menos, mas lembro-me da mãe e sobretudo do seu pai, que
    mais tarde fui encontrar como carpinteiro de toscos, na fase de construção da Consal. Um bom homem e excelente trabalhador. Recordo também um seu familiar que por vezes se nos juntava, o Manuel Lopes Dias, Alf. Milº a quem uma Mina, em Moçambique, roubou para sempre a visão.

    O Ezequiel Grancho, “Zkielzito”, por contraste com o outro Ezequiel, o Rafael, mais encorpado, que morava lá para as bandas do Rossio e era um pouco mais velho do que nós. E tinha outro professor... E isso fazia toda a diferença nas amizades e nas brincadeiras naquela idade.

    Esta Travª não tem saída, e creio que um portão dava acesso às traseiras do Quintal da Ti Patronilha, mãe do “Tonho Baú”, e do Olívio.

    Na Quelha da Mateira, era assim que se designava naquele tempo e que evoluíu para Travª da Mateira, a seguir ao Posto de Controlo de Leite, de onde recordo o Sr Rebelo, moravam creio que o Ti António Castelo Branco e filhos, seguidos da família do Ti Saraiva.

    Creio que nestas famílias, na década de 60, os adultos emigraram para França o que lhes permitiu e ainda bem melhorar as suas vidas.

    Em frente do Posto de Controlo de Leite, dava para esta ruela, a oficina de Sapateiro do Ti Manuel Aurélio, cuja colaboração na vida associativa e até cultural da década de 50 e 60, já por aqui foi referida.

    E são estas as recordações, que a minúcia de análise de MG, um dos catalizadores deste espaço, fazem aflorar ao meu espírito.

    Decerto esqueci detalhes, que espero me perdoem, mas passaram entretanto muitos anos...

    MC

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