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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

LADAINHAS

Memórias, tradições, ritos iniciáticos

Recuando no tempo, 50 anos atrás, as Tradições e as manifestações de Fé em Alcains ainda uma aldeia, seriam muito diferentes das que nos dias de hoje se vivem.
Nomeadamente as Ladaínhas, que durante as semanas da Quaresma, partindo da Igreja, faziam o percurso dos Passos pela aldeia. Manifestação de inequívoca religiosidade, nela participavam apenas homens adultos, excluindo a canalha.

Alminhas do açougue, sede do CDA, barreira da Pedreira

Não sei se por motivos, que da sua presença irreverente, resultasse afectada a religiosidade e o respeito associados aquela manifestação de Fé.
Recordo-me que o antepenúltimo Passo, era já no Adro da Igreja, do lado da Rua – então Longa -, depois o Passo seguinte era já no Largo de Santo António e depois era o regresso à Igreja Matriz, sempre num cortejo em que o silêncio e o respeito predominavam.
Rebusco na Memória e surge-me a recordação de um ritual iniciático, que nunca vi praticar, mas do qual ouvia falar.
A canalha, que se atrevesse a ir na Ladaínha até ao Passo do Largo de Santo António, findas as orações, era sujeita a um ritual iniciático, ao qual se dava o nome de “Levar com o Cú na Safra”! O mesmo consistia no seguinte: os homens adultos, pegavam um nos braços e outro nas pernas da canalha que se atrevera a ir até ali, e balançando os braços, batiam com o traseiro das “vítimas” na parede.

Alminhas da Casa do Povo

Seria aquele ritual, como que um “castigo” pela pouca religiosidade com que tinham efectuado o trajecto dos Passos, uma espécie de castigo aos “pequenos diabretes” daquela genuína manifestação de Fé! Seria a punição pelo seu comportamento menos próprio.
Verdade!? Mentira!? Nunca vi. Mas à cautela eu nunca passei do Passo, existente no Adro da Igreja, o antepenúltimo da celebração. Será que era uma mentira piedosa, uma fantasia familiar, para que não me afastasse de casa! Ou seria mesmo verdade, esta do “Levar com o Cú na Safra”!?
Talvez o “homem do leme” ou o JG, conhecedores de usos, costumes e tradições da década 50, possam contribuir para aclarar este assunto, que no extremo, significariam uma dose de ingenuidade invulgar!
Há Memórias que nunca mais esquecem... e esta do “Cú na Safra” é uma delas.
Venha de lá essa confirmação ou “gozo” pela assumida ingenuidade dos meus, na altura, oito, dez anitos!...

MC
Textos e fotos de MC na Guerra Colonial, em:
Panoramio photos by jose Castilho
Galeria Noqui.

LEVAR COM O CU NA SAFRA

Quer o Zé Castilho, quer o Manuel Geada, ambos participaram nas Ladainhas que a tradição popular e religiosa manteve por vários anos em Alcains.
Só que...
O Zé Castilho, criança medrosa que era, ”cagão”, diria a canalha do Degredo, marcava passo, no último passo, na frontaria da casa do Martinho Cartaxo.

Passo ao lado da Igreja, residência de Martinho Cartaxo

Neto e filho dos últimos Regedores de Alcains, não poderia ser apanhado a levar com o cú na safra… lei é lei, e mesmo neto de Regedor era ali mandado à fava, no adro da igreja, do tribunal popular, não se safava.
O melhor era marcar passo...
Já o Manuel Geada, privilegiado que era, assistia em criança à ladainha, não em passo, mas de pé, ainda sem salário, no Calvário.
Morava perto.

Passo do Largo de Santo António

Durante as semanas da Quaresma, de jejuns para uns, e, para outros a eito, de jejum isentos, por bulas compradas a preceito, partindo da Igreja, com o Sr. Vigário com Ti Manel Sacristão de vermelha opa, que deu nome a Zópas, grupo de homens à frente com muitos rapazes atrás, seguiam a via sacra dos passos e do calvário, transportando e envolvendo despida e negra cruz, que passava de homem para homem, em cada passo, isto é, em cada estação de via sacra...
Mais ainda atrás, em passo sim, mas de corrida, sem se importar com quem ralha, ia a canalha...
LADAINHA, oração em que se pede à Virgem e aos Santos, para intercederem pelos fiéis, silabada e vocalizada em cântico arrastado, monótono e continuado, ramerrão anasalado com voz de constipado.
Assim se dava a volta à aldeia, passo a passo, de passo em passo, na Ti Maria Jacinta do Passo, ao poço novo, ao lado da igreja, na frontaria da casa do Martinho Cartaxo, na capela do Espírito Santo, no ex-calvário, agora passo, no largo de Santo António.
Terminava-se na Igreja, à porta principal, em pleno adro...
Rezava-se... porque era quaresma, o cântico arrastado era manifestação de dor e recolhimento, no entender de que “Devem ser dadas muitas graças a Deus, e poucas graças com Deus...”
Rebentava então qual apogeu assolapado, o grito de revolta, por todos repetido e berrado...

Passo da Ti Maria Jacinta do Passo, ao poço novo.

MORRA O FACINA... gritavam uns... MORRA... de braço no ar, berravam outros.
Ainda mais alto
MORRA O FAXINA... gritavam uns... MORRA... de braço no ar, berravam outros.
Enquanto estes gritos ecoavam, homens e rapazes caçavam canalha.
A expressão correcta do grito é “Morra o Facínora“, que a linguagem de Alcainês traduzia por espírito santo de orelha, por morra o facina, no Largo de Santo António, e no outeiro, de orelha mais suja, por morra o faxina...
O Facínora, era um ataque a Pôncio, não Monteiro, mas ao Pilatos, um homem do banco central da altura, que presidindo ao tribunal que julgou CRISTO, e perante a SUA iminente crucificação , dali lavou as mãos, qual Pilatos...
Numa versão mais eclesiástica, a expressão "morra o facínora" também se refere à traíção de Judas.
Já com a sua presa pela mão, sempre a esgadanhar e já com poucas tchanias, homens e rapazes, pegando ao mesmo tempo na canalha assustada, por uma mão e pelo pé, balançavam o corpo, batendo com o cu, rabo, na parede da igreja, safra.
A safra, é uma bigorna grande e quadrada, feita de ferro, e só com uma ponta.
Utilizada por ferreiros, para bater ferro quente, afiando, guilhos e cinzéis, depois de passarem pela forja, um alto forno rudimentar para quase liquefazer ferro, tornando-o maleável para se fazerem os utensílios de uso artesanal.

Passo do Largo do Espírito Santo

Era uma reprimenda pela ousadia de participarem clandestinamente, em cerimónia só para homens, mas ao mesmo tempo uma brincadeira de acolhimento que nos incentivava a furar e participar.
Os que conseguiam escapar, riam-se, tentavam puxar-nos e restituir-nos à liberdade, mas...
Passei por lá… ainda hoje tenho umas contas para ajustar, de amizade claro, com o Reguinga... mais velho e leve que eu, agarrava-me sempre... e... claro, cu na safra.

Manuel Peralta

3 comentários:

  1. Afinal o “Cú na Safra” não era um mito…

    E antes “cagão” e medroso, epítetos com que o “homem do leme” amigavelmente me mimoseia, do que ser tentado pela “transgressão” e vir a levar com o dito na parede.
    É pena que não existam fotos desses tempos…e desses eventos.
    E fico a pensar como as tentativas de fuga ao castigo, e da Igreja ao Degredo, após o Largo da Praça, era sempre a subir, com os calcanhares a bater no dito, não tenham por ali despertado algumas vocações para a corrida a pé, para o Atletismo.
    Talvez porque a Academia da Tapada da Senhora, gosto desta designação, nem o Trigueiros de Aragão, tivessem pista para aperfeiçoar a técnica.
    Embora Alcains, nos campeonatos da FNAT, tenha tido a nível nacional, atletas com interessantes prestações, como os irmãos Zé Maria e Luís Amaro Lopes.
    Outros terão participado, como o Hélder “Arraiano” que tombou na Guerra Colonial em Angola, mas os irmãos Amaro Lopes, creio que foram aqueles que mais se terão distinguido…
    Fica o repto, para que algum dos curiosos que por aqui navegue, desenvolva o tema.
    Embora consciente de que o desporto de Rua, o Atletismo, só após o 25/4 tenha explodido em Portugal… Embora em Alcains não tivesse pegado…
    Uma dúvida que talvez os estudiosos do fenómeno desportivo no interior possam explicar.
    Embora alcainenses de origem, cujo apelido creio que “Papo-Sêco”, tenham feito um belo trabalho na Covilhã, no Desportivo da Mata!
    MC

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  2. Além do popular Quinquêra, dos irmãos Amaro Lopes, do Hélder e outros, recordo-me que o Manuel (Larôpo)já no fim dos anos cinquenta, na prova de atletismo que anualmente se realizava na festa de Santo António(Largo de Santo António, cruzamento de S. Domingos)fazia sempre a vida negra à equipa de atletas vindos de Castelo Branco, e outros.
    A sua persistência acabou por dar fruto quando cumpria o serviço militar. Talvez por ter mais tempo livre para treinar, ganhou a prova que sempre lhe escapava por escassos metros
    A nível nacional e internacional, também tivemos um bom atleta no Sporting, mas por estar desde muito jovem a viver em Lisboa, passou despercebido.
    Se a memória não me atraiçoa, chama-se António da Costa Riscado: terá hoje uns 60 anos, tem um irmão (José) que andou comigo na escola até à quarta classe: eram conhecidos por Matias, habitavam na minúscula quelha da Rua das Casas Novas (na traseira do forno).
    Aquando das primeiras festas da nossa vila, foi ele que ganhou a prova de atletismo.
    Ainda recordo a sua expressão quando o presidente da junta lhe deu um abraço e entregou o prémio.
    “Há muitos anos que sonhava vir ganhar uma corrida à minha terra, é coisa feita”.
    Também deu a conhecer que já tinha ganho uma medalha numa competição na Finlândia “Helsínquia”.
    MG

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  3. O Atletismo… e os alcainenses

    Estávamos por aí em 68 ou 69, e na casa em que viviam em Coimbra vários estudantes alcainenses, surge-nos por lá um 1º Cabo Milº, o Zé Moreira Venâncio,”Comboio” que ia participar no corta-mato militar da Região Militar Centro, creio que seria esta a designação, em representação do Regº de Cavalaria 8, de Castelo Branco.
    Descontraído e sem preparação física especial, creio, o mesmo terá obtido um honroso lugar, creio que 8º.
    A “estória” ficaria por aqui, se no regresso a Alcains, o Zé Moreira, no núcleo de amigos do CRA, não tivesse resistido a informar que teria ficado em 4º lugar, a “um peito” do 3º! Um lugar que se tivesse sido alcançado, creio que daria o apuramento para o Nacional Militar.
    Ficaram então os seus amigos convencidos da valia do seu conterrâneo, que ficara a “um peito” de ser apurado para o Nacional.
    Acontece que vimos de férias, na altura os estudantes no exterior, só vinham a casa pelo Natal, pela Páscoa e no final do ano, e desconhecendo a versão que o bem disposto “Zé Comboio” aqui tinha vendido, informamos que o seu lugar fora o 8º e a tal versão, do 4º lugar a “um peito” do terceiro, fora invenção que bem disposto o Zé Moreira lhes vendera!
    Involuntariamente, desacreditámos e assim desmoralizámos o esforçado “Zé Comboio”!
    Que no entanto jogou futebol nas equipa de Alcains nos distritais da FNAT, onde o seu poder físico e resistência, o impunham.
    Não o vejo há muitos anos.
    Se por aqui passar, um abraço.
    MC

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