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domingo, 23 de janeiro de 2011

“ESCUDEIRO”, JOSÉ LOURENÇO LOPES

Era um tipo muito avançado em relação à época... afinado... um bom artista... educado... bem posto, recolhi entre outros, estes testemunhos de pessoas que com ele trabalharam.


JOSÉ LOURENÇO LOPES, por alcunha JOSÉ ESCUDEIRO, nasceu em Fevereiro de 1936 e faleceu em Janeiro de 1997, casado, tem dois filhos.
Genro do Domingos da Ti Mariana, que não conheceu mana, do Domingos da Miquelina, durante o namoro, e do Ti Domingos da Venda, primeiro e local único de encontro de Alcainenses com e sem raça, na praça...
Fez a 4ª classe, criado com os avós maternos em Pinhanços, Seia, para Montemor-o-Novo parte, para, ao pé dos pais, aprender a arte.
Seu pai, João Lourenço Escudeiro tinha em Montemor, vários canteiros de Alcains a trabalhar com ele.
Por ali esteve até aos 23 anos, fazendo obra, em Estremoz, Évora e também em Borba, com canteiros de pouco vinho, de Alcains e do Minho.
Era conhecido por lá, década de sessenta, como o Mestre Zé ou Zé das Pedras, tendo efectuado obra de relevo no Hospital de S. João de Deus em Montemor, na capela cujo púlpito é uma pedra única, bem como os candeeiros em forma de romã, claro tudo em pedra.

Solteiro, com 19 anos

S. João de Deus, que deu nome ao hospital de Montemor, terá sido objecto de uma profecia, uma predição do futuro, a Profecia de Granada que dizia... Granada será a tua cruz... na data habitada por muçulmanos... Granada que em hebraico quer dizer romã... daí a razão dos candeeiros em forma de romã, que ali podem ser observados.


Em 1965, regressa a Alcains para concorrer às cantarias do actual edifício do Tribunal de Castelo Branco.
Tinha muito mais entusiasmo pelas pedras que pelo dinheiro, derretido a olhar para tanta cantaria, ganhou a obra... não ganhou dinheiro, mas artista é artista não pelo dinheiro, mas pela obra que fica.
Dotado de elevada intuição para de imediato analisar projecto, um “dom “ popularmente designado, depressa executava em cartão os moldes para se talharem as pedras que, depois de trabalhadas, seriam obras de arte.

Brasão do Tribunal de Castelo Branco

Conta-me o António Marques Lopes da Silva, que com ele trabalhou mais o seu pai, José dos Santos Lopes da Silva, vulgo José Neco, que foi sob orientação do patrão José Escudeiro que seu pai, esculpiu o brasão que as fotos aqui retratam.
O brasão tem duas peças a coroa e o brasão propriamente dito, nele tendo trabalhado entre outros canteiros o Martinho Escudeiro.


Naquele tempo não existiam máquinas para alem da massêta e dos muitos cinzéis, e o António Marques Lopes da Silva relata com orgulho que fez sem qualquer furador a base para o mastro da bandeira, que a foto de abaixo reproduz.


“Foi uma alma nova que me nasceu”... assim se referiu o José Lopes Baltazar, ao patrão Zé Escudeiro quando na primeira quinzena de trabalho de lhe deu 20 escudos para os copos.
Ele José Escudeiro, que o tinha admitido a inculcas, pedido, cunha, do avô do Zé Baltazar de quem era amigo, sem nada pagar e com direito a salário.
Outros, pedreiras, carpintarias, oficinas, cobravam para aprender a arte, 500 escudos e meio ano de borla.
Conta-me, com memória de bancário reformado, o Zé Baltazar, que chegaram a trabalhar 20 a 25 trabalhadores nas cantarias do tribunal, que as fotos bem documentam, entre outros o Domingos Marujo, André Paciência, Jorge Leituras, José Pionto.


Homem tolerante, jogava matrecos com os empregados e tinha até uma finta à Zé Escudeiro, imbatível.
Brincalhão e vivaço que era, na tropa com mauser, capacete de ferro, mochila, verão, 40 graus, sol, parada, sargento chico, a marcar passo, que cansaço... descobre à sombra sargento com banda de música.
Cabisbaixo, vai ter com ele dizendo que também sabia das notas, da música, claro.


Então arranca aí um DÓ, pedia o sargento, metendo-lhe ao mesmo tempo ao pescoço, pesada e quase maior que ele, enrolada, trompa atubada...
Que não podia, pois tinha os beiços gretados por ter comido figos marmelões, muito aleitados.
Passado pouco tempo, era ele Zé Escudeiro que marcando passo, não dava... metia DÓ, esquerdo, direito, um, dois... esquerdo, direito, um, dois...


Em tentativa frustrada de abertura de Escola de Canteiros, foi convidado mas não aceitou. Previa a falta de consistência da proposta.
Relembra quem com ele trabalhou que quando as coisas não corriam bem, também se zangava, mas não maltratava muito menos humilhava as pessoas.
Não havia medo ao patrão.


Quando por lá passarem, Tribunal de Castelo Branco, ou pelo Hospital de S. João de Deus em Montemor-o-Novo, detenham-se um pouco, observem através das cantarias a glória de quem tanto porfiou.
São todos merecedores da nossa estima e elevado apreço.
O Ti Zé Escudeiro, que sempre me cumprimentava com simpático sorriso e amigável vénia, tem pela obra que nos deixa e amizade que semeou, direito a não ficar esquecido.
Cumpro aqui, no Terra dos Cães, o meu dever para com ele.

Manuel Peralta

3 comentários:

  1. Um canteiro cujo virtuosismo desconhecia…

    Se outro mérito não tivesse o foco do “homem do leme” neste alcainense, confesso a minha ignorância, continuaria a pensar que conhecera, numa terra de canteiros, mais um entre tantos.
    Mas não. Este canteiro era mesmo um virtuoso. E confesso que desconhecia que as cantarias do Palácio da Justiça em Castelo Branco, tinham o seu dedo de artista. Penitencio-me por isso.
    Guardo dele a recordação de um cidadão cujo trato e urbanidade no Clube Recreativo, era afável, mesmo amistoso. E tão só.
    Mais um mérito que fico a assacar ao Terra dos Cães.
    MC

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  2. Fantástico, amigo Manuel Peralta!

    Parabéns pelos textos sempre interessantes e
    dignos da nossa bela história comunitária.

    Um abraço,

    Adilton

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  3. Mais uma justa homenagem a um dos nossos muitos artistas de maceta e escopro, Ti Zé Escudeiro.
    Sabia-o artista e bom patrão mas, desconhecia grande parte do seu currículo.
    Quando por acaso passava em frente do tribunal e via a “Obra Prima”, sempre suspeitei que era trabalho dos nossos “artistas canteiros”que não só assinalaram a sua passagem do norte a sul de Portugal, mas também no estrangeiro.
    Entre algumas grandes obras além fronteiras por eles restauradas que pessoalmente conheço, cito. Em França (Versalhes): o Castelo(Palácio): as Grandes e as Pequenas Écuries(cavalariças): os magníficos pórticos das gares Rive Droite e Rive Gauche: a Biblioteca e o Hospital Militar.
    Em Paris entre outros, a sua participação na restauração das sumptuosas fachadas do Grand e Petit Palais. Um verdadeiro trabalho de peritos.
    MG

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