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sexta-feira, 19 de março de 2010

19 de Março... dia do Pai


O meu Pai

José dos Santos Riscado Paralta, nasceu no Olêdo, Concelho de Idanha-a-Nova e veio para Alcains, órfão de pai, quando tinha três anos.
O seu Pai, meu avô paterno, que não conheci, casou em terceiras núpcias com a minha avó paterna, viúva na altura, que também não conheci, de nome Guilhermina Ferreira, mulher reinadia segundo diz a sua nora, a minha mãe, Maria de Lurdes da Paixão.
Quando o meu avô, em leito de ferro e enxerga de linho repleta de palha triga, se aconchegou com a minha avó, tinha o meu avô oitenta e dois anos, e a minha avó em idade ainda fértil, teria os seus quarenta anos, resultando deste aconchego, em 11 de Abril de 1924, um rapagão, masculino, bem-apessoado, enfim um promissor cavalheiro, a quem deram o nome de José dos Santos Riscado Paralta.
O meu avô, chamava-se José dos Santos Riscado, tinha em Olêdo vários arrendamentos, agricultura extensiva, uma vara (porcos), queijaria, rebanho, que lhe proporcionavam na altura uma vida sem fartura, regrada é certo, mas sem fome por perto, assim conta um sobrinho de meu pai, com noventa e dois anos de idade a residir em Olêdo.
Andava de cavalo, fiscalizando iguais servos da gleba, vestia de surrobeco, armani de fato preto, camisa alva, branca, córada ao sol em barrela de cinza, colête de três botões com corrente de ouro, em relógio de bolso com mostrador de resmalte, e horas em números romanos e minutos otomanos.
De chapéu de aba larga prêto, com cinta cinza, onde enfiava esbelta pena de rouxinol que ondulava ao ritmo do trautear da rês que primorosamente cavalgava.
Este esbelto, e lancinante cavaleiro andante, estava predestinado para ser Paralta... Peralta, mais tarde.
E é precisamente aqui (Hermano Saraiva dixit), neste momento inolvidável, que as famas e eventuais proveitos de meu avô, passaram para meu pai em forma de nome.
Parece um Peralta, diziam uns... parece, não...! é já um Peralta, é o que diz toda a malta!!!
E assim chegou a Alcains, com três anos em 1927, o primeiro Paralta, de nome, José dos Santos Riscado Paralta (Paralta em resultado da herança das famas do pai).
O meu Pai, pouco tempo passou na escola... com o Ti Guitas (falecido) e o Ti Manuel Barrêto (falecido), cedo descobriram o sabor das Maçãs de S. João, das Ervilhas em bico, das Favas sem grão e eram exímios atiradores de calhoadas ao Pinheiro que a Avenida da Levandeira que tudo leva... levou.
Guardou porcos nos Sobreirinhos para o Sr. Pires das Sanches, cortou pedra, marriou, britou.
Com o seu meio irmão ti José Tchurrinho (pai do Palhinhas), já falecido, foi para o Porto, para a foz do Rio Sousa, onde cozinhava cerca de quarenta panelas de ferro, aprendeu a nadar e a comer lampreia, sendo fiscal (apontador) nessa altura a cargo de obras dos Pereiras, o Sr. Adriano Alves Pereira Mateus (recentemente falecido), que viria anos mais tarde a ser meu sogro.
Regressou a Alcains para a tropa, casar e continuar a trabalhar...
Em 25 de Setembro de 1949, pelas 10 horas da manhã, na rua do Degrêdo, em parto pela minha mãe gritado no Degrêdo que se ouvia no Outeiro, assim me contava a ti Maria do Carmo Páposseca (falecida), a ti Maria Angélica Dómenica (falecida) a ti maria José Arrebenta (falecida), com bacias de água quente não só para o rapaz não arrefecer, apareci eu.
Com o seu maior amigo e companheiro de sempre, o ti José Penêdo (falecido), casado com Rosalina Alves (falecida), britaram a pedra para o cinema de Castelo Branco, para alcatroar as estradas então em macadame, até ser descoberto pelo Eng.º Leite de Morais, director da Junta Autónoma das Estradas que o convidou para ser Cantoneiro da dita JAE, por lá passou cerca de quinze anos.
Como o Ezequiel, que tirou curso de noivos e ainda não casou, também o meu pai, nunca exerceu a actividade de Cantoneiro, em cantão distribuído da Fonte do Caldeiro aos Escalos de Cima.
O seu grande amigo José Penêdo emigra, o ti Manuel Camilo (falecido), ferróviário, nosso vizinho e marido da minha mana adoptiva, Maria da Conceição Ambrósio, já então emigrado, envia uma na época desejada carta de chamada, e lá parte o meu pai para a desejada França, como ouvrier.
O meu aproveitamento escolar, então em transição entre Castelo Branco e Coimbra, lubrificou a necessidade de emigrar e foi graças aos meus pais e à França, que tive a vida que tenho tido.
Parti eu para a guerra colonial na Guiné-Bissau e a minha mãe também foi conhecer a Torre Eiffel...
Regressada da França, primeiro a minha mãe e depois de eu me casar, o meu pai, foi Serrador na SOMAL, na pecuária dos Micaelos tratou de vacas e porcos, apicultor por conta própria colhendo cerca de duzentos litros de mel, agricultor, pescador, convidado para matações para matar os marrantchos, perfazerá no próximo dia onze da Abril, 86 anos.
Anda aí de mota, não zangado com a vida, desabafava hoje ao almoço de dia do pai, que a grande pena dele é que no seu tempo, era quase tudo cego... ninguém via o trabalho infantil.
O blogue é pessoal, desculpe-me quem me ler, mas este é o meu testemunho para o meu maior herói. O meu Pai.

Manuel Peralta... 2010, dia do Pai

2 comentários:

  1. Como sempre achei, nasceste com o dom da palavra e este texto não é excepção à regra. MUITO BOM. Vou continuar a ser leitora atenta dos próximos capítulos e começar a fazer pequenas sugestões. Porque não pedes à avó que te dite as lengalengas dela e os textos da escola ? Aproveitar enquanto a memória está boa.
    Parabéns
    Filipa Peralta

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  2. A qualidade da prosa torna o pedido de desculpas completamente desnecessário.
    Só hoje (29 de Abril) soube deste blog. Já adicionei aos favoritos. Continue com a mesma acutilância na denúncia do marasmo alcainense e com a mesma sabedoria na transmissão das tradições alcainenses.
    Cumprimentos,

    Bruno Pereira.

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