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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Dom Aurélio, BISPO, um Alcainense ilustre

Nas aulas de ginástica do professor Coelho, ouvi em tempos um “zum zum” relativo a uma possível retirada definitiva do Senhor Bispo, Dom Aurélio Granada, para junto da comunidade Açoriana, que em 19 de junho de 1974, carinhosamente, na linda cidade de Angra do Heroísmo, património da humanidade, recebeu o seu Bispo, um Alcainense.


Apesar de nas procissões, distraído, ter levado um ou outro pontapé de seminarista mais “chiita/ayatólah” de fé, que mais tarde vi abandonar, subi as escadas da rua do Saco, e ali, na “Casa dos Belarminos”, mantive uma inesquecível e culta conversa com o Senhor Bispo.
Não me atrasei, ganhando aqui a sua confiança, e o Senhor Bispo lá estava pontualmente à minha espera, de olho azul penetrante, disponível, e com uma felina lucidez, que me impressionaram sobremaneira.
De onde vieram os Granada, perguntei?
Os antepassados de sua mãe, foram no século XVI, 1590, descendentes do rei de Granada, que tiveram que fugir para Lisboa e Setúbal, por também quererem trono…ser chefes de reino…


Por volta de 1900, os seu avós, vêm de Lisboa para a Beira Baixa, para construção das estradas, sendo a sua avó descendente dos tais Granada.
E é então que, em 29 de maio de 1920, nasce o Senhor Bispo, filho de João Lourenço Escudeiro, (feitor do Conde de Idanha), e de Maria Belarmina Nunes Pinheiro, que tiveram dez filhos, dois dos quais morreram ainda crianças.
Gabava-se o meu padrinho, Manuel da Paixão, que tinha andado na escola primária com ele, que a geração dele tinha dado um Bispo…
E como é que se chega a Bispo, questionei?
Ser padre, dar provas de apostolado, ter cabeça, tino até cinco minutos depois de morrer, culto, e, com trabalho diocesano feito, aguardar escolha pelo Núncio Apostólico e pelos bispos portugueses, para ser nomeado pelo Papa.
Simples, não é!!!
O primeiro e único bispo Alcainense, Dom Aurélio Granada, é detentor de um “currícula” excecional.
 

Estudou nos seminários de Gavião, Alcains e Olivais e como aluno brilhante que foi, teve de aguardar por idade para ser ordenado padre.
Professor, presbítero, pároco de Comenda, Gavião, Ortiga e Alvega. Nomeado professor de Religião e Moral no colégio de Nossa Senhora de Fátima e no liceu de Castelo Branco em 1948. Ali deu aulas a um aluno que viria a ser Presidente da Republica, Ramalho Eanes e a Marçal Grilo, ex-ministro “guterriano” da Educação e fervoroso adepto do ciclismo.
Assistente Eclesiástico da Ação Católica para rapazes e raparigas da cidade de Castelo Branco, embora sem ser nomeado, exerceu as funções de diretor do semanário “A Reconquista”.
Começa em julho de 1951 a sua ascensão na hierarquia da igreja, ao ser deslocado para Lisboa para exercer as funções Assistente dos Serviços Centrais da Ação Católica Portuguesa. Em particular, nomeado Assistente Internacional da Ação Católica Rural e Assistente Eclesiástico do mesmo organismo no Patriarcado de Lisboa.
Nestas funções percorreu e conheceu todo o país, bem como a Madeira, Açores, Angola, Moçambique e Goa permanecendo nestes locais durante meses exercendo a sua divina missão.
Como responsável da JEC-F, Juventude Escolar Católica Feminina, tutelava a formação espiritual de dirigentes tendo ali conhecido Manuela Eanes, na época Presidente Diocesana de Lisboa.
 

Membro do Conselho Coordenador do Ministério da Saúde e Assistência, em representação da igreja, nas funções de Assistente da Obra de Proteção às Raparigas, hoje ACISJF.
Em 1967 foi nomeado Secretário Nacional da Comissão Episcopal para a Mobilidade que envolvia o cargo de Assistente Eclesiástico dos Emigrantes Portugueses.
Nestas funções conheceu parte do mundo, Europa, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Venezuela entre outros países.
Com olhos e ouvidos por todo o lado, observado de lado, de frente de cima e por baixo, radiografado, passou este ilustre Alcainense no crivo de malha fina da Igreja e, por decisão da comunidade dos Bispos portugueses, Sua Santidade o Papa João XXI, nomeia-o em julho de 1974, Bispo Coadjutor da Diocese de Angra do Heroísmo.
Por ter atingido o limite de idade, 75 anos, em 20 de julho de 1976, resigna do lugar.
 

Vinte e dois anos, junto dos Seus, no sismo de janeiro de 1980 com onze mil casas destruídas, 52 igrejas e 46 capelas em ruinas, na criação de condições para instalar a Rádio Renascença nos Açores, na agregação do Seminário Diocesano à Universidade Católica Portuguesa, na criação do lar para sacerdotes idosos ou doentes, ou na  implementação da Clínica do Bom Jesus, Dom Aurélio Granada Escudeiro foi um Homem, um Pastor sempre ao serviço das missões da Igreja.
 

Relembro na ilha da Horta um encontro, no aeroporto, em que os dirigentes e administradores da Telecom Portugal aguardavam o avião. Chega uma comitiva religiosa com o Bispo Aurélio à frente. Avança em direção a mim e, perante o espanto geral, dá-me um efusivo abraço. A minha cotação entre colegas e administradores subiu em flecha…devo-lhe esse gesto, e prometi ali em pleno oceano, entregar-lhe, quando oportuno, um óbulo de agradecimento.
Do que tinha tudo doou. À Sé de Angra do Heroísmo, doou o painel bordado com as suas armas e a cruz peitoral que sempre usou, a mitra preciosa, à Igreja matriz de S. Sebastião em Ponta Delgada, o paramento completo usado na sua ordenação à Igreja matriz da Horta, e, o anel, ao Tesouro do Senhor Santo Cristo dos Milagres em Ponta Delgada.
 

Alcains, terra de pedreiros livres e de muita costura, pode orgulhar-se do Bispo Aurélio, pois por onde passou engrandeceu e levou mais longe o nome da nossa terra. Tenho amigos açorianos que o confirmam.
Não era um bispo da linha “Woitila”, mediático, era para mim mais “Ratzinger”, cerebral, aplicado, recatado, e muito, mas mesmo muito, disciplinado.
Sábado passado, ao ler na internet o Correio da Manhã, surpreendido fiquei com a notícia da morte do senhor Bispo.
No opúsculo, resumo da sua atividade de Bispo durante 22 anos nos Açores, que assinou e me ofereceu, traça em passos largos o sentido da sua vida.
“Parto sereno, contente por ter podido servir, onde Deus me colocou”, disse, quando resignou.

Manuel Peralta

1 comentário:

  1. Descritivo e interessante o teu apontamento sobre o Bispo D.Aurélio Granada...

    Creio que por afinidade ainda era parente de um professor que tivemos em Coimbra no velho IIC, hoje ISEC...Um tal Teotónio, professor de Física Geral!...

    Sobre a sua permanência nos Açores, tenho algures em casa, nem sei bem onde,um long play em vinil, claro, que reproduz um pouco das Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Recordo-me que a primeira vez que terei ouvido falar destas festas e da sua importância, terá sido ao Kim Ramalho, que creio foi tropa nos Açores e que dizia, que na procissão se incorporavam uma 16 Bandas Filarmónicas. Pareceu-me exagero, mas a audição do long play citado e posteriores imagens na TV, levaram-me a acreditar.

    Ouvia portanto descontraídamente o long play referido, dedicado às festas em causa, quando na parte religiosa, oiço uma voz que me não é estranha. E não era mesmo. Era a voz do Alcainense responsável máximo na Hierarquia da Igreja nos Açores.
    Mais tarde, o disco em causa foi ouvido pelos familiares de D.Aurélio, que confirmaram que era mesmo dele, a voz que estava no disco.

    Em tempos em que ainda não havia youtube, desconheço, se o mesmo disco de vinil, terá sido adaptado a um outro suporte...

    Se o não foi, posso dizer que tenho em casa, como já disse, nem sei bem onde, gravada nas espirais de um disco de vinil, uma prova da passagem deste ilustre Alcainense pelos Açores...Que descanse em paz!...

    MC - 2012.09.09

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