...ainda durante a quaresma e em tempo de renúncia, de penitência, de sacrifício por remissão de pecados, de mortificação, com altar de roxa cor vestido, paixão à frente e atrás, caluniando Satanás, esse anjo rebelde que, a pulso, do céu foi expulso.
Nas casas, caiadas a preceito, com escadas e salas esfregadas a eito, com barra de “azul metilene” pintadas, ou “amarelo metálico”, que de ouro transbordava em tela de “Matisse”, pintada.
À porta, na quinta feira Santa não se podia ir à horta, pois até constava que a couve espigava...muito menos cantar a menino rabugento, pois apanhava “águamente”... e pior que menino aguado, só homem entornado.
Nas ruas o alecrim e o rosmaninho inebriavam procissão que passava, com filarmónica em notas graves de “ré de porco”, bombos, aplacados por caixas de compasso, de contrabaixo, solfejadas a eito com vozes a preceito.
No altar, o bater da “tampa do arcaz”, que fechava a sepultura do Cristo Redentor, o Senhor que ao terceiro dia ressuscitaria, para nossa alegria...
Na sexta feira santa, defumava-se, após a procissão, a casa de barra de ocre pintada, com o alecrim e o rosmaninho da procissão pisado, abençoado, que santificava e abençoava quarto, sala, camarinha e até quintal, em furda onde o reco pacientemente, aguardava pelo natal...
Enquanto se esperava pela visita do Senhor, o compasso, mulheres com tosse, catavam-se umas às outras comendo tremoços, e os homens provavam os bolos dos vizinhos bebendo uns bons copinhos.
Em breves laivadas, assim, um tipo de Páscoa foi passada.
Mas os bolos, as fornadas...
Não há grande diferença entre o estofego das filhós e o dos bolos da Páscoa.
Aí vai portanto, para memória futura.
O aquecer do forno...
O “arremansar” do dito... ficar sereno, acalmar, serenar.
A farinha... ainda empacotada, na “Terra Deles”, fabricada.
As especiarias, vinho do Douro, Porto, Português.
No tabuleiro de amassar, depois de peneirada, farinha, farinhada.
Sumo de boas laranjas, espremidas por mãos amigas.
Ovos, por varinha ou mágica mão batidos, pré aquecidos, em água quase fervente que não minto, em bacia de zinco.
Amassando, farinha, ovos, sal, vinho do Porto, sumo de laranja, fermento, canela, açucar, forte aguardente...
Amassando/azeitando...
Tabuleiros em sentido, aguardando por receber bolos tendidos ou cozidos...
Taleiga, com farelo aquecido, para suster massa amassada em maceira, sustenido.
O taleigo é um saco de pano pequeno, que serve para levar a merenda ou até guardar dinheiro.
A taleiga é um saco maior que pode acolher cereais ou farinha.
Há uma expressão na “Terra Deles”, que referindo-se a alguém que está gordo, costuma mimosear-se assim.
- Olha que perfeição, pareces um taleigão?A taleiga, taleigão, é no fim de contas um saco, que tem igual dimensão quer na base quer na parte superior, portanto quadrada, logo sem cintura...
Tendal, cobertores, pré aquecidos para ajudar a levedar, fermentar a massa.
O tendal, é um pano alvo, branco, por vezes de linho, com que se cobre a massa de pão ou bolos.
Continuando a amassar, agora já com a negra rapadora a rapar, rapar, rapar...
Ajeitando e arremansando a massa.
Invocando a fé em Deus, com cruz na massa, por rapadora pecadora...
São João acrescente este pão.
Senhora das Graças acrescente esta massa.
Massa já finta, levedada, pronta a ser tendida.
Rapadoura em descanso...Bolos sobre tendal, tendidos, a aguardar mais fintura para serem cozidos.
Tender, estender ou abolar massa para ser cozida.
Já no forno, arremansado...
Conduzir um forno de lenha, sem pirómetro, (termómetro de altas temperaturas) não é tarefa fácil.
Saber a temperatura ideal para cozer e não queimar requer saber de forneira...
A minha mestra foi a Ti Marizé Pinheira, forneira e boleira de quatro costados, que me ensinou.
Então aí vai, para quem se quiser haver nestas andanças...
Saber a temperatura ideal para cozer e não queimar requer saber de forneira...
A minha mestra foi a Ti Marizé Pinheira, forneira e boleira de quatro costados, que me ensinou.
Então aí vai, para quem se quiser haver nestas andanças...
Depois do forno limpo de brasas e cinza, passa-se com uma esfregona embebida em água para limpar o solo do forno e, gradualmente ir baixando a temperatura.
A abóboda do forno, com o calor deve ficar completamente branca.
Espalha-se entretanto um punhado de farinha pelo solo do forno e observa-se:
Espalha-se entretanto um punhado de farinha pelo solo do forno e observa-se:
1- Se a farinha queimar, tem de baixar a temperatura com a esfregona embebida em água.
2- Se a farinha não queimar pode meter a fornada.
2- Se a farinha não queimar pode meter a fornada.
3- Para tostar deve fechar o registo de saída de ar do forno.
Recomendo no entanto cuidado, esta simplicidade aparente, pode levar a queimar a fornada e as mulheres não se enxofram nada a queimar o forneiro... sei do que falo...
Recomendo no entanto cuidado, esta simplicidade aparente, pode levar a queimar a fornada e as mulheres não se enxofram nada a queimar o forneiro... sei do que falo...
Já cozidos, um exemplar.
Uma fornada.
A mesma fornada vista de outro lado.
Receita para uma fornada de 33 bolos, para casa e dar a amigos e familiares.
- 100 ovos
- 2 litros de azeite
- 2 quilos de açúcar
- 1 litro de aguardente
- 1 garrafa de vinho do Porto
- 3 boas laranjas em sumo
- 1 (quase) barra de fermento
- 10 quilos de farinha
- 2,5 quilos de farinha flor
- Sal e canela a gosto.
Uma boa fornada e desejos de um bom apetite.
Manuel Peralta
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