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domingo, 26 de junho de 2011

General Ramalho Eanes

Um Alcainense Presidente da República
Há cerca de trinta e cinco anos, o Presidente da República era um dos nossos.

Estou a escrever a 19, e foi a 27 de Junho de 1976, que o alcainense António Ramalho Eanes, era eleito, à 1ª volta, com 61,6% dos votos, para a mais elevada magistratura do estado – a Presidência da República.
Nascido a 25 Jan. de 1935 em Alcains, é filho de Manuel dos Santos Eanes e de Maria do Rosário Ramalho, ambos já falecidos.
Do que foi o seu percurso escolar e militar está a NET repleta. Vamos abordar o tema da sua eleição, numa perspectiva alcainense, de como os alcainenses (re)descobriram, naquele militar de ar sisudo, o homem sensato, que em 25 de Novembro de 75, teve um papel fulcral nas operações militares, que se mal planeadas, poderiam ter conduzido o país à Guerra Civil. Que esteve muito perto!
Disciplinando os quartéis, os portugueses depressa entenderam, que por detrás daquele militar de perfil austero, que falava com um sotaque característico, adicionando um “e” a muitas das suas palavras, uma característica do sotaque “alcainês”, o Homem certo para a Presidência da República.


As principais forças partidárias iriam atrás, e Eanes tinha à partida a sua eleição praticamente garantida. Em Alcains, um núcleo, em que avultavam os nomes de José Reis Dias, Helder Rafael, colega de Escola Primária de Eanes, o então ainda Ten. Cor. Frutuoso Mateus, e eu próprio, recolhemos assinaturas que foram incluídas no processo de candidatura, recolhemos fundos e fomos um núcleo imune às tricas que o PS, o PPD e o CDS armavam entre si, a nível concelhio, sempre que era necessário fazer algo em conjunto.
Por isso resolvemos e bem, correr por fora.
Eanes quis vincar a sua ligação à terra em que nascera e às suas gentes e resolveu iniciar por aqui a campanha eleitoral. No Largo de Santo António, da varanda do edifício dos CTT, sob um sol que queimava, com algumas centenas de alcainenses e de terras vizinhas, Eanes foi por mim saudado e apresentou-se às gentes da sua terra.
Sóbrio, e vincando bem as suas palavras, disse ao que vinha, e aquilo que ambicionava para os portugueses, a quem queria dar como exemplo de trabalho, a sua Terra, os seus pais, os seus amigos, os seus conterrâneos.
Nesse dia o percurso era pela Lousa, onde o esperava Vasco Lourenço, e ainda se cantava o Hino Nacional de braço no ar, Idanha-a-Nova, outro banho de multidão e comício ao final da tarde em Castelo Branco.
E a campanha foi um percurso relativamente calmo, em que apenas no Alentejo, creio que em Beja, com apoiantes de Otelo, houve tiros, documentando os jornais, a figura de Eanes, de pé creio que no capô de um carro, num acto de coragem, demonstrando que não havia lugar para medo.


Em Alcains pintaram-se umas faixas e nas povoações vizinhas teremos colado uns cartazes, coisa pouca. Recordo o infausto Nuno Jorge, que colaborou nessas tarefas.
Deste modo a sua eleição em 27 de Junho, com os resultados a serem conhecidos noite dentro, foi absolutamente natural. E alguns jornais que deslocaram ainda nessa noite, algumas equipas de reportagem, esperando encontrar uma Vila em festa, deparavam na noite quente, com uma acalmia total.
O núcleo local fizera o seu trabalho e o candidato triunfara como era esperado.
A festa fez-se no dia a seguir, com a Banda Filarmónica do Louriçal, que deu umas voltas pela Vila, com estralejar de foguetes e uma caravana automóvel, que foi saudar a família mais próxima de Eanes, que residia numa transversal da Avª Nuno Álvares em Castelo Branco.
O seu percurso no 1º mandato, os seus discursos na AR em cada 25 de Abril, que punham os cabelos em pé a Soares e a Sá Carneiro, os governos de iniciativa presidencial que apadrinhou, enfim, auguravam o que viria a verificar-se. Não contasse com eles, para a (re) eleição visando um 2º mandato.


Internamente as Forças Armadas entravam nos eixos, a Constituição respeitada e o país ganhou credibilidade com a sua figura.
Inaugurou as presidências abertas, com uma vinda a Alcains, com os acompanhantes providos, que os tempos eram de austeridade, de ração de combate, para comerem à sombra das árvores na Santa Apolónia.
Seria o agricultor Armindo de Carvalho, também já desaparecido, a empenhar-se no reforço do almoço dos ilustres convidados, em que não faltaria o famoso queijo de Alcains.
Nem tudo terá corrido bem, refira-se. Na Alprema, outro alcainense que deu muito a esta terra, António Lourenço Barata, aflorou uma questão sensível à época, os Sindicatos, e isso foi explorado pelos jornalistas presentes.
Nesse dia ainda, à noite, aí vou eu a caminho do Fundão, onde o director do jornal onde eu colaborava, aceitou as explicações que eu lhe dei, relativas ao incidente verificado com a abordagem daquele tema, nos moldes em que o fora, e que não traduziam a realidade da forma como pensavam e agiam, a grande maioria dos empresários de Alcains.
E entretanto aproxima-se o fim do mandato. Desavindo com Soares, com o PS dividido, com a AD de Sá Carneiro, que ganhara as Legislativas, e apresentava um candidato forte, com a autarquia local nas mãos de uma Lista Independente, aí vamos de novo cumprir o nosso papel e apoiar sem margem para dúvidas o nosso candidato.


A Junta de Freguesia é a sede de campanha e a Casa do Povo, o armazém onde guardávamos tarjas e cartazes, para as surtidas nocturnas em acções de colagem. Quase taco-a-taco com a AD local, na disputa pelos lugares de maior visibilidade.
E Eanes, já a meio da campanha, vem da Covilhã, onde uma caravana de alcainenses o foi esperar, e sempre em crescendo de apoiantes, passa pelo Fundão onde Paulouro o recebe, e a caravana chega a Alcains, noite fechada e fria de 30 de Novembro, para um comício desta vez no mesmo Largo de Santo António, mas numa varanda da antiga casa da Brandoa.
No Fundão, seria o Manuel Pereira, que tinha um megafone, que liderou a caravana da Drª Manuela Eanes, passando por terras de Idanha, Ladoeiro, Escalos, vindo reunir-se ao marido já em Alcains. Antes, passaria pela Igreja Matriz, onde depôs aos pés da padroeira de Alcains, as muitas flores que lhe tinham sido entregues pelo caminho.


Perante um mar de gente, que fora engrossando ao longo daquela tarde, sem telemóveis para saber aonde vinham, lá fui entretendo os presentes de que a caravana chegaria pelas …horas, informação que fui corrigindo ao longo da tarde, tipo especialistas de sondagem, que vão encurtando as margens de erro, à medida que vão saindo os resultados finais.
Desta vez é mesmo a sério. O “homem do leme” presidente da Autarquia faz uma intervenção dura, falando dos boatos que circulavam e que cala fundo nos presentes e Eanes, corresponde com a mesma simplicidade com que nos habituara. Contava com os seus conterrâneos para vir a ser eleito, numa disputa que ainda não estava segura. Os seus conterrâneos já o conheciam e garantia não os vir a desiludir.


Faltava uma semana, continuamos as colagens pelas terras vizinhas, até aquela fatídica noite de 6ª feira, em que se dá o terrível acidente de Camarate, que vitima Sá Carneiro e acompanhantes.
Na Casa do Povo, preparava-se a última saída para colagens até à meia noite, quando consultando a comissão concelhia em Castelo Branco, nos mandam suspender todas as acções de campanha.
E a 7 de Dezembro de 1980, novamente à primeira volta, agora com 56, 4% dos votos, Eanes conquistava novo mandato.
Pressionados pela população que queria à viva força festejar e divididos face à morte de Sá Carneiro, lá tivemos eu e o Manuel Sousa da Lusitana, de encabeçar uma caravana, que passou por Castelo Branco e terras vizinhas, em que o slogan que passávamos era, recordo-me bem: «a vitória de Eanes não é a derrota de ninguém».
Pouco tempo depois, em 1982, Alcains fazia 10 anos de Vila, e um arraial popular, música, foguetes e papas na rua, acolheu Eanes mais uma vez na sua terra.
Foi talvez a visita da reconciliação, com convidados pela Autarquia, desde o antigo Governado Civil de Castelo Branco, Ascensão Azevedo, Vila Franca, presidente da Câmara, e outras individualidades. Dia soalheiro e repleto de emoção.
Mais tarde, estava eu a poucos dias do Natal, numa cama do Hospital de Évora, recuperando de uma operação, quando na sua visita na época pelos hospitais, entra no quarto e admirado : «você aqui»!


Depois saí de Alcains, em Abrantes ainda colaborei no PRD, mas terei estado presente apenas em mais dois ou três eventos com a sua presença.
Outros poderão falar com mais propriedade do que continuou a ser a ligação de Eanes a Alcains, à sua terra e problemas, que eu fui seguindo à distância.
E termino como comecei. Estão a passar 35 anos, sobre a data em que Alcains, teve um dos seus, na mais elevada magistratura do Estado – a Presidência da República. E isso é que conta. E disso nos orgulhamos.
Nota final : alinhavava este apontamento, quando e-mail do “homem do leme” me informa da morte do Engº João Ramalho Eanes. A vida tem destes desencontros. As minhas condolências à família enlutada.

MC

Outros textos e fotos de MC sobre a Guerra Colonial em : Panoramio photos by Jose Castilho

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