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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

ENTRUDO

Hoje não se come carne, é quarta feira de cinzas...
Cinzas, que são memória de finados, dos que se finaram, dos que acabaram...
Pudera, depois de terça feira dita gorda, anafada, acarnavalada...gordura é formosura, Balzaquianamente falando, é claro!!!
Em Alcains, a palavra carnaval é recente e sempre ouvi falar de entrudo.
Parece um entrudo, assim ouvia dizer quando alguém se apresentava ridiculamente vestido.
Tempo de entrudo, o que compreende os três dias anteriores à quaresma.
 
 
A quaresma, em tempos passados, era sinónimo de renúncia, de dureza, de mortificação, de fé. Abstinência total de comer carne, jejum nas sextas, e, na semana da Páscoa toda a semana, a não ser que tivesse comprado a “bula”, uma licença de desobriga de jejuar.
Dançar, cantar e namorar era proibido e, no vestir, até as cores garridas eram proibidas.
 
 
Sopa, pão, muito pão com azeitonas, raras as sardinhas e ovava-se o corpo com uns estrelados ou fritos sob pavimento sem carpete, a que mais tarde se chamaria omelete...
Quaresmados, todos os da rua, os da sala e os do salão desde que tivessem feito a primeira comunhão.
A minha mãe proibia-me de mexer nas fitas de papel dos rolos de carnaval, as ditas serpentinas, que religiosamente guardava de ano para ano e enrolava de várias cores, fazendo um rolo assim do tipo fruta cores, que pendurava em fino prego como o Manel Cainata em parede de taipa...
 
 
Entrudo, Quaresma, Páscoa e Santos Populares, marcos que a memória retém e que desabrocham com os primaveris calores repletos de muitas flores...
A Semana Santa, o Enterro do Senhor, a Procissão dos Passos, as pregações e os sermões de púlpito com quase arte de talma em Encomendação de Alma.
 
 
“Encomendação das almas”, tradição mantida para gente com fé e, “incomodação das almas” para os ímpios, gente que, apesar de tudo, também tem princípios...
Já perpassaram dois ou três anos sobre um acontecimento ocorrido em Alcains, durante a celebração da Encomendação das almas, com um generoso grupo de homens e mulheres que têm mantido viva em Alcains esta ancestral tradição.
 
 
Vozes indolentes, dormentes, arrastadas e toeiras, frente à capela do Senhor do Lírio no cemitério, cantavam as trovas quaresmais que quase assassinavam o facínora, o demo, o pilantra que quer levar as boas almas para debaixo da manta...
A páginas tantas, como se diz, dão-se conta de que, enquanto maltratavam com cânticos e palavras o facínora... Oh, fortaleza divina...  alguém, do lado de dentro da capela, terá acordado com os cânticos, e ali fechada, clamava por socorro batendo copiosamente, como a Rita, na porta da dita.
 
 
O Adriano não estava lá, e nem foi o Fim do Mundo, mas ao que constou, a debandada corria mais que a estrada, uns perderam a voz, os paramentos esvoaçavam que se fartavam, e a cruz quase caiu de truz...
Para o largo de Santo António correram uns, para perto da cabine da Hidro, fugiram outros, mas todos atagantados perante o pedido de libertação de virtual alma penada do outro mundo...
 
 
Reagruparam-se mais tarde, e agora já mais fôtos, reanimando-se mutuamente, pé ante pé e com a hirta cruz ao léu, rezando uns que Deus é bom, mas o facínora também não será mau, de braço, mão, pé e perna dados, a medo chegaram à capela.
Já refeitos do susto e alapados uns aos outros, aperceberam-se então de que se tratava de pessoa que teria adormecido na capela, e que quando a fecharam bem como o portão do cemitério não se terão apercebido de que por ali teria ficado alguém fechado.
 

Libertaram-na.
Voltando ao entrudo.
Já não há contradanças, nem caqueiradas, muito menos entremesadas...
Fazendo juz à quadra e para manter a tradição, hoje dia de entrudo, sem qualquer atividade entrudesca em Alcains, hoje é mais um dia igual a tantos outros, com uns a trabalhar e outros a descansar, dentro da quele princípio constitucional que é tudo igual em Portugal.
 

Em dia solarengo, semi frio, as galegas picadas e a sal temperadas, a morcela de assar, a farinheira, a chouriça, as morcelas buchas, a entremeada e o entrecosto foram batidos a gosto.
 

Sem papas mas com pudim, quase por fim...
 

Comi bem e quase de tudo neste entrudo, e porque nem estava mal, não me fez falta o carnaval.

Manuel Peralta

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