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domingo, 19 de setembro de 2010

Cuco, Guilhermino da Conceição

Viúvo, sete filhos, um deles falecido em França, o Ti Guilhermino Cuco foi canteiro, serralheiro, emigrante, artista, e aos 20 anos CICLISTA.
De memória do Domingos Bispo, tambem ele ciclista, relato este verso popularmente corrido em batoréis, patinhos de casa, em cortes de “alevante” no Capeldelmo, em tabernas padarias e outras barbearias.
Cantavam assim:

O Tanganho e mais o Guerra
Iam fartos dapedalar,
Na barrera do Garret
Passou o Cuco a cantar.

Assim mesmo, em Alcainês de “harmónio” da estrada de Santo António, enquanto o Domingos afinava os cones da minha bicicleta.
Especialista em bater “récordes”, é hoje um dos homens mais idosos de Alcains.
Nasceu em 1920, tem 90 anos, e é filho de José dos Reis Sanches e de Ludovina da Conceição.
O Sr. José dos Reis Sanches, empreiteiro, com casa ao lado dos correios no largo de Santo António, era sobrinho do pai do Ti Guilhermino, que tinha como profissão a de Cantoneiro da extinta Junta Autónoma de Estradas.
Mas, CUCO porquê, perguntei.
Recorda apenas que:

1 - Já o pai era Cuco,
2 - Ele Cuco é,
3 - E a filharada Cuca é da cabeça ao pé...

Composição em tercêto Alcainês do Degredo.

Pouco tempo andou na escola da praça em edifício onde hoje está a Junta da Freguesia, escola do tracôma, em aulas dadas pelo professor José Miguel.
O ribeiro por cobrir em 1930,com ponte em madeira que desenhava passagem para a outra margem.
Em incursão ao leito do dito, acha lata de tinta, e com trincha de artista, pinta grade de madeira de ponte sem horizonte...
De sobretudo, o filho do professor, borra pintura sentando-se em tinta fresca de Cuco artista e de “stêncil” já tintado, bórra banco e estrado por todo o lado, até ao quadro.
Dezassete, repito, 17 réguadas levou o Cuco artista com dor, por ter achado tinta que tintou sobretudo, o sobretudo ao filho do professor.
Fugiu, a pedra deixou, desertou, deixou também caderno e nunca mais lá foi!!!
As ditas dezassete caíram nesta e na outra mão...
Por volta dos sete anos,apareceu-lhe na mão uma “abágoa”, uma bôlha, e ao Sr. Raúl foi mostrar sem consulta prévia, sua mãe Ludovina “atagantada” com aquela tchaga.
Filhos de cantoneiros que ambos somos, desabafava com a cumplicidade própria de quem conhece os cantões...
Ó Manel fui para lá com medo, e se me descuidava, vinha de lá sem dedo...
Deixou por lá a pedra da escola e filho de cantoneiro foi aprender a arte de canteiro.
No Alentejo, na Serra da Estrela, na Guarda em Celorico da Beira, em Vilar Formoso e por fim três anos nos Açores, em S. Miguel na construção de um farol.
Trabalhou na construção do edifício da Caixa Geral de Depósitos de Castelo Branco, mais uma obra de canteiros de Alcains e depois no liceu de Castelo Branco.
Cansado das pedras, passou de canteiro a serralheiro, fazendo escôpros, cinzéis, picólas, martelões, marrêtas e massêtas, picos, arranca pregos e até arranca dentes em ferro forjado para o Sr. Raúl.
Tinha forja na travessa das Laranjeiras, onde temperava sapatos que calçavam picarêtas, ferros de assento em têmpera de óleo quente.
Com tal labor e reconhecimento, fazia naqueles tempos ferramentas de artista, do canteiro ao dentista.

CICLISTA...

A segunda Grande Guerra Mundial, de 1939 a 1945, apanha o ciclista pelos 20 anos de idade.
Ganhava oito escudos por dia, e compra a prestações 17 quilos de bicicleta com dois bidões por cerca de setenta escudos, trinta e cinco cêntimos.
Em Castelo Branco trabalhava, em Alcains descansava e entre Castelo Branco e Alcains, treinava, corria, sprintava.
Com o Tanganho e o Guerra dos Escalos de Cima, o Fiel da Lardosa, o José Chupa e o José Penedo de Alcains, ambos falecidos, corria e ganhava umas e perdia outras, corridas claro.
Correu em Évora, Belmonte , Guarda e Lisboa e claro em todas as festas das redondezas que lhe deram fama e algum proveito.
Mas naquele tempo a guerra tudo tirava.
Chegou a fazer pneus de cortiça, que enfiava rolos de cortiça em arame e apertava para do aro não saltarem.
Até que um dia, o Sr. Leopoldo foi a França e lá aprendeu a fabricar pneus, a princípio de pano crú, que empenavam mais que caminho para casa de homem toldado pelos cópos.
O desporto naquele tempo era inexistente e então faziam muitas corridas de bicicleta.
Por dua voltas no circuito ciclista do costume, ganhou muito destacado aos seus rivais, e foi levado em ombros com um prémio de cinquenta escudos, vinte e cinco cêntimos.
Hoje, 18 de Setembro, depois de um almoço de arroz de perca com os meus pais, falei-lhes do Guilhermino Cuco e do trabalho que estava a fazer.
Com música da canção Adeus aldeia... entoaram a pérola que se segue.

Adeus ó Cuco
Deixas-nos de luto e quase a chorar...
Diz o Tanganho
Que bruto tamanho para apedalar.

Quando o Cuco apedalou e avançou,
Disse adeus aos camaradas.
Em Castelbranco à chegada,
Mesmo assim houve porrada,
Mas o Cuco é que ganhou.

Quando o Fiel se cansou, não foi capaz
Diz ao Cuco na partida.
Ó Cuco deixa a corrida
Porque ela está tremida,
Aqui pr`ó rapaz.

Este é para mim o melhor testemunho da popularidade e do valor do ciclista Guilhermino Cuco cuja lenda popular em verso fica registada.
Os meus pais com 85/86 anos recordam as corridas, as rivalidades entre terras e ciclistas e enaltecem os feitos do Gilhermino Cuco como um dos melhores senão o melhor ciclista de Alcains.

Nota: Entretanto e porque considero relevante para ficar registado, o Ti Guilhermino conta-me que a pedido da mãe, por esta estar a ficar sem crédito no livro de assentos do fiado, foi pedir aumento ao Sr. José dos Reis Sanches, seu familiar e patrão.
Apelidou-o de comunista, nome que ele com 15 anos não imaginava sequer existir, muito menos o Ti João Velho, pai do Tónho Velhote e que eu ainda conheci, que era o encarregado dos trabalhos.
Aguçada a minha curiosidade perguntei-lhe se sabia quais eram os comunistas de Alcains, naquele tempo e lá foi referindo o José ou Joaquim Relvas que morava a seguir á rua do Regato da Sola antes do Cabeço, do Ti Ernesto Sequeira (que tinha um irmão o Chico Mingacho) que conheci sempre pobre e que vivia da compra do Ferro Velho e morava na Travessa Dr. Vicente Sanches, e claro do ti Zé Manha, a quem às seis da manhã vieram buscar à rua do Chafariz Velho.

Era de noite,
E levaram.
Era de noite,
E levaram.
Quem nessa casa
Vivia
Casa, vivia.
Casa vivia,

O José Afonso, sabia bem o, e porquê cantava...

Manuel Peralta

1 comentário:

  1. Flores de Portugal, parece-me…

    Quando andei envolvido nas coisas do Ciclismo em Alcains, em 1968 e 69 com a Comissão de Ciclismo de Alcains, fui ouvindo dos mais antigos dessa Comissão, as proezas de Guilhermino “ Cuco”, inclusive numa prova em Lisboa, integrada na Exposição do Mundo Português, para aí nos anos 40, prova que teria a designação de “Flores de Portugal”.
    Era um Portugal “florido” o Portugal desse tempo!...
    Nunca aprofundei no entanto nem as razões para um nome tão “naif”, nem a participação do nosso conterrâneo. Fiquei com a impressão de ter sido esta prova, aquela que maior importância terá tido na carreira de Guilhermino “Cuco”.
    Será que do alto dos seus noventa anos ainda tem recordações dessa prova e que as consegue descrever a quem as queira ouvir e descrever neste Blog!
    Ou então, aqueles que descreviam o apogeu da carreira desportiva de Guilhermino “Cuco”, alguns dos quais estão felizmente vivos, o “homem do leme” sabe quem são, e seria interessante ouvi-los e “sacar” das suas memórias, essas recordações.
    À distância, é a sugestão que deixo…
    MC

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