A avó materna embalava, e, muitas vezes ao colo e em pé em plena rua dançava com o seu filho, Joaquim enquanto cantava esta cantiga...
Baila, baila, meu saco de palha...
Quanto mais balha, mais escangalha...
Quanto mais balha, mais escangalha...
E, de tanto dançar e balhar, bailou bailou até que BALHOU...
A sua balhada forma de ao filho festar, causou espanto e o Joaquim Simões Roque que bebia água da talha, foi baptizado de “Xequim Balha”. Joaquim Simões Roque, (Balhas), casou a tempo com Maria Clara de Jesus (Clemente).
Entre outros, (Adriano, Cesaltina e Rosa) tiveram filho, o primeiro, Manuel Simões Roque, e claro filho de Balhas, Balhinhas.

Mas quem é que em Alcains, Caféde, e até lá longe nas alminhas, conhecerá o Manuel Simões Roque se não lhe chamar Balhinhas?
Tem agora 66 anos, casado e dois filhos.
Faz e fez muitas coisas boas na vida, Canteiro, Relojoeiro, Ciclista e Músico.
Fui vizinho desta família no Degredo e sempre me impressionou como é que um homem das pedras pode ser relojoeiro?
Mãos que partem pedra que sensibilidade terão de ter para ajustar rodas de escape de terceiros e até de balanço? Claro, não se pode ser tanso.
Já o seu pai me impressionava pela sua aparente calma, quando suado regressava da pedreira e passava o resto da tarde, sentado em pedra de rua, a tocar apenas duas a três notas no seu enorme para mim, contra-baixo...
Mas voltemos ao Mné Balhinhas.
- Canteiro
Acabada a 4ª classe aos 11 anos, sai da escola directamente para as obras, para os Escalos de Baixo por vezes com 6 picos às costas.
Ia de “Orlando”, que é como quem diz, “uma parte a pé e a outra andando”...
Aprende a canteiro com o Ti António Valadeiro, (Cartuxinha) fazendo cantarias para obras, tamancas que são as pedras que suportam as pedras que “trabalham” nas estruturas que as suportam.

Por conta própria, em 1969, foi para o Eirado, Aguiar da Beira fornecer toda a cantaria para o Palácio da Justiça de Trancoso, regressando a Alcains por volta de 1975.
Pelo meio, entretanto, fez a tropa, 1º cabo clarim.
Não emigrou.
- Relojoeiro
Dizia-me, sabes, sempre gostei de mexer naquilo!!!
Dos muitos biscates, só herdou trastes... de corda, automáticos, mecânicos, de tambor e corda, rodas de centro, de segundos e terceiros e até de escape, a que faz o barulho do relógio, a âncora, que segura a rotação e o balanço, e para mostrar desoras, mostrador que mostra horas.
Aprendeu, sem novas oportunidades, a seu custo, com a sua vontade, o seu engenho e arte, adquirindo curso por correpondência para conhecer as peças e poder encomendar material.
Digital, monos, em ilhas, a pilhas.
- Ciclista
Febre de infância, gosto de andar de bicicleta, sair do rame-rame, do anonimato, ter fama, famoso...
Comprada a primeira bicicleta ia para o trabalho com o pai... para lá ia de bicicleta o pai, e, para cá, no regresso, vinha na bicicleta o Manel.

Destes tempos de ciclismo, tambem o Zé Pires (ver foto) por lá andou, contemporâneo do Manel e do Zé Treze.
Recorda o Manel Balhinhas que, a primeira prova em que concorreu com o Zé Treze, foi na festa do São Luis nos Escalos de Baixo.
Não tinha sequer equipamento.
Já na última volta, vinha à frente e caíu na curva da igreja matriz de Escalos de Baixo.
O Guitarras, assim era conhecido no meio ciclista o Guitarreiro, que participava em todas as corridas mas chegava sempre com a meta já inundada de gente, não lhe emprestou a bicicleta muito menos o Zé Treze que em carro de apoio do Mourinha tinha rodas, pneus e sobressalentes em quantidade e, para a época de qualidade.
E por ali ficou.

O Zé Treze era dois anos mais velho que o Balhinhas, rivais, dividiam adeptos do ciclismo de Alcains.
O espião que vei-o do frio de então, era o Américo Manco, Sportinguista de todos os costados, que terá contado em muito segredo ao Balhinhas que, o Mourinha, tinha arranjado uns rolos que permitiam que, o Zé Treze, treinasse na oficina do Mourinha mesmo em dias de chuva.
Descoberta a tramóia, mais o Balhinhas se encarniçou para bater o Zé Treze em provas futuras.
Mas...
O Mourinha, que conheci e me falava muito dos excelentes ciclistas de Alcains, comprou para o Zé Treze uma moto.
Eles, Muorinha e Zé Treze, iam naquela manhã de 12 de Janeiro de 1965 a uma matação ao Padrão, freguesia de Almaceda.
Tentavam chegar a acordo sobre se deviam ir de moto ou em automóvel, no passeio verde em Castelo Branco junto ao quiosque Vidal, com o Balhinhas presente.
Decidiram-se pela moto...
No regresso, e ao descer as curvas do Padrão, despistam-se, morre o Zé Treze e o Mourinha fica muito mal tratado.
Foi a última vez que estive com o Zé Treze, dizia-me o Balhinhas.
Este, passou então a ser o ídolo da região...o seu forte era a resistência de caixa, toráxica...Gáfete, Alpalhão, Monforte, e nas redondezas onde corria, limpava tudo e todos.
Diz-me o Domingos Bispo, tambem ele ciclista, que era corrente na altura perguntar se o Balhas tambem lá ia...à corrida claro, o que desencorajava outros ciclistas a participar.
A prova rainha que lhe deu mais nome e fama, foi na festa de Santo António em Alcains com duas voltas a começar em Alcains, Escalos de Cima, alto da Lousa, Lardosa e Alcains e à terceira volta ir ao alto da Gardunha e regressar a Alcains.
Vizinho que fui, o Manel distinguia-me sempre no meio da malta que atrás dele ia, com uma palmada nas costas o que aumentava exponencialmente a minha cotação entre a canalha daquele tempo.
Era o meu herói.
- Músico
Pai músico, filho músico teria de ser.
E aos 14 anos foi para a banda tocar Trompa de Nossa Senhora, sabendo já nessa altura as duas primeiras páginas de Solfejo do Freitas Gazul.
Tambem por ali, eu aprendi, com o Ti Manel Pratinha em história de música que por ora interrompi.
O Ti Anselmo na altura Mestre da música, ouvia o pai dizer-lhe que o filho já sabia muita música...e assim foi, começou pelos instrumentos mais simples que são as Trompas.

Com jeito para o compasso, ritmo, vai para a tropa e é desafiado a fazer uns testes nas cornetas.
Sentindo-se noutro nível, lá aceitou a contragosto e quando lhe mandam tirar umas notas, de música claro, fez logo o Toque de Recrutas.
Aprovado com Distinção e Louvor foi de imediato, na 2ª Região Militar, a fazer os “casting” como agora se diz, de futuros Corneteiros e Clarins.
Aprendi com ele que os Corneteiros pertencem à arma de Infantaria e os Clarins às armas de Cavalaria, Artilharia, etc...
Concluída a tropa, regressa à banda assentando agora praça em Trompete.
Era mestre da banda nessa altura, o Sr. Madeira, grande músico no dizer do Manel, que falecera entretanto.O Manel faz então o curso de Maestro e na colónia de férias de São Fiel o Curso de Aperfeiçoamento de Regentes.

Esta foto, tirada na porta principal da Igreja Matriz de Alcains data de 1978 e a banda era constituída pelos seguintes músicos:
De cima para baixo e da direita para a esquerda:
-Francisco, Pintor
-Joaquim Estorino
-Joaquim Simões Roque, Balhinhas.
-Sebastião Paciência
-Joaquim Anes
-Vasco Churro, Moacho.
-José Amoroso Eanes, Muxagata.
-Antero Raposo
-João da Póvoa
-Martinho Carrega, Mochinho, com muita capacidade e gosto.
-Carlos Carvalhinho
-Luis Madeira, ex-maestro
-Manuel Ricardo, Grilo
-António, Morcela
-José Pequenão, Fortunato
-João Robalo
-Manuel Carlos, o caixinha
-Manuel Simões Roque, Balhinhas, maestro em 1979
-Jorge Canhôto
-António Aleluia, Roque
-Carlos Bispo Sousa
Com o falecimento do Mestre, Sr. Madeira, a maestria passou para o Sr.Manuel Leitão, natural do Fundão que acabou por abandonar, e, por unanimidade dos músicos da banda, o Manel Balhinhas acabou por assumir a responsabilidade de Maestro da Banda Filarmónica de Alcains, em 1979.
Actuaram em todas as festas nos arredores, e conta que, certa vez foram convidados para irem tocar à Mata, numa segunda feira de Páscoa à festa de S. Pedro.
Havia no entanto um festeiro que, só autorizava que a banda fosse tocar à festa, se soubesse tocar o S. Pedro.Manda o Manel que o festeiro entoasse um pouco da música, e, chega à conclusão que se trata da peça Alvíssaras, que também tocavam à Santa Apolónia apenas com outra letra.
Fez a partitura com as partes cavas, e o desdobramento da partitura para cada instrumento e lá cumpriram o contrato.

Esta foto foi tirada frente ao edifício da Câmara Municipal de Trancoso, em 1979.
Os músicos pela mesma ordem eram os seguintes:
-Joaquim Simões Roque, Balhinhas
-Ana Paula Simões, Balhinhas
-Fernanda, Cantôa
-Manuel Ricardo
-Esmeralda Pequenão, Pireza
-Carlos Bispo
-António, Morcela
-Vasco Churro, Moacho
-João Robalo
-Jorge, Canhôto
-Martinho Carrega, Mochinho
-Carlos Carvalhinho
-Manuel Carlos, Caixinha
-Sebastião, Paciência
-Jose Anes Amoroso,Muxagata
-Joaquim Estorino
-Francisco, Pintor
-João da Póvoa
-Manuel Simões Roque, Balhinhas, maestro 1 mês depois.
-Antero Raposo
-Manuel Leitão, era o maestro do Fundão.
A convite do Sr. António Loureço Barata, Terlé, foram à Feira Internacional de Lisboa a um encontro de Alcainenses, visitaram o Palácio de Belém onde foi servido um Porto de Honra oferecido pelo nosso conterrâneo Gen. Ramalho Eanes, à data Presidente da República.
Hospedados em hotel a estrear, visitaram com o Sr. J.Pimenta os seus empreendimentos de hotelaria em Talaíde, e não se esquece de ter visto entre 30 a 40 carros a que os trabalhadores deitaram fogo, nos idos do 25 de Abril.
Porque por essa data estava de serviço à Junta da Freguesia de Alcains, acompanhei de muito perto a actividade da banda e por tal facto insiro foto de inauguração do Infantário da Pedreira.

O Manel Balhinhas regeu pela última vez a banda em 8 de Dezembro de 1982, na festa em Alcains, da Nossa Senhora da Conceição.
Acabou assim a banda de Alcains, da qual tantas histórias de músicos se contam, que todos desde pequenos ouvimos, postal ilustrado de uma terra que alegrou tantas e tantas gentes, dinamizadora cultural de rudes homens das pedras, de sapateiros, pintores, canteiros e pedreiros, agricultores, estudantes, homens e mulheres, que através da música, da lei da morte se libertaram...
Se com esta fotos e do longo texto contribuir para o não esquecimento desta gente, cumpri parte do meu objectivo.
O Manel Balhinhas, canteiro, ciclista, relojoeiro e músico fez muito por Alcains, com a sua votade o seu esforço e principalmente com a sua seriedade, não tem sequer um instrumento em casa, dos muitos que havia e que todos desapareceram...
Honrou a sua terra, saiba agora a sua terra reconhecer o mérito a este HOMEM.
Obrigado, Balhas...
Manuel Peralta