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segunda-feira, 2 de maio de 2022

CANTEIRO - UMA ARTE DO PASSADO COM FUTURO

Guardei para memória futura este recorte do Reconquista, porque na data em que esta infantil e delicodoce notícia saiu, me fartei de rir com o texto de Lídia Barata cujo título, apenas, “uma arte do passado” corresponde à verdade.


Tudo o resto, manifesta uma ignorância total acerca desta passada, ingrata, mal paga e difícil profissão, e perguntava-me e pergunto hoje, com é possível escrever com total desconhecimento sobre a história desta profissão e na total incapacidade de analisar socialmente a pobreza a que esta profissão com futuro, no dizer da Lídia, conduziu, todos os que dela fizeram a sua arte.

E claro, apadrinhada e com elogios da escola, a que não faltaram as “tardes da Júlia”… escola esta que, nos rankings de desempenho, anda muito lá para baixo…


Assim titulava a Lídia.

“O curso vocacional de cantaria ajudou a preservar uma arte em vias de extinção e abriu portas para o futuro de alguns jovens”… (sic)

Como é possível numa pequena frase escrever tanto sem sentido?

A arte não se preservou, está extinta, as portas que o dito curso abriu estão fechadas e perdeu-se definitivamente a chave, e o futuro destes formandos extinguiu-se a caminho da europa. Hoje não há canteiros a trabalhar em Alcains.


Quando este texto foi escrito, já nada existia do que o curso vocacional pretendeu recuperar, e ao que consta, nem um sequer dos formandos caiu na ratoeira que a escola lhes quis armar. Sugiro a quem me lê, que reflita e acompanhe de memória os canteiros que conheceu ou conhece, como  foi a sua vida, os seus sinais de riqueza, que futuro deram aos seus filhos, enfim que atrativos tinha esta profissão dita com futuro.

Não conheço um único canteiro cuja vida não tenha sido muito difícil, que não tenha sido remediado a caminhar para pobre, com fortes perturbações respiratórias, com várias mortes precoces pelo exercício da profissão. Os que emigraram e foram muitos, e conseguiram por lá exercer a profissão, melhoraram bastante a sua, por cá precária, situação. Todos ou quase todos nem a reforma mínima conseguiram com os descontos sociais que fizeram, e angustiados andam com o futuro pois a sua reforma  nem sequer dá para viver o resto da suas difíceis vidas no Lar Major Rato.


Mesmo no auge das pedreiras de Alcains, repletas de canteiros, a imigração foi quase total para a beira interior e para todo o alto Alentejo. E é por ali, neste interior hoje vazio, que se encontram as inúmeras obras de arte que os canteiros Alcainenses fizeram e espalharam uma merecida fama na arte de trabalhar a pedra. Mas imigrando! Os que por cá ficaram foram sobrevivendo.

Deve ter hoje cerca de 55 anos, menos 17 que eu, o Adriano de Jesus Barata, conhecido na terra dos cães pelo apelido de Adriano ”Esgueira”, excelente canteiro, a quem em tempos ouvi sobre a sua arte de canteiro. Não foi nas “tardes da Júlia”, que me contaram, mas foi ele que me disse o que a seguir escrevo.


(sic… saiu da escola com a 4ª classe, e foi para a pedreira dar água aos canteiros mais velhos, descalço, e quando a sede dos outros estava saciada, começava a bater com a  macêta e o cinzel nas pedras sem qualquer utilidade. Passados dois a três meses nesta atividade, perguntava então o patrão o que queria e, se decidia ser ou não, canteiro. 

Ao dizer que queria ser canteiro, teve o seu pai de pagar ao patrão 500 escudos, já a trabalhar nas pedras andou 6 meses de borla, trabalhava de 2ª a sábado e, aos domingos, ajudava a carregar na camioneta a cantaria feita durante a semana. Quando foi capaz de desempenar e por uma pedra em esquadria, teve de levar 5 litros de vinho para os canteiros mais velhos que o tinham ensinado. Quando começou a ganhar dinheiro 10 escudos por mês, sem qualquer inscrição na segurança social, iniciou então a sua profissão na arte de canteiro. No dizer dele, o canteiro não é um escultor, trabalha a pedra, o granito, em esquadria como se pode ver no banco de Portugal e no tribunal, ambos em C. Branco. O canteiro não deve ser objeto de interesse de gente que nunca sentiu nas mãos gretadas, o sabor, a dor e o travo amargo do frio da ferramenta no inverno e o abrasador calor das pedreiras sem proteção no verão.  sic”).


Em conversa recente com o canteiro já reformado e perguntando eu se o seu neto não queria seguir a profissão do avô, sem papas na língua disse-me, era preferível, como se diz por cá, partir uma perna.

O fecho de quase toda esta atividade ligada às pedras/cantarias/calçadas por aqui, prova a total ausência de futuro desta quase bárbara profissão, em que trabalhando todos os dias, nunca se passa de pobre. Portanto Lídia Barata, as portas do futuro a que se refere, para alguns jovens, estão fechadas, e duvido que se encontre a chave…


Com a finalidade de esclarecer melhor o que escrevo, vou dar a conhecer vários nome de canteiros, que quem me lê pode conhecer e, convido-o a refletir sobre o que foram as suas vidas. Desculpas pelos nomes que não refiro, mas poderão sempre em comentário acrescentar o que lhes aprouver.

João Moleiro, João dos Reis (pionto), Paulo Reis, (filho) Suiça, José Escudeiro (Alentejo), Manuel Maria Sanches, João Pardal, Joaquim Paralta (frança), José Baixinho (frança), António Russo, João Folgado (suiça), António Clemente Anes, António Estorino, (suiça), faleceu de doença profissional), João Beirão (frança), António “Bengalas” (frança), Martinho e João escudeiro (suécia), Manuel Escudeiro, Aníbal Escudeiro (comerciante), Silvestre Grilo e irmão Manuel “altamotora”, (frança e guarda prisional), Rola (Luxemburgo), João Anes, Polainas (frança), Leontino e Possidónio e, J. Pimenta que vindo das carpintarias, ainda se mantem nas pedras.


Referência especial ao António que sendo canteiro de base, a ele se deve a estátua do canteiro.

Nenhum canteiro foi ou ficou rico, os que melhor mexiam nas pedras, também viveram melhor. Um destes canteiros e, para rematar, dizia-me, sabes Manel … “só tinha o caminho das pedras para andar”.


Manuel Peralta

Nota. Os cursos vocacionais, as novas oportunidades, entre outros programas de humor, são do tempo de Sócrates/Maria de Lurdes Rodrigues.

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