Pirilau
David Pirilau
David Caetano Félix
Ganhou o Pirilau...
Mas qual?
O Raul ou o David?
O da bicicleta, o David, um artista, o corredor, o ciclista.
Era assim, sempre quando o David corria na sua bicicleta, nas festas de verão, um pouco por todas as localidades das redondezas. Esguio, de perna curta, de gordura enxuta, franzino, este ciclista menino...
Filho de “sardinheiros”, ele o pai, António Félix e a mãe Maria Emília Caetano, tiveram seis filhos, quatro rapazes e duas raparigas.
Já agora e, a propósito de sardinheiras, sempre me causou “imbeleique” porque é que em Alcains não havia peixeiras?
A Ti Carquita, a Ti Arraiana, a Ti Pirilau entre outras, eram apelidadas de sardinheiras enquanto noutras localidades eram apelidadas de peixeiras.
Reconheço agora que, nas caixas da sardinha, efetivamente só aparecia sardinha, algum, pouco, carapau e parcos chicharros, daí que o nome da sua profissão estivesse ligado ao produto “core”, que vendiam. Sardinhas. Logo, sardinheiras.
Adiante.
O David, agora na “ retraite “ e a viver em França e que no barbeiro reencontrei no verão passado, foi dos últimos ciclistas populares a levar o nome de Alcains às redondezas.
Fez a quarta classe, trabalhou nas obras, pedreiro, e com o dinheiro que ia ganhando e poupando, comprou uma bicicleta.
Mas que bicicleta?
O seu irmão, Pirilau Raul, um verdadeiro artista, aventureiro, e que, quando as comédias vinham à praça, e, sempre que o palhaço pedia à assistência um voluntário, o Pirilau Raul, saltava de imediato para debaixo do petromax, instalado no trapézio.
Tudo isto perante o embevecido ar da Ti Piedade Esgueira e do Mané Pi, seus vizinhos, com anual assinatura de camarote de primeira vista.
De tanto saltar, certa vez, saltou um muro e foi às laranjas. Apanhado, tinha de pagar multa, e, sem dinheiro e por cem escudos teve de ao irmão David, vender a bicicleta, e, assim, nasce um ciclista.
E começou o David, a treinar, a correr, sem fim pedalar, sem qualquer apoio, mas com uma enorme vontade de vencer...
Alcains, Lardosa, Escalos, quer de cima quer de baixo, S. Miguel D´Acha, Medelim entre outras localidades, por ali correu, disputou, pedalou com outros camaradas provas de ciclismo que traziam para a estrada e para as ruas, os apoiantes e os muito entusiastas de então.
Sem qualquer apoio...
Conta que nas corridas em que participou se não era primeiro era segundo, o seu grande rival era o saudoso FIEL da Lardosa, recentemente falecido.
Numa festa na Lardosa e no sprint final, iam ambos colados, o Fiel caiu, o David passa por cima dele, e de bicicleta pela mão, corta a meta em primeiro lugar.
A correr em casa a comissão das festas, quis dar o prémio ao filho da terra, Fiel, mas a GNR de Alcains, obrigou a comissão a dar o prémio ao David.
Em 1968, em Lisboa, numa prova que catapultou Alcains para o ciclismo, pois foi objeto de notícia nos jornais nacionais de então, prova essa organizada por um conjunto de Alcainenses, João Batista, Vitor Serrasqueiro, Minhós Castilho, Félix Rafael entre outros, o David ficou em 4º lugar, isto porque saltou um pedal da sua bicicleta, e apenas com uma perna fez o sprint final.
Desta prova há um post no terra dos cães denominado “ciclismo em Alcains” um dos post mais visualizados, onde se detalha esta aventura que esteve na base de termos em Alcains finais da Volta a Portugal.
Mas a vida por cá estava mal...
A salto, emigra para a França. Trabalho nas obras. Sem passaporte...
Não querendo ser refratário, regressa a Portugal, para a tropa.
Desde Oxerre até Alcains, vem então de bicicleta. Nove dias em cima dela, a duas rodas, por montes e vales.
Radio telegrafista na Guiné Bissau, 22 meses de comissão, regressa à então metrópole com o 25 de abril.
Parte então para França, onde reside, tem agora 65 anos, casou, 4 filhos, todos, família, lá.
Os prémios não passavam então de umas taças, medalhas, uma ou outra garrafa de Lágrimas de Cristo e, dinheiro, sempre pouco.
Conta que o FIEL era melhor rolador, mas ao sprint o David passava-lhe a perna.
Numa prova em Medelim, correu entre outros com o “Basuca”, o Carlos Rosa. Como este tinha lá a namorada, combinaram, e o David deixou-o ganhar. Acabou por casar lá.
Mas a coroa de glória dele é uma marca jamais batida.
Contra relógio Alcains, Escalos de Cima, alto da Lousa, Lardosa e final em Alcains em 41 minutos e 33 segundos, média de 39 quilómetros por hora, imbatível até hoje. Disse.
O David merece não ser esquecido, deu alegrias a muita gente, despertou imenso entusiamo, ajudou a reconhecer Alcains como uma terra de muitos e bons ciclistas.
Ainda hoje, humilde, discreto, simples,... a nossa terra, na generalidade, foi feita assim.
Obrigado, Pirilau, David.
Manuel Peralta