...que entretanto se perdeu, acabou.
Para os Alcainenses a banda filarmónica era para todos um motivo de orgulho.
Do ponto de vista social era a seu tempo a única escola de música, um ponto de convívio de gentes de todas as idades e, naquele tempo, pela primeira vez integraram-se elementos femininos.
A sua sede, um rés do chão de piso de pedra, teto de madeira muito baixo, arrendado a um particular, na rua onde nasceu esse GRANDE ALCAINENSE Dr. EMÍDIO BEIRÃO PIRES DA CRUZ, AO QUE CONSTOU NA ALTURA, TER SIDO PELA PIDE ASSASSINADO, POR OPOSIÇÃO AO ANTIGO REGIME, POR TER OUSADO LEVAR PARA TRIBUNAL, UM ESCÂNDALO DE PROSTITUIÇÃO DE MENORES, QUE ENVOLVIAM homens do regime, DENOMINADO "BALLETES ROSE", adaptado entretanto para uma novela que passou pela televisão.
Portanto, a sede não tinha um mínimo de condições, pequeno que era o rés do chão, para a sua atividade.
Para a Junta da Freguesia, apesar de não haver qualquer promessa eleitoral para tal, era óbvio que havia que resolver o problema da sede da banda, proporcionando melhores condições para ensaios e concertos e, com isso fomentar a atratividade de mais elementos, uma vez que, estes/estas, começavam a rarear.
Conhecedor do estado de degradação em que se encontrava o edifício do matadouro municipal, denominado com letras na frente do edifício de "Talho Municipal", e, sendo este propriedade da Câmara, decidi questionar o seu Presidente, Dr. César Vila Franca.
Em visita acordada no local, foi perentório em anuir ao pedido e, ali, verbalmente doou o edifício para a sede da Banda/Filarmónica Alcainense.
Posto ao corrente do assunto, ver recorte de jornal de então, o correspondente em Alcains do Reconquista, agradecia em nome de não sei quem, semelhante dádiva.
Porque sempre pugnei pela continuidade da banda, decidi que o edifício entretanto doado, seria exclusivamente para a sede da banda, apesar de outras sugestões havidas. Sem qualquer concurso e, após ter presentes as respetivas necessidades, decidi que a junta iria pagar 40 contos de réis, quarenta mil escudos, ao Técnico de desenho, Sr. José Moleiro, de Alcains, para mediante orientação da junta, efetuar o projeto.
Relembro.
Primeiro andar para residência do mestre, rés do chão com palco para ensaios e futuros concertos, casas de banho e, anfiteatro com cerca de 60 lugares para o público.
O projeto foi feito e, ficou na junta o dossier respetivo, para que, quem viesse a seguir, lhe desse andamento.
O caminho foi outro e o que era para ser sede da banda, acabou com outra orientação, a ser sede do clube desportivo.
Voltando à banda.
Em conversa recente com o Vasco Lopes Churro, ("Muacho"), (foto abaixo), Alcainense que participou vários anos na banda, de 64 anos de idade, reformado de trabalhador fabril das Fábricas Lusitana, após ter sido padeiro, era o saxofone tenor da banda de Alcains.
Com ele em conversa agradável, fomos caminhando juntos no percurso da banda.
A banda foi sempre uma organização exclusivamente dos seus músicos. De entre eles era escolhida/eleita uma direção, só de músicos, que fazia tudo.
Recebiam os convites para festas e procissões, marcavam os ensaios, e recebiam o dinheiro acordado pela atuação. Desse dinheiro, pagavam a reparação dos instrumentos e uma ou outra despesa e, o resto era dividido igualmente por todos os músicos.
Perguntado sobre se o mestre, o tocador do bombo, o tocador dos pratos ou da caixa recebia o mesmo, afirmou que tudo recebia o mesmo, independentemente da sua função.
Na primeira foto deste texto, do lado direito e vestindo civilmente, está o mestre da banda nesta época, o Sr. Manuel Leitão que residia no Fundão. Este mestre aguentou a banda enquanto outro músico o Manuel Simões Roque, Balhinhas não tinha o grau de mestre.
Para tal, no Colégio de São Fiel, no Louriçal do Campo, o Balhinhas, tirou o seu curso de mestre, ficando então devidamente encartado com a CARTEIRA PROFISSIONAL DE REGENTE DE BANDAS.
E passou a reger a BANDA FILARMÓNICA DE ALCAINS.
Com a promessa de nova sede, e com um subsídio mensal que junta lhe atribuiu, a banda teve uns anos, poucos, de afirmação. Atuava principalmente em procissões, festas e romarias à volta de Alcains, Escalos de Cima e de Baixo, Lousa, Póvoa do Rio de Moinhos, Lentiscais, Aldeia de Santa Margarida, Trancoso e Bogas de Baixo, entre outras localidades.
Recorda o Vasco que o mestre Balhinhas recebeu sempre o mesmo que qualquer outro músico, nunca exigiu pagamento diferente por ser o MESTRE DA MÚSICA.
Realizou-se por esses tempos na Feira das Indústrias em Lisboa um encontro de Alcainenses.
O grande promotor deste evento foi um excelente Alcainense o Senhor António Lourenço Barata, vulgo em Alcains popularmente denominado de "Terlé". Amigo que era do J. Pimenta fomos inaugurar um hotel em Cascais e, a pedido meu, o Senhor Barata autorizou que, pela primeira vez os familiares dos músicos acompanhassem os seus familiares músicos. Tudo dormiu no hotel. Os membros da Junta e família, incluídos.
O general Eanes tinha sido eleito Presidente da República, e, fizemos com a junta e a banda, uma visita ao Palácio de Belém.
O casal Eanes ofereceu um Porto de Honra aos visitantes, e ali se tocou entre outros temas a Santa Apolónia. Em ambiente de elevada alegria, recorda o Vasco que o Presidente Eanes terá observado. "BEBAM O VINHO, MAS NÃO LEVEM OS COPOS, SENÃO, TEREI DE SER EU A PAGÁ-LOS."
Entretanto o Mestre da Banda decorridos os três anos do mandato, apresentava sinais de elevado cansaço. Muito exigente que era, aborrecia-o solenemente alguma indisciplina e faltas aos compromissos. Como era mesmo muito meu amigo, vivi com a família dele vários anos na Rua do Degredo onde nasci, e desde o Pai dele, Ti Joaquim Balhas, ao irmão Adriano, à irmã Cesaltina e sua Mãe, a Ti Maria Clara, sempre no fundo da rua sem saída, e após um dia de trabalho se ouvia o roncar amistoso de um contrabaixo, tocado sobre uma laje que lhes servia de sofá.
Mais tarde a banda deixou de tocar.
Até hoje.
Manuel Peralta
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