Longa é a Rua, assim como longa é a lista de nomes das pessoas que em meados do século passado ali exerciam a sua actividade, para responder ás necessidades de Alcains e terras vizinhas.
Embora a minha memória já não ser o que era antes, vou tentar recuar no tempo para dar a conhecer a quem não viveu essa época, e relembrar a quem esqueceu, todas as actividades que ali foram exercidas.
Vamos começar o nosso passeio no início da Rua Longa, logo na primeira casa do lado esquerdo da igreja: a “Alfaitaria” do Ti Amável, que além de trabalhar com a sua esposa e, filha, ainda dava emprego a algumas raparigas.
Além de alfaiate, também era concessionário das máquinas de costura ALFA; máquinas que disponibilizava ás raparigas interessadas a aprender a arte de bordar e, como havia sempre muitas candidatas, tinha que coordenar os horários de forma a que todas tivessem a oportunidade de aprender.
No fim do curso, havia sempre uma exposição aberta a toda a comunidade alcainense, e ao mesmo tempo votar na melhor peça.
Logo paredes-meias estavam a “Pensão Almeida”, gerida pela Ti Conceição Almeida e filha Celeste: desconheço quantos quartos tinha.
Entre outros, era ali que comiam e pernoitavam o Sr. Joaquim “ourives” (natural de Varziela - Cantanhede) e um dos capadores que vinham com alguma frequência à Terra Deles.
Foi também nesta pensão que durante muitos anos esteve o Ti António (Contrabandista); figura típica natural de Salvador, que se considerava alcainense.
Continuando pelo lado esquerdo, depois de caminharmos alguns metros, chegamos à residência e “Padaria” do Sr. José André, onde a Ti Piedade (Tira Linhas) se afainava durante todo o dia ao balcão. Vendia o pão feito com farinha de trigo a 3$30, de centeio 5$00, carcaças 1$80, papo-secos $40, farinha e farelo. (Preços praticados no fim dos anos 50, início de 60).
O pão de centeio (dos pobres) teria cerca de dois quilos, daí a diferença de preço.
Toda a farinha era produzida na fábrica do Sr. José, situada no Largo de Santo António.
O pão inicialmente cozido num forno construído no quintal da residência, mas tarde passou a ser cozido na traseira da fábrica, em fornos novos construídos pelo Ti Adriano “Chupa” (da Churrasqueira a Lanterna), com entrada pela Travessa Dr. Sanches Semedo (Travessa da Rua do Cemitério).
Depois de a fábrica encerrar, a padaria também foi transferida para o Largo de Santo António e, ainda com a Ti Piedade ao balcão durante alguns anos.
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Na casa a seguir, estava a Ti Maria Duarte Lopes “Costureira” (também lhes chamavam modistas), sempre com muitas raparigas a ajudar e, ao mesmo tempo aprendiam a profissão.
Do lado oposto (direito) a Ti Josefina Leão, “Bordadeira”que executava trabalhos por encomenda.
Depois de uma dezena de passos chegamos ao Ti Manuel Ramos e à Ti Capitolina.
No primeiro andar a Ti Capitolina exercia a actividade de “Costureira”, com algumas rapariga a aprender.
O rés-do-chão dividido em duas partes, tinha de um lado, o “Stand de electrodomésticos” que na época se limitava ao ferro de engomar, pequenos fogões eléctricos, a gás, candeeiros e rádios.
Do outro, o “Ciclo Ramos”: venda e reparação de bicicletas.
(Actualmente é em frente ao Lar Major Rato que o Ti Manuel Ramos ainda vai vendendo e reparando algumas bicicletas).
Foi nesta casa que habitou o Sr. Gabriel Valente e esposa Sra. Dores que tinham o seu lagar, comércio de azeitona e carne suína, no Chã da Corte.
Voltando ao lado esquerdo e caminhando mais meia dúzia de metros chegamos ao ao Zé Caçapinho “Barbeiro” (filho do Ti Zé Caçapo, da Ti Justa e, irmão da Ti Piedade Tiralinhas), que além de barbeiro era um excelente músico, que na sua época ainda formou um grupo musical.
Não conheceu este homem, ainda devia usar fraldas quando ele faleceu, mas recordo-me ouvir dizer que o Zé assobiava como um rouxinol e, ouvia-se ao longe
Do mesmo lado a escassos metros, a Ti Maria da Silva e Esposo, Agricultores e “produtores e vendedores de Queijo”. Pelo menos um dos seus filhos o Jaime, deu continuidade à actividade familiar.
Vamos regressar ao lado direito, e parar na esquina com a da Quelha da Mateira.
Ali na casa da Ti Antónia Valadeiro no rés-do-chão, funcionou o “Posto Sanitário de Controlo do Leite”. Passagem obrigatória das leiteiras antes de poderem vender o leite ao cliente.
O controlo era feito com o lactodensímetro, exemplo: quanto mais água misturassem no leite mais o aparelho descia, sem contudo indicar a quantidade de água. Hoje a crioscopia além da densidade, indica a percentagem de água misturada.
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Acontecia que lhes despejassem o leite na sarjeta se fosse detectada alguma irregularidade.
Trabalhavam ali dois funcionários: o Sr. Manuel Lopes dos Escalos de Baixo, e o Sr. Rebelo (morava na Rua da Pedreira, na pequena casa que faz ângulo com a rua que comunica com a nova urbanização).
Mais tarde este posto foi transferido para a praça, por baixo do terraço do Ti Zé Fortunato e, o técnico passou a ser o Ti Sebastião Amaro. Recordo ouvir dizer ao Ti Sebastião que para medir a densidade do leite, não lhe fazia falta o lactodensímetro; bastava-lhe para isso cheirar álcool e depois o leite, e o seu palpite era infalível.
Na outra esquina, o Ti Manuel Aurélio “Sapateiro”. Este alcainense dentro das suas possibilidades também ajudou muito o GDA e CDA. Era o Ti Manuel Aurélio que efectuava gratuitamente os consertos nas chuteiras dos jogadores. Facto pouco conhecido, mas grande prestação que este alcainense ofereceu ao nosso futebol. Aqui fica o reparo.
No mesmo local, também trabalhava a sua esposa Ti Etelvina como “Costureira”. Esta Senhora fazia os chumaços e entretelas, que o sr José Marque Rafael depois utilizava na confecção dos casacos (nos ombros e golas).
Logo a seguir o Sr. Benedito Beirão. Com uma “Loja” semelhante à da Ti Brandoa, também ali se vendia um pouco de tudo. Do cobertor ao lençol: da chita e do riscadinho ao serrobeco: da ganga e da bombazina à boa fazenda: era uma autêntica caverna de Ali Baba.
Voltando ao lado esquerdo e quase defronte, o Ti Fortunato “Ourives”, que executava todas as reparações em objectos de ouro. Percorria as ruas de Alcains e terras e vizinhas com a sua “mala ateliê” às costas lançando para o ar o pregão: “Têm por lá ôrô prárranjar”.
Também recebia clientes na sua residência, aonde vendia peças de ouro usadas, algumas depois de serem restauradas por ele.
(O filho mais velho Manuel, companheiro de jogos de criança do MC, marca sempre presença como “alfarrabista” na feira de antiguidades que se realiza no terceiro domingo do mês em Castelo Branco, onde tem residência, assim como o seu irmão Francisco).
Sempre do lado esquerdo, mais uns metros e chegamos à “Loja (Mercearia)“ da Ti Patrocínia e Ti Chico Sousa. Figuras muito populares da Rua Longa, tinham a residência e “Loja” de um lado da Rua, e “Barbearia” do outro (direito).
Via passar muitas vezes este Senhor com a malinha da ferramenta à minha porta, quando ia cortar o cabelo aos seminaristas.
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Logo a seguir à Barbearia, a residência e atelier do “Tintureiro” do qual não me recordo o nome. Mais tarde este local foi sede do GDA.
Na época foi uma grande inovação que chegou a Alcains. Tinha uma vasta clientela que farta de andar sempre com a mesma roupa, tinha ali a possibilidade de lhe mudar a cor e ficar praticamente com uma peça nova.
Hoje com as novas tecnologias, é fácil mudar a cor da roupa em casa.
(Este Senhor não era de Alcains, mas viveu ali muitos anos).
Vamos novamente mudar para o lado esquerdo e chegamos ao Sr. José Marques Rafael e à sua “Alfaiataria”(no tempo a maior de Alcains).
Sob o comando do Mestre, também ali trabalhavam os filhos Ramiro e Hélder. Também foi com o mestre José que o Jorge (alfaiate) aprendeu a profissão (outros haverá?).
Nos anos 50/60 era para as raparigas um privilégio trabalhar naquela Alfaiataria.
Logo a seguir o Ti João Galvão (Chapeleiro). O trabalho nos chapéus era fisicamente muito extenuante. Os chapeleiros empregavam constantemente um ferro quente (tipo ferro de engomar) e só com grande esforço conseguiam dar as formas ao chapéu.
Em tempos, um chapéu usado ou que já “estivesse russo” (um pouco descolorido) devido à sua exposição ao sol, o chapeleiro virava-o e ficava como novo.
A sua área, de vendas também se alargava ás feiras e mercados da região.
Voltando ao lado direito, o Ti Manuel Preto “Sapateiro” (sogro do Ti Moisés Rafael).
Homem muito comunicador e em certas ocasiões meteorólogo. A sua esposa Ti Trindade ainda era minha parente.
Contava o Ti Manuel que um dia estava como era hábito a trabalhar com a porta aberta, sentado em frente à janela e cabeça baixa, enquanto dava alguns pontos num sapato, quando lhe pareceu ver um relâmpago escuro atravessar o “patinho” (patamar) em direcção ás escadas.
Hesitou, ainda deu mais algum ponto, mas acabou por ir verificar e, qual não foi o seu espanto, quando viu uma cigana toda gaiteira muito cautelosamente a subir as escadas.
Imagino a cena, que deve ter causado grande alarido na Rua Longa, e não só.
Logo a seguir ainda do mesmo lado, o Ti João Leão “Sapateiro”a quem numa ocasião ouvi dizer que todos os dias “matava o bicho” com o seu amigo Ti Chico Sousa.
Duas casas mais acima a “Venda (taberna)” do Ti João(Pacheco) que faz esquina com a rua do Sr. Vigário.(Era sogro do André Requeita e moleiro na fábrica do Sr. José André).
Seria aqui que os dois amigos matavam o bicho?
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Defronte, o “Escritório” do Sr. Trigueiros: hoje diz-se da Lusitana. Em tempos havia ali cinco empregados, entre eles o Sr. Cunha Belo.
(Entrei neste escritório centenas de vezes).
Um pouco mais acima paredes-meias com a capela do Sagrado Coração de Jesus, havia o “Armazém”, gerido pela Ti Maria de Jesus Minhós.
Vendia-se ali produtos das Fábricas Lusitana: farinhas já empacotadas e avulto; sêmeas grossa e fina, farelo e rabeiras, estas últimas para as galinhas.
(Apenas que saí da escola, trabalhei durante algum tempo na Fábrica e, como ajudante de fiel de armazém do Ti Manuel Domingos Prata, tive oportunidade de passar muitas guias, entre outras, algumas para o designado “Armazém”. (O Escritório e o Armazém estavam instalados no rés-do-chão da residência do Sr. Trigueiros).
Do lado oposto estava a “Mercearia” da Ti Rosa Vicente. Estabelecimento de pouca dimensão mas, também ali havia um pouco de tudo.
Após uma caminhada de uns 40 metros e do lado esquerdo, a Ti Rosa Roxo, “Costureira”.
Também sempre com algumas raparigas a trabalhar e aprender o ofício.
Logo a seguir, o “Café”dos irmãos Prata, Manuel e José (os Facas). Desconheço a origem do apelido mas, recordo-me de ali ver a televisão, na ocasião ainda coisa rara em Alcains.
Além dos episódios da Lassie, do Rim-Tim-Tim, Os quatro Homens Justos e Polícia da Estrada, também me recordo lá ver o “Super Carro”, com excelentes episódios para nós ainda um pouco acanalhados.
Paredes-meias a “Padaria” também propriedade dos irmãos Prata. Muitos empregadores, ali se vendia farinha, farel e o pão cozido em fornos a lenha nas suas instalações.
A senhora que estava ao balcão e, da qual não me recordo o nome, era esposa do José e era natural da Mata.
Do lado oposto o “Stand de Bicicletas Prata”, também propriedade dos dois irmãos. As bicicletas que ali se vendiam tinham a sua própria marca: “Prata”.
Mais tarde também venderam máquinas de costura e, seguindo o exemplo do Ti Amável, disponibilizam máquinas para as raparigas aprenderem a bordar, com exposição no fim do curso.
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Voltando ao lado esquerdo chegamos à ultima casa da Rua Longa, à “Venda” do Ti André Ranhado, local onde passei alguns bons momentos.
Também ali se vendia enchidos, preparados pela sua esposa.
Dou por terminado este passeio na Rua Longa, hoje Rua da Liberdade que em tempos foi o coração de Alcains, hoje quase deserta, com muitas casas sem telhado, e prestes a ruir.
(Peço a vossa compreensão por algum eventual algum erro ou omissão. Os anos que passaram já são muitos, e a minha memória já não é a do adolescente daquela época).
MG
As fotos da rua Longa e agora da rua da Liberdade, mostram bem o estado de abandono, decrepitude e ruína em que se encontra uma das principais artérias de Alcains... que já foi.
Primeiro a ex - Junta Autónoma das Estradas, agora Estradas de Portugal, que através de lei estúpida não permitiu qualquer intervenção nas habitações sem que recuassem para alinhamentos proibitivos.
Depois, o marasmo requalificador Municipal, do qual não se sabe a rua da Liberdade é propriedade do Município ou das Estradas de Portugal.
Tudo isto, aliado ao facto de a rua ser principalmente habitada por casais de idosos que a pouco e pouco foram morrendo, conduziu ao estado actual... uma vergonha, uma miséria...
O tão propalado plano Municipal de alinhamentos e a prometida requalificação continuam no congelador dos autarcas.
Até quando?
Manuel Peralta