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terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Do Livro ao Cepo


Pelo Natal, em conversa descontraída com o meu neto Tomás Peralta sobre a sua vida, atividade escolar, e outras inúmeras ocupações dos seus tempos livres, acabámos por nos deter no escutismo, que também frequenta, escutismo de Baden Powel, de matriz religiosa, cristã, por onde, noutros tempos também andei com muitos amigos que hoje mantenho e, até com muitos anti-escuteiros da altura, que, de anti, apenas o tinham de nome, Ezequiel, Minhós Castilho, Joaquim Bispo, Joaquim Manuel entre outros.
Desde a BA, (boa ação) diária onde nos sentámos, viajámos pelo acampamento até ao fogo de conselho, acampando num tema, entre outros, sobre a natureza até à criação do mundo.
Dizia-me ele que a sua assistente lhe tinha dito que  “foi Deus que criou o mundo, e depois de criar o mundo, criou o HOMEM. (Adão e Eva)”. 
E o cepo, atagantou-se, embatucou.


Não o contraditei, atagantado, de garganta seca, apertada, a custo, sem cuspo, lá lhe fui dizendo que essa era apenas uma ideia sobre a criação do mundo, mais coisa menos coisa, encanando a perna à rã, mas que mais tarde haveria de aprender que, sobre quase tudo, haverá sempre mais que uma ideia, e que o melhor a fazer, era respeitá-la. Era ainda muito cedo, nove “horas/anos” para falar de fé.
Assim disse o cepo ao livro.
Vim  para a minha casa, na Terra dos Cães, com este aperto. 
Como agora, aposentado, tenho todo o tempo do mundo para deliberadamente “continuar a prejudicar gravemente a ignorância”, comecei a ler um livro que estava há algum tempo, em fila de espera na cave, para ser atendido.


E fez-se luz. E sobre este tema da criação do mundo, ao que li, apareceu mais uma ideia.
Aristóteles dizia que a terra era eterna, e que, sempre fora muito parecida com a terra do seu tempo. Em 1642, Sir Thomas Browne dizia que o tempo é apenas cinco dias mais velho que nós, pretendendo com isto dizer que, segundo o Livro de Génesis, onde se conta a história da criação, DEUS só criou Adão e Eva ao sexto dia, e que durante os cinco dias anteriores, DEUS, criou a Terra, o Céu, as Estrelas, o Sol, a Lua e, todos os animais e plantas.
Para os cristãos, Baden Powelnistas, o nosso planeta, a terra, foi portanto criada pouco antes de Adão e Eva habitarem o jardim do Éden e aí viram pela primeira vez a Luz do sol, que já existia.
Tal situação, inseria-se no que estava escrito no Livro de Génesis, presumindo-se que os seis dias da criação correspondiam de facto a seis longos períodos, e que a Bíblia apenas descreveria a última criação, a era dos seres humanos.


Divididos entre “Catastrofistas” e “Uniformistas”, os geólogos de então, os primeiros acreditando que os vulcões, os sismos, os tsunami e as inundações ajudavam a escrever a história da terra, por detritos encontrados que terão sido arrastados para grutas, e até que os grandes pedregulhos espalhados pelos campos, resultavam do dilúvio de Noé, os segundos, capitaneados por Charles Lyell, 1830, partindo do princípio de que as forças geológicas que atuam na terra seriam sido sempre uniformes, (as mesmas), pois no seu tempo também houve sismos, inundações e que sempre que ocorriam, alteravam os locais onde ocorriam.
Esta ousadia punha em causa a doutrina vigente, pois dava aos geólogos, a liberdade de interpretar a História da Terra, sem a interferência da Igreja, acabando assim com o catastrofismo e as explicações miraculosas como o dilúvio de Noé.


Eu que andei na doutrina, na catequese, como anda agora o meu neto Tomás, não me ensinou a catequista que, “doutrinar, catequizar, é aprender sem perguntar”, e assim vivi até aos setenta anos, feliz, muito feliz com as catequizações a que fui sujeito.
Só que a vida entretanto mudou muito.
A minha felicidade não mais será igual à dos meus netos, pelo que quero deixar ao Diogo, Tomás, Tiago e Clara, não a minha doutrina, mas que a pouco e pouco se vão interrogando e que, ao longo vida, vão perguntando sempre, PORQUÊ?


Manuel Peralta


Nota de dicionário, Cepo - toro, pedaço de tronco de árvore cortado perpendicularmente ao eixo, coisa grossa, volumosa, sem feitio, biloto em que o carrasco decepa a cabeça dos condenados, pessoa rude, bronca, estúpida.

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