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quinta-feira, 19 de maio de 2011

O 25 de Abril de 74 em Alcains

Anarquia e polémica.

Passaram entretanto 37 anos. E os tempos que se vivem não são de celebrações nem foguetórios. Sim porque se os cravos há muito murcharam, o FMI, o BCE e a UE, cravaram o derradeiro prego no caixão onde muitos depositaram as suas legítimas esperanças. Há no entanto talvez duas gerações de alcainenses, os que ainda não eram nascidos nessa data e aqueles cuja juventude, não lhes deixava verdadeiramente entender, o que a agitação à sua volta representava, e é para esses sobretudo, que alinhavo especialmente este apontamento.

Vamos porém aos factos. Tinham passado poucos dias sobre o 25/4, e o MDPCDE, que em Castelo Branco aglutinava a oposição tradicional ao regime que caíra, preparava a tomada do poder na Câmara Municipal e tentava alterar o poder nas Juntas de Freguesia do concelho, apadrinhando algumas movimentações locais. Em Alcains, talvez que os rostos mais visíveis dessa mudança, fossem o José Rodrigues Castilho (da loja), e o José Pereira de Jesus. Outros haveria certamente, mas a esta distância, creio que eram os rostos mais visíveis para a protagonização da mudança.


No entanto, surgindo quase do nada e aglutinando com o seu poder de argumentação, entusiasmo e dialéctica, surgia no terreno uma força política, até então quase desconhecida no interior – o Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado, vulgo MRPP, de inspiração maoista, que vem baralhar a estratégia mais conservadora e realista do MDPCDE.

E em Alcains sucedeu mais ou menos isto. É anunciada a convocação dos alcainenses para um plenário a realizar no Largo do Espírito Santo, onde a Associação dos Canteiros era o emblema de uma certa oposição ao regime que caíra há poucos dias, para substituir os membros da Junta de Freguesia.


Em simultâneo para o mesmo dia, e antecedendo o plenário, é convocada a população para uma romagem ao cemitério, à campa do Juíz Conselheiro Dr. Emídio Pires da Cruz, morto em circunstâncias nunca totalmente esclarecidas, mas associadas à polícia política, na altura ainda PIDE e não DGS, com que Marcello Caetano lhe pretendeu lavar a face.


Era uma ensolarada tarde de sábado. O MRPP antecipa-se e dou comigo na varanda da minha casa, na Rua da Liberdade, a ver um cortejo com o seu quê de anárquico, mas vibrante, com cartazes e vivas ao MFA, à Liberdade, à FRELIMO, ao PAIGC e ao MPLA e a mim pessoalmente, regressado há menos de um ano da Guerra Colonial, e sem estar ainda em vigor um cessar fogo, me parecia extemporâneo, e até dorido aos familiares daqueles que em África tinham tombado e aos daqueles que ainda lá estavam.

Esta manifestação, onde a Juventude imperava, foi mesmo ao cemitério, onde terá depositado uma coroa de flores e ouvido um Sanches Roque eufórico com o momento que se vivia. E entretanto em Castelo Branco os membros do MDPCDE, atrasavam-se, à época não havia telemóveis e os MR,s dirigem a manifestação que entretanto engrossara, para o Largo do Rossio, onde da varanda da Associação de Canteiros falariam os diversos oradores.

O MRPP dá a deixa e seguem-se vários oradores, com palavras de ordem então mais objectivas: com o MFA contra o fascismo, contra os patrões, são as palavras que mais se ouvem, gritadas com alma daquela varanda. A excepção, terá sido Sanches Roque, talvez o mais ingénuo dos oradores, que lançando ao ar o chapéu, gritava a plenos pulmões: Liberdade! Liberdade! Liberdade! Viva a Liberdade!


E quanto ao objectivo principal daquele comício/plenário, que seria a substituição dos membros da Junta de Freguesia, nada.

Eis que entretanto chegam afogueados, talvez o Dr Manuel João Vieira, o Carlos Vale, creio que o Fernando Braz, com raízes em Alcains, e uma senhora de que já não retenho o nome, operária fabril e que mais tarde militaria no PCP, mas os MR,s barram-lhes o acesso à varanda.


Surge então o Presidente da Junta em exercício, José dos Reis Dias, o suposto Presidente da Junta a demitir, que da varanda da Associação se dirige aos presentes, frisando que Alcains era uma terra de gente ordeira e civilizada e que os presentes deveriam escutar as palavras que os “Senhores de Castelo Branco” ali estavam para dizer. Estas palavras são vibrantemente saudadas pela multidão, e o MR muda o slogan, passando a ouvir-se, que os problemas de Alcains, teriam que ser resolvidos pelas suas gentes e não escutar lições de ninguém.

Face a isto, e vendo que os desígnios daquela manifestação/comício já não seriam os esperados, as comunicações dos membros do MDPCDE, assumem um carácter mais didáctico, falando das suas experiências pessoais de oposição regime que caíra, da Guerra Colonial e das suas consequências, e do valor inquestionável da Liberdade.


Cantou-se o Hino Nacional e terminou a concentração.

Falhara redondamente a estratégia do MDPCDE e mais, os seus membros só não seriam mais hostilizados, devido às palavras de José dos Reis Dias, pode dizer-se, o grande vencedor daquele anárquico comício.


Mais tarde, sei que a Junta de Freguesia logo após a instalação dos novos Órgão Municipais, terá colocado os seus lugares à disposição, tendo ouvido destes, que deveriam manter-se em funções. E assim seria.

David Infante, correspondente da Reconquista, alinhavou a sua crónica e é claro, que se houvera aspectos daquela anárquica manifestação que nem os presentes tinham entendido muito bem, por maioria de razões os ausentes muitas mais dúvidas teriam.


E no nº da Reconquista seguinte, surge um artigo de opinião, do ex-sacerdote, Dr. João Oliveira Lopes, que manifesta a sua incredulidade perante o que lera. Pura e simplesmente não percebera patavina do que se passara.

Estava dado o tiro de partida para uma polémica na Reconquista, que terá durado seguramente uma meia dúzia de semanas ou mais, em que David Infante e João Oliveira, disseram cobras e lagartos, nem sei mesmo se chegaram a roçar o insulto pessoal.



E isto tudo, porque o Dr João Oliveira, a residir creio que em Coimbra, queria perceber o que se passara e David Infante, em sua opinião, não o relatara. Pudera. Quem seria capaz de colocar em letra de forma, fielmente, um acontecimento com estas nuances!

Em resumo: para mim foi este o facto mais revolucionário e convenhamos anárquico, directamente assacado ao 25 de Abril de 74, vivido em Alcains.


Outros na mesma onda, mas do meu ponto de vista, com menor impacto, sucederiam entretanto e a eles voltarei oportunamente.

MC
Textos e fotos de MC relativos à Guerra Colonial em:
- Panoramio photos by José Castilho
- Galeria Noqui

4 comentários:

  1. Li com atenção o teu texto” O 25 de Abril de 74 em Alcains” no mês de Maio. Ao tempo, era um adolescente. Foram muitas frases que me cansaram. Retenho-as na minha mente de tanto as ouvir repetidas. Na altura, faziam sentido e eram maravilhosamente novas. Recordo de forma hilariante a doentia depressão que se apoderou de algumas pessoas. Foi com violência verbal que conseguiram argumentar. A violência física não se justificaria. Foram aniquilados pela capacidade de resistência psicológica de um só homem. Foi engraçado, não os censuro, experimentaram momentaneamente a deliciosa sensação de liberdade… Indivíduos de que me recordo na altura, hoje, colocaram as palas e evidenciam a sua cobardia e marcham tal qual cordeirinhos ao lado de quem f… o país, mas enfim, nem todos nascem com eles no sítio...

    JoAo MAnuEl

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  2. O 25 Abril de 1974 em Alcains – o primeiro 1º de Maio !

    Tenho uma ideia bem nítida do que foi este dia.Ouvia na Rádio o que se passava em Lisboa,
    a Festa na verdadeira acepção da palavra – o Povo Unido - na total dimensão do que estas palavras significam.

    Dava aulas e preparava uns testes em casa. No Clube Recreativo seguia-se pela TV, a preto e branco, a euforia do momento que se vivia.

    Félix Rafael, desenha com o geito que se lhe reconhece, uma cartolina com Rua 25 de Abril, e as palavras recortadas para receberem tinta.

    O Sr Zé Castilho (da loja), vai não sei com quem, buscar a escada, surge uma lata de tinta, e a Rua em que o Clube Recreativo estava e está sediado, que se chamava até então Rua Salazar, naquele dia “histórico” passava a 25 de Abril. Vários associados do CRA tinham sido os padrinhos.

    Naquele dia não houve interferências externas nem polémicas, e o nome do ditador apagado daquela artéria. Definitivamente.

    A Junta de Freguesia é que não terá gostado muito desta manifestação espontânea da vontade popular.

    Era porém um facto consumado! Até hoje.

    MC

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  3. O 25 de Abril de 1974 em Alcains – em 1 de Novembro – Canto Livre na Casa do Povo.

    A revolução ia de vento em popa. Do ponto de vista cultural, era a descoberta de poetas, músicos e cantores, até então ignorados. Ou estavam no estrangeiro como Luís Cília, Sérgio
    Godinho e Zé Mário Branco, ou estavam por cá e as suas obras nas margens da quase clandestinidade, como seriam os casos de Ary dos Santos, Padre Fanhais, do Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira.

    Os Comandos, faziam dinamização cultural em Trás-os-Montes, no Alentejo era a Reforma Agrária, que terá afectado até alguns agricultores de Alcains, mas “O Povo Unido jamais será vencido” era a palavra de ordem, no fundo um slogan importado do Chile, e que levara ao poder Salvador Allende, cujo mandato terminara no banho de sangue que se conhecia.

    Vasco Gonçalves graduado em general, era 1º Ministro desde 12 de Julho de 1974, e este país vivia a euforia da Liberdade.

    As sessões de Canto Livre, com os poetas, cantores e músicos até aí proscritos, a que se aliavam os aderentes do post. 25/4, corriam o país com uma população repentinamente ávida das suas canções e das mensagens nelas contidas.

    Carlos Alberto Moniz, e outros, com Herman a viola-baixo, sim esse em que estão a pensar, compõem um tema emblemático, “Força, força companheiro Vasco, nós seremos a muralha de aço”, uma muralha que se viria a revelar de aço bastante macio...

    Alcains, também teve a sua sessão de Canto Livre. Contactos creio que o Dr Acrísio Dias tinha em Lisboa, trouxerama a Alcains, Fausto Bordalo Dias, Tino Flores e outros, cujos nomes não retenho e que a 1 de Novembro enchem a Casa do Povo.

    Um misto de mensagens apelativas e algumas canções comporiam um espectáculo que nunca mais esqueci.

    Fausto é afirmativo: camaradas o que nos move é a luta dos operários contra os patrões, contra a burguesia, contra o fascismo, e arranca com :

    A Cantiga é uma arma
    Eu não sabia
    A cantiga é uma arma
    Contra a burguesia

    Tudo depende da raiva
    Ou da alegria
    A Cantiga é uma arma
    E eu não sabia

    Tudo depende da bala
    E da pontaria
    A Cantiga é uma arma
    E eu não sabia

    Estas algumas das estrofes, que o cantor sublinhava, encostando a viola ao ombro e apontando o braço para o público, tipo G3.

    Cá atrás de pé, já não recordo ao lado de quem, pensava, “não havia necessidade” e isto não vai por bom caminho, numa terra sem tradições de luta de classes e em que os patrões festejavam o 1º de Maio com os operários.

    Um ano depois, a 25 de Novembro, o Grupo dos 9, que reunia a ala moderada dos militares, em que avultavam os nomes de Melo Antunes, o político, o nosso conterrâneo Eanes , o estratega, e Jaime Neves, o operacional, colocavam a Revolução nos carris.

    Findara a festa!

    MC

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  4. Agora que a vida me levou para mais longe da terra que amo, sabe bem ler e recordar coisas de Alcains.
    Bem Haja

    GCA

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