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domingo, 19 de setembro de 2010

A MENINA ALICE

ALICE CHAVES
Com 25 anos de idade em 1959 e depois de acesa disputa entre São Miguel de Acha e Alcains pela prestação dos serviços de enfermagem da então recentemente formada Enfermeira Alice, por cá ficou “uma amiga” que tal como as estrelas,” nem sempre se vêm...mas estão lá”.
Naquele tempo, em 1959, ainda o Hospital José Pereira Monteiro cumpria a sua função estando à sua frente o Sr. Padre Heitor, que ganhou a contenda e onde a menina Alice iniciou um caminho de “eterna menina”, qual for de estufa que pela generalidade dos Alcainenses, assim é carinhosamente tratada.
Com a saída de Alcains do Sr. Padre Heitor, sucede-lhe o então Reitor do Seminário de Alcains, o Sr. Padre Francisco Rodrigues Chaves, que chegou a Cónego na hierarquia da Igreja Católica e foi Pároco de Alcains após a morte do “nosso” Sr. Vigário o saudoso para mim, Padre António Afonso Ribeiro.
Conta-me a Menina Alice que teve uma infância e juventude de saúde muito débil, chegando a estar internada um ano devido a uma lesão pulmonar.
Muitas vezes só...por vezes, apenas por companhia de imagem de Nossa Senhora com quem se aconselhava, a quem rezava, a quem saúde pedia nem que fosse por um dia...
Apesar de formada em ciências, a sua emoção suplantou a razão e mulher de fé que foi e é, acredita que a sua cura se deveu à sua força interior, à sua religiosa fé.
Fé testada nos labirintos de recaída no Hospital de Celas em Coimbra, com freiras, muitas vezes arteiras...
Naquelas noites tristes e tempos de solidão, resistiu, disse não... começando a compor os poemas que de refúgio serviam para alimentar a precária vida, as angústias, as alegrias e tristezas, a saudade.
Dizia, ficava melhor quando escrevia!!!
E tanto escrevia que, em certo dia, em casa ouço a minha filha, criança ainda, cantar umas quadras de uma “Marcha de Alcains”, que em Rancho Infantil ensaiava.
Averiguei e cheguei então há uns anos à “escrita da Menina Alice”...
ALCAINS, ó Minha Terra, é um poema que retrata bem o carinho e a amizade que a Menina Alice nutre por Alcains.
Refiro apenas uma das seis pérolas com que nos brindou.

Em arte não tens rival
Nas pedras tu és rainha
Tens canteiros sem igual
Não há outra em Portugal
Só tu podias ser minha.

No seu livro “ALMA EM VERSO”, percurso poético da sua vida, a Menina Alice conta de forma fina e elegante uma parte da história de Alcains, que ela ajudou a construir.
Em 1932, de família oriunda de São Miguel de Acha, em Braço de Prata, Lisboa, nasceu uma eterna menina, Alice de seu nome.
Sabe, dizia-me, esta coisa de a generalidade das pessoas de Alcains me tratar por Menina, mexe comigo...
A Menina Alice é que mexeu connosco, respondo eu agora, pelo seu livro, na sua ajuda à comunidade Alcainense, no apoio à catequese mas principalmente na Extensão de Saúde pela disponibilidade, pela educação, e pelo modo humanizado com que exerceu a sua profissão.
Pelo legado que nos deixa, a Menina Alice não esteve no país das maravilhas...ela foi sim, para Alcains, uma autêntica MARAVILHA.

Manuel Peralta

Nota: Quando da publicação do seu livro, escrevi para o Reconquista em 13 de Agosto de 2009, o texto que agora aqui publico.

Alcains, ó Minha Terra.

O Filho da Menina Alice

Pela mão da minha esposa entrou em casa educado, tranquilo, e não se sentou enquanto para tal não o convidei...
Vinha de calção verde escuro, marinho, boné com pála para a frente e trazia ao peito um gerbérico pólo rosa, explosivo em bem fazer de um percurso poético de uma vida versejada de “Alma em Verso”, de chaves que abrem as fechadas portas destes tempos de muita parra e pouca uva...
A Ana Maria e o Francisco Rafael adubaram uma leira de terreno fértil em emoções, que em tardes de domingo regaram com muitos afectos e estimularam a hiper discreta menina Alice a mentalmente dar à luz uma vida repleta ao serviço dos outros, na catequese, na doutrina, no Lar Major Rato, na Extensão de Saúde de Alcains como Enfermeira, e em todas as actividades relacionadas com os outros.
Com ela na Extensão de Saúde não havia horas para as injecções, muito menos para medir a “atenção” de pais e avós que sem caderno e com a “atenção” em 18/14 tinham ali apoio discreto, e não eram enxovalhadas com tempos, prazos, limites, ter a vez, e outras formas públicas de afastar os mais dependentes que de chapéu na mão, mendigam envergonhadamente direitos que a democracia não consolidou.
No Lar Major Rato, acompanhei de perto com o Sr. Luis Pequeno a sua acção desinteressada como enfermeira, ensaiadora do Rancho, apoiante diária de actividades ao serviço dos outros sempre com um sorriso, uma palavra, um afecto, enfim, um olhar companheiro de esperança que nos estimula a acreditar que vale a pena estar com os outros.
O seu “Filho”, de nome “Alma em Verso”, nasceu e viu a luz do dia com as dificuldades das mulheres de fibra como a Menina Alice, foi um parto normal, assistido pela Ti Luz Pereira, e pela Ana e o Chico, não foi ao solar dos Goulões ao Engraxatório onde basta dar graxa e os apoios aparecem... eu próprio tenho no prelo um livro denominado “A importância do pescoço pelado no desempenho da galinha pedrêz”, e não consigo apoio para o publicar, mas não vendo as minhas convicções para ter filhos que ninguém lê, conhece, e são encargos futuros para os pagadores de impostos...
De 1944, S. Miguel d´Acha, vestido de chita e tranças, a 1966 com permanente e blusa de táfetá, a Menina Alice viveu no Prejac, no Amor de Mãe, na Imaculada Conceição, na Primavera, Desalentos, Imaginação, Enfermagem, Serei feliz... entre muitos outros no recinto de Santa Apolónia na festa do Sr. Vigário numa carta linda que o seu filho, de Alma em Verso retém.
Sabe Menina Alice, por vezes, nestas missas sem Tantum Ergum “os nossos olhares tocam-se... na minha mente o seu filho está comigo...no bem fazer, na discrição, num olhar de gente simples, como simples é a sua passagem pela vida, na lembrança das simples pessoas que o seu filho marca e marcará.
Alcains ó Minha Terra, para quem conhece a letra, diz bem do seu amor pela terra que a adoptou... ter nascido em Alcains não dá qualquer direito especial de mordomia...mas esta sua terra cheia de encanto e beleza, airosa, singela e portuguesa ficará por cá... sempre nas mentes das simples pessoas de bem que a olham com a simplicidade da Menina Alice.
Contradizendo o que se diz no Engraxatório, não é necessário um grande homem para haver uma Grande Mulher.
Pedindo licença para se levantar, o filho da Menina Alice, saíu como entrou... uma parte dele ficou por cá.
Valeu a pena ter conhecido o filho da Menina Alice de nome”Alma em Verso”.

Manuel Peralta

1 comentário:

  1. Sei que herdei o meu gosto pela música e variadas artes pelo meu lado Rafael mas principalmente pelo lado Peralta. A menina Alice só me incentivou a levar esse gosto mais à frente. Com ela aprendi a dançar, a cantar e até a representar. Participei em inúmeras apresentações do rancho com o meu primeiro par o Bruno Piloto, envergando uma bela saia vermelha com barra preta de veludo, camisa branca com folhos, meias de renda, avental preto bordado e lenço azul na cabeça tudo design da Tia Clara. Cantei nas festas de Natal e de fim de ano do colégio ao lado da Lili a música "Maria da Conceição". Ela fazia de rapaz porque na altura tal como ainda acontece hoje as raparigas eram mais dadas a estas andanças. Era a nossa catequista e lá por altura das épocas católicas mais festivas ensaiávamos sempre qualquer peça para mostrar aos pais todos os ensinamentos da catequese. Lembro-me da festa da Legião de Maria em que representei, cantei e até dancei. Lembro-me particularmente desta festa porque foi a 1ª vez que me esqueci da letra de uma música . Também por alturas da comemoração do aniversário de sacerdócio do Sr Vigário ( também ele meu) fui convidada para cantar em cima de um atrelado na Sta Apolónia a minha actual padroeira, uma música que relembrava as 3 gerações que o Sr Vigário já tinha abençoado. A geração dos meus avós, pais e a minha.Recordo com muito carinho e alguma saudade os meus tempos de "artista" muitos deles proporcionados pela Menina Alice. Foram momentos gratificantes, divertidos e de verdadeira sabedoria na sua companhia. Acredito que cresci com ela para me tornar uma mulher melhor e agradeço ter tido nela um bom exemplo de vida e de dedicação aos outros.

    Filipa Peralta

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